“Dividir e conquistar era o slogan dos nazistas”, diz general Mattis atacando Trump, por Arnaldo Cardoso

‘Dividir e conquistar era o slogan dos nazistas’, diz general Mattis atacando Trump

por Arnaldo Cardoso

Se racismo, violência policial, saldo trágico de mortes na pandemia do coronavírus e um presidente da República vulgar, narcísico, autoritário, servindo-se de fake news e desinformação para engajar seguidores por meio de mídias sociais convidam ao estabelecimento de paralelos para a análise do momento vivido nos Estados Unidos e Brasil, uma significativa diferença foi reafirmada pelas respostas de importantes lideranças militares à inapropriada e inadvertida convocação do Exército para reprimir manifestantes que protestam contra o racismo, iniciadas após o assassinato do cidadão negro George Floyd, ocorrido em Minneapolis no último dia 25.

O ex-secretário de Defesa general James Mattis, que se demitiu em 2018, muito respeitado entre os fuzileiros navais norte-americanos por ter servido junto a eles por mais de quarenta anos, mandou a seguinte mensagem a Donald Trump através de uma carta publicada na revista The Atlantic e reproduzida por diversos jornais:

As instruções dadas a nossas tropas antes da invasão da Normandia lembraram aos soldados que o slogan dos nazistas para nos destruir era ‘Divida e conquiste’ e nossa resposta foi ‘Há força na união’. Devemos chamar essa unidade para superar essa crise […]. Donald Trump é o primeiro presidente da minha vida que não busca a união do povo americano e nem finge fazê-lo. Em vez disso, tenta nos dividir. Estamos testemunhando os frutos de três anos desse esforço deliberado. Estamos testemunhando as consequências de três meses sem liderança madura. Podemos nos unir sem ele, reunindo a força inerente a nossa sociedade civil“. Com o vigoroso ataque do general Mattis ele alertou a todos sobre a ameaça de fratura da nação.

Também o ex-militar e atual secretário de Defesa e chefe do Pentágono Mark Esper e o chefe de gabinete general Mark Milley criticaram Trump depois de terem sido usados após uma reunião na Casa Branca, para sem saberem, serem levados à frente da Igreja Episcopal Saint John para uma foto com Trump levantando uma bíblia, para oportunisticamente simular ter o apoio de militares e religiosos. Tudo isso ocorrendo logo após o cumprimento pela polícia de uma violenta ordem de Trump para dispersar manifestantes do entorno da Casa Branca.

Em meio à onda de protestos que, apesar de várias ocorrências de violência e saques, tem evoluído para formas pacíficas, os meios de comunicação e diferentes lideranças da sociedade civil tem lembrado insistentemente da Primeira Emenda da Constituição que assegura a livre manifestação dos cidadãos.

Em contraste aos apelos de Trump para os policiais endurecerem a repressão aos manifestantes nos diversos estados o que se tem visto é uma sucessão de cenas de policiais se ajoelhando diante de manifestantes.

Até o chefe de política de Houston se rebelou em relação às falas de Trump, disparando ‘Trump, se você não tem nada a dizer, mantenha a boca fechada’.

A resposta de Trump aos vários líderes militares que o criticaram foi, como de costume, o lançamento de ataques e tentativas de desqualificação de seus opositores.

Tem sido alvo de duras críticas que desenham uma verdadeira crise institucional a pretendida invocação por Trump da Lei da Insurreição, uma lei de 1807, que foi usada pela última vez em 1992 na tentativa de apaziguar o levante de 1992 em Los Angeles após o assassinato do cidadão negro Rodney King.

Sobre a invocação da Lei de Insurreição o chefe do Pentágono Mark Esper declarou “Não sou a favor de sua invocação. Estas medidas devem ser utilizadas apenas como último recurso, nas situações mais urgentes e graves. Agora não estamos em uma dessas situações”.

Muitos analistas têm lembrado que Trump se elegeu investindo nas tensões de natureza racial, econômica e cultural existentes no país. A tática do confronto e da divisão serviu para se eleger, mas tem se mostrado um desastre para governar.

O general James Mattis em sua carta ainda emendou: “Sabemos que somos melhores do que o abuso da autoridade executiva que presenciamos na Praça Lafayette (proximidades da Casa Branca). Temos que rejeitar e responsabilizar aqueles que estão no poder e querem rir da nossa Constituição.”

A compreensão do papel e responsabilidades das Forças Armadas nos Estados Unidos da América perante o Estado e a nação em meio a mais essa crise pode ser o fator decisivo para a sua superação. Embora sejam muitos e graves os problemas da mais importante democracia do hemisfério americano ela ainda se mostra capaz de dar sinais de energia para a realização de correções.

Seria também muito positivo se a crise vivida no tão admirado gigante do Norte servisse de inspiração e alerta aos chefes militares brasileiros quanto aos sérios danos às instituições como as Forças Armadas quando essas se curvam aos ímpetos voluntaristas e atentatórios à Constituição Federal promovidos por um tiranete que ameaça afundar todas no seu lodaçal.

Arnaldo Cardoso, cientista político

Redação

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  • Apesar da indiscutível qualidade e necessidade do texto, gostaria aqui de salientar uma pequena frase que me incomodou: "...mais importante democracia do hemisfério americano...". Dois problemas, ao meu ver, neste trecho: 1- Porque esta seria a mais importante? Se quiser chamar de mais populosa, mais rica, mais influente, ok. Mas, mais importante???; 2- Acredito que a palavra hemisfério foi mal colocada. Posso está enganado, mas acho que quando nos referimos a hemisférios queremos dizer sul e norte, apenas.

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