A Lei 13.467/2017 promoveu extensa mudança na legislação trabalhista brasileira. As reformas trabalhistas feitas no mundo depois de 2008 visam criar um ambiente favorável à flexibilização das relações laborais e dos sistemas de relações do trabalho, buscam a redução do custo do trabalho, a redução de riscos e acúmulo de passivos trabalhistas, novas formas de contrato de trabalho, de jornada e salários maleáveis, baixa interferência da Justiça do Trabalho e manutenção, quando necessários, de sindicatos frágeis ou inúteis. Passos importantes nesse sentido foram dados no mundo com as mais de 640 reformas realizadas em 110 países, entre 2008 e 2014. No Brasil a reforma realizada em 2017 foi a mais rápida e extensa, um modelo para o mundo! Agora o governo anuncia sua continuidade.
A PEC 06/2019 apresenta um projeto de mudanças no sistema de Seguridade e Previdência Social bastante extenso, incluindo lascas de uma reforma laboral e induzindo a “nova previdência” (marketing do projeto de mudanças) para o que virá de reforma laboral na sequência. Conforme anunciado na campanha eleitoral, o governo Bolsonaro indica a criação da carteira de trabalho verde e amarela, um tipo de vínculo laboral com patamar rebaixado de proteção (menor custo), maior flexibilidade para contratar e definir regras laborais, sem proteção sindical e com possibilidades de previdência via sistema de capitalização.
O mundo dos novos tempos é colorido. Azul para meninos e rosa para meninas. Azul, ou verde e amarelo para trabalhadores, os primeiros são protegidos sindical e previdenciariamente, os segundos são louvados pela meritocracia e lascados pela precarização. A política binária favorece os incluídos e aumenta os excluídos, agora legalizados.
A reforma sindical também se anuncia com indicações para implantar a pluralidade sindical visando aumentar a concorrência entre os sindicatos entre si e na disputa pelos trabalhadores. A Liberdade Sindical, princípio da OIT, define a autonomia dos trabalhadores e empregadores para decidirem, livres das amarras do Estado, a forma de se organizarem. É muito importante destacar a relação direta e dependente entre o modelo sindical e o modelo de sistema de relações de trabalho. Atacar um é destruir o outro. A construção positiva de um dá ensejo a um modelo coerente de outro.
Na avidez por conter a atuação dos sindicatos e sua resistência à flexibilização, a Lei 13.467 atacou o financiamento sindical restringindo o desconto da contribuição sindical. Depois, o STF limitou a contribuição assistencial. Agora, a Medida Provisória 873, editada na noite da sexta-feira de carnaval (1º/3/2019), esclarece e define as regras referentes às contribuições aos sindicatos indicadas na Lei 13.467.
A edição da MP para efeito imediato aponta para a urgência em combater o ativismo sindical e também do Judiciário. Após a Lei 13.467 ter feito uma reforma sindical às escondidas, o movimento sindical passou a buscar alternativas no âmbito das negociações coletivas para tratar do financiamento dos sindicatos. Predominou o entendimento de que as assembleias de todos os trabalhadores (sócios e não sócios) deliberam sobre a negociação (pauta e processo negocial) e definem o aporte financeiro que os trabalhadores farão por conta da construção do contrato coletivo de trabalho. Incluída nos instrumentos, a regra de financiamento aprovada em assembleia garantia, ainda, o direito de oposição ao não sócio do sindicato. A Justiça do Trabalho e o MPT passaram a considerar possibilidades em torno dessa estratégia. É isso que o governo denomina de ativismo.
Para o governo esse ativismo estava em dissintonia às intenções da Lei 13.467, e, portanto, o esclarecimento normativo se fazia necessário: a intenção é evitar, inibir e desincentivar qualquer relação dos trabalhadores não sócios com o sindicato, em assembleia ou evento semelhante, e criar cizânia entre sócios e não sócios. Primeiro, os não sócios têm direito a todos os benefícios das Convenções Coletivas ou Acordos Coletivos, sem a obrigação de contribuir com o sindicato, segundo, cabe somente aos sócios a responsabilidade de financiar o sindicato. Ou seja, alguns bancam e financiam o direito a que todos têm acesso, independentemente da contribuição, pois os não sócios contribuirão com os sindicatos somente se o quiserem. Nesse caso, terão que manifestar sua opção individual de contribuir – sem nenhuma relação com a categoria e suas formas de atuação e organização – por meio de uma autorização expressa (quero contribuir mesmo!) e por escrito. Com esse documento individual em mãos, o sindicato deverá emitir um boleto bancário, não sendo mais permitido o desconto em folha de pagamento. Simples e cristalino. O sócio será um altruísta que financiará o direito dos demais, e está aberta a porteira da cizânia.
Neste momento, são a PEC 06/2019 e a MP 873 a serem enfrentadas no Congresso. Em breve, outras medidas virão. Resta a luta com unidade e capacidade propositiva de intervenção institucional.
Clemente Ganz Lúcio – Sociólogo, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
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