“Hegemonia”, “Projeto de poder” e a miséria do discurso das oposições, por Fernando Horta

“Hegemonia”, “Projeto de poder” e a miséria do discurso das oposições

por Fernando Horta

Desde 2013, uma parte do argumento contra os governos do PT foi ligada a uma teoria da conspiração que faria inveja ao submundo da Guerra Fria: o Foro de São Paulo. Agora, um pedaço da esquerda, em oposição à Lula, cria uma versão “intelectual” do mesmo argumento, a “hegemonia” do PT.

Se o leitor gosta de Teorias da conspiração vale fazer uma pequena busca no google a respeito dos termos “annunakis”, “Nibiru”, “illuminati” e ligar com o “11 de setembro”, o assassinato de Kennedy ou a morte de Elvis. Se quiser produzir algo próprio, juntando tudo isto, tenho certeza que será muito lido. Teorias da conspiração estão entre os assuntos mais apaixonantes das redes. É possível passar-se horas debruçados nas histórias da “Passagem Dyatlov” ou da rádio fantasma UVB-76.

O que faz com que tais construções sejam tão apaixonantes é que elas são erguidas sobre alguns fatos verificáveis empiricamente, mas que são extrapolados, em forma de explicação, para o campo fértil do imaginário. O “Foro de São Paulo” e a “Hegemonia” ou o “Projeto de poder do PT” estão exatamente nesta categoria. Não vou tratar do Foro aqui, deixemos para um segundo texto, mas, nos últimos dias, a direita raivosa recebeu a ajuda de uma esquerda magoada e afinaram o discurso.

Para começar a conversa, não há um partido, agremiação ou mesmo pessoa, no mundo, que não tenha um “projeto de poder”. Projeto remete ao tempo futuro e é claro que as ações humanas no presente levam em conta os cenários do futuro. Me arrisco a dizer que mesmo São Francisco de Assis poderia ser acusado de ter um “projeto de poder” ao abandonar a riqueza e “dominar a mente e os corações” dos animais e das populações mais pobres. Claramente num perigoso esforço comunista revolucionário.

De um congressista conservador no interior do Texas, a um Brahmin (casta alta na Índia) dentro do Rajya Sabha (câmara alta indiana), todos têm um projeto para manterem-se no poder. E isto vale para professores dentro de um colégio ou numa universidade, para advogados dentro de uma banca, médicos dentro de um hospital e absolutamente todo e qualquer ser humano que existe ou já existiu e vive em alguma sociedade.

Por que, patavinas, um partido – cuja função essencial é racionalizar, representar e exercer poder – seria diferente?

O argumento da direita, que exerceu forte impacto nas narrativas da conspiração desde 2013, é simplesmente inócuo. É claro que o PT tem um projeto de poder. Como, afinal, TODOS os partidos. No Brasil e no mundo. Acusar um partido de ter um “projeto de poder” é como acusar uma planta de fazer fotossíntese ou acusar um Leão de comer carne. Dizer que um partido “quer se perpetuar no poder” é uma asneira sem sentido, já que TODOS os partidos querem se perpetuar no poder. Cabe ao campo da oposição se organizar para atender o interesse das massas e – dentro do jogo democrático que prevê eleições periódicas – barrar este projeto. Ocorre que quando um partido barra o “desejo de poder” do outro, imediatamente ele dá vão ao seu próprio “desejo de poder”. E, no Brasil, é mais fácil acusar o governo de “dominador” do que modular o discurso da oposição para o patamar das demandas históricas da população.

Vamos lembrar que o PT, por exemplo, votou contra a famosa emenda da reeleição de FHC.

O “Projeto de poder”, portanto, não passa de uma romantização do choro dos perdedores. Uma forma de colocar a culpa da incapacidade dos opositores de oferecer à sociedade brasileira um projeto competitivo para o país e para a sociedade. É claro que no clima de histeria criado após 2013, clima, aliás, que resultou num dos pilares discursivos para a deposição de Dilma, o “projeto de poder” foi parar até na boca de Suas Santidades os ministros do STF, e no “power point” de membros do nosso neutro e republicano MPF.

