Brasil e Venezuela entram em conflito com migrantes, ajuda humanitária e fronteiras fechadas

Por Robert Muggah e Adriana Abdenur

Em The Conversation

Os Estados Unidos, a Colômbia e o Brasil – todos apoiadores dos esforços de Guaidó para derrubar Maduro – armazenaram centenas de toneladas de suprimentos médicos e alimentares nas fronteiras da Venezuela com a Colômbia e o Brasil. Maduro, que condena os comboios humanitários como pretexto para uma invasão militar liderada pelos EUA , recusa-se a permitir a entrada do material.

O impasse acerca da ajuda se intensificou entre os dias 22 e 24 de fevereiro. Enquanto os membros da oposição venezuelana protestavam contra o bloqueio nas fronteiras, as forças de segurança venezuelanas abriram fogo. Até sete manifestantes foram mortos na fronteira colombiana e estima-se que 25 tenham morrido perto da fronteira com o Brasil.
Apesar de ter aceito a entrada de aviões russos com 300 toneladas de assistência humanitária, Maduro já fechou as fronteiras terrestres da Venezuela com o Brasil e a Colômbia e rompeu relações diplomáticas com a Colômbia.

Militarizando a fronteira

O presidente do Brasil, militar da reserva Jair Bolsonaro, é admirador do presidente dos EUA, Donald Trump, e feroz crítico de todos os governos de esquerda – incluindo o da Venezuela.

Desde que Guaidó desafiou o esquerdista Maduro, em janeiro, após uma eleição presidencial criticada interna- e internacionalmente como irregular, Bolsonaro prometeu fazer “tudo” necessário para ajudar Guaidó a restaurar a democracia.

Em fevereiro, Bolsonaro recebeu Guaidó – que improvisava um périplo diplomático por vários países da região – no palácio presidencial de Brasília com toda a pompa de uma visita de Estado.

Guaidó não é o único venezuelano a chegar ao Brasil recentemente.

Todos os dias, milhares de venezuelanos chegam a países vizinhos, fugindo da fome, da pobreza e da escassez de medicamentos. Segundo as Nações Unidas, os refugiados e migrantes venezuelanos já somam mais de 3,4 milhões em todo o mundo.

A Colômbia recebeu boa parte desse êxodo: mais de 1,1 milhão de refugiados e migrantes. Mas estima-se que 96.000 venezuelanos também vieram para o Brasil desde 2017, a maioria chegando a pé ao estado de Roraima, no norte do Brasil. Aproximadamente 65.000 desses migrantes venezuelanos pediram o refúgio no Brasil.

Para administrar o fluxo, o Brasil planeja dobrar sua já significativa presença militar na fronteira venezuelana, para onde pelo menos 3.200 soldados foram enviados em 2018 com o propósito de “garantir a lei e a ordem”.

Tanques das forças de segurança venezuelanas chegaram a patrulhar a fronteira com o Brasil para impor a ordem, emitida por Maduro em 21 de fevereiro, de que nada – nem ajuda, nem migrantes – atravesse a fronteira entre os dois países.

O Ministério da Defesa do Brasil negociou com o exército venezuelano para evitar mais episódios de violência em torno da entrega de ajuda humanitária e para que veículos blindados fossem retirados de ambos os lados da fronteira. O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas, afirmou que o Brasil rejeita tomar “medidas extremas” na Venezuela.

Mas o potencial para um confronto militar parece muito real.

Bolsonaro despachou aviões com 22 toneladas de arroz, leite em pó e kits médicos para Roraima para ajudar os cerca de 5.200 refugiados e migrantes venezuelanos que vivem em abrigos e nas ruas de lá.

Os esforços dos apoiadores da oposição venezuelana para trazer parte dessa ajuda para território venezuelano foram rejeitados pelas forças de segurança venezuelanas. Os militares e policiais montaram barricadas, lançaram bombas de gás lacrimogêneo e atacaram os manifestantes.

O site de inteligência militar brasileiro Defesa Net relata que a Venezuela posicionou mísseis antiaéreos na fronteira, estimulando a especulação aberta no Brasil sobre a possibilidade de uma guerra com o vizinho do norte.

Violência nas fronteiras

Oficialmente, o Brasil rejeita a intervenção militar na Venezuela.

O país faz parte do Grupo Lima, um agrupamento de 14 governos latino-americanos e do Canadá, que recomenda a saída pacífica de Maduro como parte da solução para a crise na Venezuela. O grupo está pressionando Maduro a abandonar o poder e deixar o país, permitindo que Guaidó lidere um governo de transição e que novas eleições sejam convocadas.

Mas Bolsonaro já deixou claro que considera Maduro um ditador.

“No fim das contas, os venezuelanos são cidadãos, nossos irmãos, e estão passando por sérias dificuldades sob a ditadura de Nicolás Maduro”, disse ele em outubro .

Durante a campanha presidencial do Brasil, em 2018, Bolsonaro e seus três filhos políticos trocaram insultos no Twitter com Maduro. O caçula, um deputado de 34 anos impetuoso e fã de Steve Bannon–que serviu como assessor de Trump–chegou a pedir o assassinato do líder venezuelano. Ele ainda apóia publicamente  que Maduro seja “removido”.

Maduro, por sua vez, rotulou Bolsonaro de fascista e “Hitler dos tempos modernos.” Ele acusa tanto Bolsonaro quanto o vice-presidente Mourão de serem marionetes dos Estados Unidos.

Batalhas em torno da ajuda humanitária

Nos últimos dias, Bolsonaro amenizou sua retórica beligerante, concentrando-se na necessidade de democracia e ajuda humanitária na Venezuela.

É provável que tenha baixado o tom por insistência do vice-presidente Mourão e de outros generais que ocupam cargos de gabinete em seu governo. O exército do Brasil deseja evitar um conflito confuso e prolongado com seu vizinho do norte.

Mourão contestou as alegações de que uma base militar norte-americana seria estabelecida no Brasil, afirmando que sob hipótese alguma o Brasil permitiria que tropas dos EUA entrassem na Venezuela pelo Brasil.

Ele também afirmou que a única possibilidade de conflito com a Venezuela seria se o Brasil for atacado primeiro.

A ruptura com o não-intervencionismo

A rejeição oficial do Brasil ao presidente Maduro representa uma ruptura dramática com a tradição diplomática do país. Historicamente, o Brasil evitou interferir diretamente na política venezuelana.

Praticamente todos os governos brasileiros desde o fim da ditadura militar em 1985, tanto de esquerda quanto de direita, defenderam a não-intervenção e o respeito pela soberania nacional de seus vizinhos.

Mas a Venezuela representa um desafio sem precedentes – uma crise política, humanitária e migratória de uma escala jamais vista na América Latina.

Toda a América do Sul espera evitar uma guerra civil com impactos para toda a região. Como Bolsonaro está aprendendo, a ajuda humanitária, os migrantes e as relações políticas com Maduro devem ser tratados com extrema cautela.

O filho mais jovem e influente do presidente não parece ter recebido o recado.

Em 23 de fevereiro, Eduardo Bolsonaro tuitou que Maduro só será expulso “à base do tiro”.

Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé e Adriana Abdenur é pesquisadora associada do Centro de Estudos Estratégicos Políticos, Colégio Naval de Guerra do Brasil

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