No Diário Oficial de 27 de maio, edição 100, seção 1, página 106, há uma série de Despachos do Presidente da República. Dentre eles, encontra-se o despacho 302: “Encaminhamento ao Congresso Nacional do texto do projeto de lei que Institui o Programa Universidade e Institutos Empreendedores e Inovadores – FUTURE-SE” (http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despachos-do-presidente-da-republica-258706434 Grifos meus).
Naomi Klein acertou em cheio em A doutrina do choque. A sanha capitalista usa todo e qualquer desastre natural para, sorrateiramente, impor profundas alterações sociais que, em tempos normais, seriam impossíveis. Em estado de choque, a população tem seus sentidos e suas consciências afetados e desorbitados. É assim que se aproveita para se “passar a boiada”, “dar canetadas” e alterar os feixes políticos “de baciada”, como celebrou o Ministro do Meio Ambiente.
O projeto FUTURE-SE não foi analisado, submetido a um diálogo aprofundado e paciente nas Universidade Federais, porém, apenas de modo aligeirado. Tampouco o FUTURE-SE foi escrutinado sob o múltiplo e o complexo contexto socioeconômico regional atinente às Universidades Federais.
Mas eis que ele segue para o Congresso, já como projeto de lei, debaixo dos sussurros dos mortos da pandemia. Nesse momento, as Universidades estão tomadas com questões urgentes: os impasses entre demanda de formação e a precarização de seus alunos com falta de recursos materiais e internet para se conectarem; mitigar o impacto da pandemia com ações extensionistas e pesquisas científicas; elaborar planos futuros de retomada de suas atividades; resistir às supressões de recursos públicos etc.
O encaminhamento do FUTURE-SE, na atual circunstância epidêmica, é mais um dos atos covardes, violentos e unilaterais do atual governo. Na expressão de Blanchot, trata-se de acossar a existência com o seu “despotismo de botas”. Sob a batuta de um Ministro da Educação que não sabe reger, o encaminhamento do FUTURE-SE é uma tentativa desesperada de um afogado político tentar mostrar serviço. Nesse caso, a boiada passando sobre a Universidade Pública é apenas um detalhe.
Seja como for, é urgente se ter consciência que o FUTURE-SE reduz a Universidade Pública a um carrasco neoliberal que só sabe puxar a corda da guilhotina para excluir cabeças, algo absolutamente normal na exclusão neoliberal. Em um país com proporções socioeconômicas desiguais e distorcidas, não são todas as Universidades que têm espaço físico, convergência epistemológica e regionalidade econômica para se transformar em empresa empreendedora.
Exemplo de duas universidades de ponta localizadas no Sudeste: a Universidade Federal de Lavras – UFLA é usada como paradigma de Universidade empreendedora e autossuficiente em áreas importantes: ela trata parte de seu esgoto, possui placas de energia solar, faz reuso de água etc. – maravilha. Detalhe: a UFLA está assentada em 600 hectares; seus cursos convergem expertise para tudo o que ela implementa em sua vasta e farta área, ou seja, é como se ela fosse um laboratório aberto, aplicando o que ensina. Mas a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP não dispõe de 600 hectares de área; seus campi estão cravados na conurbação complexa do sufocamento imobiliário; um de seus campi é exclusivamente especializado em Ciências Humanas, ou seja, o FUTURE-SE faz do incomparável um pasto homogêneo para a boiada passar.
Como se vê, o FUTURE-SE pode produzir uma desigualdade enorme entre as universidades e lançar umas contra as outras. O seu pressuposto central é o mérito pela concorrência, estrangulando, até inviabilizar, campus inteiros e áreas de conhecimento por completo, isto é, aquelas incapazes de captar recursos financeiros. Ademais, o princípio solidário entre distintas áreas pode terminar, uma vez que passarão a ser valorizadas áreas capazes de captar recursos em detrimento de outras. Aliás, o princípio do financiamento público do ensino, da pesquisa e da extensão é o de justamente impedir isso e assegurar o papel universal de todas as áreas de saberes, conhecimentos e empirias.
Não obstante, a Universidade também corre o risco de ser reduzida a uma prestadora de serviços aos interesses e às demandas comerciais, ao que é rentável nas bolsas de valores e ao que é circunscrito ao utilitarismo lucrativo. Consequentemente, o papel crítico-social da Universidade pode ser fragmentado e reduzido a uma plataforma de autopromoção publicitária enviesada.
Seria mais coerente designar tal projeto de FUTURE-$E, pois são cifrões o cerne do negócio. Com efeito, a Universidade Pública se transformará em outra coisa, deixando de ser instituição de agenciamento humano, compreendendo TODAS as áreas de conhecimento e de práticas da vida, como lastro inegável da ampla cultura humana. O utilitarismo opressor decorrente daí prenuncia “perigosas transações” enquanto, depois, descobriremos que “dormia a nossa pátria mãe tão distraída”, nos termos da canção de Chico Buarque.
É preciso urgentemente nos manifestar no Congresso contra esse projeto de lei que destrói a Educação Pública. Ao mesmo tempo, temos de fazer chegar à sociedade civil esse retrocesso, denunciando-o, para ressaltar o lugar da Universidade Pública, laica, gratuita e de excelência em nosso país. E que seja ante de a boiada passar, deixando o lastro de seus dejetos e o odor sufocante do fim da Universidade Pública.
Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP)
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