A diferença entre qualquer preço e qualquer custo, por Matê da Luz

Por Matê da Luz

Participei esta semana de um evento com a Denise Damiani  e após todo o conteúdo – voltado para  desenvolvimento econômico da mulher, saímos pra jantar, uma amiga e eu.

Papo vai, papo vem, começamos a trocar confissões sobre nossas tormentas internas: problemas com os pais, problemas com os filhos, auto-estima. Basicamente, a solução para todas estas questões estava sendo lidada em terapia e, portanto, cedo ou tarde, seriam abrandadas. 

Foi quando me deu um estalo e lancei: na verdadem cada uma de nossos temas variava dependendo de um denominador comum: nosso olhar sobre aquilo. Ela ficou um pouco desapontada, assim como eu, porque na verdade é sempre mais simples alocar as questões no outro – atire a primeira pedra quem nunca o fez. Difícil – e trabalhoso! – seria exercitar a prática da responsabilidade sobre as percepções. 

Exemplifiquei: você lança um produto. Para formatar este produto com alguma vantagem no mercado, você opta por rastrear todas as fases de produção, inclusive a dos seus fornecedores, o que dá mais trabalho e, portanto, acaba embutido no valor monetario do produto. Daí você acha que, numa análise rasa, está vendendo caro demais. “Depende do olhar que está colocando: se o olhar do preço ou o olhar do custo, assim como na vida.”

Incrédula, ela continua a me observar frente a uma descoberta importante demais pra ser explicada de forma simples: “no custo, a gente considera as coisas e tarefas mais práticas: compra, tempo, manuseio. No preço, o que é contemplado é todo um contexto além do custo, alguns fatores para os quais não há justificativa prática, mas que são fundamentais para que aquele produto seja exatamente do jeito que ele é. 

Expliquei sobre uma questão inerente ao meu próprio negócio, as costureiras. Há uma enorme crise no setor, onde grandes marcas vêm sendo desmascaradas por contratar trabalho escravo, com condições absurdamente precárias de trabalho, remuneração e legalidade. O custo deste tipo de produção é consideravelmente mais barato e, portanto, torna maior a possibilidade do aumento da margem de lucro. Mas eu vendo produtos que visam o bem estar, então comcei a procurar por costureiras que, no mínimo, se sentissem bem realizando o trabalho pra mim. Não é exagero dizer que este custo aumentou em até quatro vezes – mas o preço do meu produto está absolutamente justificado pra mim, ao colocar no mercado realmente a melhor versão daquilo que ofereço. 

daí a relevância de saber diferenciar o “a qualquer custo” que, na minha opinião, observa o valor monetário e direto de cada coisa, ao “a qualquer preço” que, ainda na minha opinião, enxerga toda a cadeia envolvida na questão, da manufatura ao uso propriamente dito do que estou vendendo. 

Na vida, acho eu, a mesma equação se aplica: se nos prostarmos diante dos custos, cada batalha pode acabar, como o próprio nome diz, custosa demais, cansativa, sem fim. Mas ao nos colocarmos como prestadores em busca do melhor contexto possível, talvez nos sintamos mais aptos e estimulados a continuar, sabendo que aquilo que cobramos – e que vem sendo cobrado também de nós, com um trabalho de rastreio maior e mais detalhado – tem motivações que vão além do ganho em si. E isso, por si só, já tem de certo gostinho de vitória. 

 

Mariana A. Nassif

Mariana A. Nassif

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