A Revolta dos Coronas, por Antonio Rodrigues do Nascimento

A Revolta dos Coronas

por Antonio Rodrigues do Nascimento

E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram; 

eles dobram por vós (John Donne)

A história da humanidade pode ser descrita a partir das revoltas, revoluções e guerras nas quais se revela que “o ser humano não é uma criatura afável e carente de amor”, mas que possui também uma “cota considerável de tendência agressiva no seu dote de impulsos” que faz com que a vida possa ser transformada numa experência difícil e dolorosa devido à maldade constitutiva do nosso ser, como observou Freud em O mal-estar na cultura (1930).

Por outro lado, a popular construção ideológica do suposto caráter pacífico e cordial do povo brasileiro é contraditada empiricamente por inúmeros fatos históricos e, mais recentemente, por análises que ousam romper com o temor reverencial diante das teses dos “mestres do pensamento” nativo, a exemplo da sociologia iconoclástica de Angela Alonso (Flores, Votos e Balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88), 2015) e Jessé Souza (A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, 2017).      

Dito isso, acreditamos que um novo evento deverá ser catologado na longa lista de insurgências brasileiras desde a “Guerra de Iguape” (1534-1536) — que uniu índios carijós a espanhóis na luta contra portugueses após a assinatura do Tratado de Tordesilhas — até as “Jornadas de Junho de 2013”, movimento que com o uso da tecnologia de comunicação mobilizou milhões de brasileiros às ruas para exigir variadas e até mesmo incompatíveis providências governamentais.

Estamos falando do estalar da revolta diante da imposição de quarentena para minimização dos efeitos da pandemia de COVID-19. Os revoltosos têm saído às ruas em carreatas nas quais abundam SUVs de última geração para exigir ao som do hino nacional que a economia do país não seja paralisada pela adesão dos trabalhadores às ordens de restrição do contato social. Ao fenômeno identificado em diversos Estados brasileiros chamamos “Revolta dos Coronas” ou “A Coronagem”.

Há suspeita de que os participantes das ações veiculares estariam psicologicamente imunizados à doença viral que assola o mundo em virtude de terem contraído anteriormente a “influenza asinina”, moléstia causada pelo contato íntimo entre seres humanos e espécimes bovinas, asininas e muares adoecidas.   

Contudo, diferentemente do que possa parecer, não se trata de um movimento exclusivamente nacional. Em todo o planeta assiste-se a uma irritação e radicalização crescentes por parte dos imunizados pela “influenza asinina” diante das estratégias para frear o coronavírus. Uma característica inusitada que especifica a revolta brasileira e a torna um símbolo internacional do movimento é que ela é liderada pelo presidente da república, enquanto na maioria dos países as autoridades oficiais têm buscado reprimir revoltosos e assegurar medidas de restrição do contato social.    

Nos EUA, onde há uma grande comunidade imunizada, houve tentativa de explosão de um hospital na cidade de Belton, Missouri. O evento resultou, no dia 24/03/2020, na morte do neonazista Thimothy Wilson por agentes do FBI, após Wilson ter resistido à voz de prisão. Além do Brasil e dos EUA, foram identificados focos revoltosos na Noruega, Ucrânia e Alemanha, como relata Michael Colborne na reportagem “Enquanto o mundo luta para parar as mortes, a extrema direita comemora o COVID-19” (Al Jazeera, 26/03/2020). 

Os “coronados” brasileiros, assim como seus pares estrangeiros, pretendem construir uma “nova sociedade” sobre os escombros da pandemia, aproveitando a oportunidade criada pelo aliado viral para aumentar a tensão, o pânico e o uso da violência, especialmente contra os pobres, considerados os grandes responsáveis pela crise econômica gerada pela pandemia, pois, enquanto as classes privilegiadas podem manter negócios girando em modo homing, a maior parte dos pobres precisa sair da quarentena doméstica para trabalhar.

Autoridades públicas e cientistas comprometidos com a manutenção da vida humana compartilham da esperança de que seja desenvolvida a tempo uma droga para reverter a imunização psicológica ao coronavírus provocada pela “influenza asinina”, todavia, os efeitos deletérios do movimento dos imunizados sobre a saúde física e moral da humanidade deixará profundas cicatrizes sorológicas e sociais.   

Antonio Rodrigues do Nascimento – Advogado e professor de direito. Autor de Futebol & relação de consumo (Manole, 2013)

Redação

Redação

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  • Será que o Véi da Havan participou da carreata pró-covid-19 e de volta as compras e aí trabalho?
    Se ele não depende da Havan pra viver, se tem dinheiro para ir pra praia, porque ele participa da carreata, de é que o fez?
    Preocupação com os trabalhadores?
    Ele paga um salário digno e qual a jornada de trabalho em duas lojas e quais as condições de trabalho?
    Se paga o mesmo salário que outros empresários pagam, ele não tem nenhuma diferença dos demais empregadores que não estão nem aí prós trabalhadores?

    Esses nojentos impõem a miséria aos trabalhadores e fingem estar preocupados porque os trabalhadores a quem eles pagam salários de miséria podem vir a passar fome, e com isso tentam ludibriar suas vítimas para utilizá-las para obterem seus interesses.

    Ou tá faltando comida na geladeira do Véi?

    Se toca, Morcegão. Tu tá mais sanguessugão do que os Bolsas Lumbrichoides em dia de pagamento dos Aceçores de pirata nenhuma

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