Este ponto do discurso da direita golpista, de tão raso e insustentável, foi deixado de lado. Percebam que mesmo o ataque ao “Foro de São Paulo” fica restrito a círculos de seguidores de um astrólogo que fazem e compartilham entre si vídeos em redes sociais. É quase uma sociedade fechada muar.

O que chama à atenção é a adesão de uma parte magoada da esquerda brasileira à MESMA TESE, agora com a utilização (errada) de um conceito caro à literatura de esquerda: a tal hegemonia. Abisma o uso por parte da esquerda de um termo de forma tão equivocada, empírica e teoricamente.

É Gramsci quem primeiro e melhor codifica a ideia de hegemonia. Segundo o italiano, ela ocorre em conjunto (ou substituição) à dominação física nua e crua. A “hegemonia” é a ACEITAÇÃO por meio do convencimento da dominação de classe. O ponto principal, portanto, do conceito de hegemonia não é a ideia de dominação ou de superioridade, mas o componente da aceitação pelo dominado do papel de dominado. É uma ferramenta que aparece muito fortemente no conceito de “meritocracia”. A burguesia explica sua superioridade no controle financeiro e material do mundo através da ideia de “mérito” e cria, na cabeça dos dominados, uma noção legítima desta dominação. Este processo diminui os custos de manutenção do poder. Por convencer os dominados que eles assim o são porque o dominador é “melhor”, diminui-se a necessidade do emprego da violência.

Uma massa sob o efeito da hegemonia não a questiona. Se há, pois, o reconhecimento da dominação e o seu QUESTIONAMENTO, não há que se falar em “hegemonia”.

O conceito não se verifica sequer empiricamente. Lembremos que o primeiro ministério de Lula, por exemplo, era composto por Roberto Amaral, Miro Teixeira, Cristóvão Buarque, Agnelo Queiroz (que na época era do PCdoB), Ciro Gomes, Marina Silva, Walfrido Mares Guia e Henrique Meirelles. Chega a ser risível o argumento de que Lula evitou o surgimento de novas lideranças quando quase todos os candidatos com alguma chance à presidência do Brasil em 2018 surgem e crescem nacionalmente sob as oportunidades dadas por Lula.

Mesmo o PT não pode ser acusado deste absurdo. Veja-se que em 2018, por exemplo, houve expressa negociação para o apoio a Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, que é, um dos três maiores colégios eleitorais do país. Ainda, em vários estados, o partido opta por apoiar candidaturas de outros partidos ao invés de “hegemonicamente” impor candidaturas locais próprias. E isto ocorreu em 2014, em 2016, e é marca em 2018.

O que não se pode querer é que um partido que foi apeado do poder por um golpe e que tem o candidato à presidência com maior número de intenções de voto, simplesmente abra mão de todo o seu capital político, amealhado democrática e republicanamente nos últimos anos, para se submeter a sabujos argumentativos como “autocrítica”, “projeto de poder”, “hegemonia” ou qualquer outro embuste que tenta se vender como imperativo moral neste momento.

O choro de parte da esquerda, que imita o mesquinho argumento da direita, apenas desvela a incapacidade desta mesma esquerda de se constituir como alternativa viável aos olhos da imensa maioria da população. O governo Lula foi pródigo em oportunidades políticas, quem não as aproveitou, por incompetência própria, hoje se aproxima dos argumentos enviesados de uma direita tosca e fascista.

Da direita, entretanto, espera-se bobagens, sandices e asneiras. Da esquerda ilustrada, se elas surgem, denotam uma certa falta de respeito. Especialmente para com aqueles que têm capital cultural e formação para compreenderem o tamanho da pilhéria.

Não senhores, estamos num tempo em que o “choro” não é livre … É preciso amadurecer.

Fernando Horta – Graduação em história pela UFRGS e mestrado em Relações Internacionais pela UnB. Atualmente é doutorando da UnB. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da Ciência, Epistemologia e Teoria de História e de Relações Internacionais.

 

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

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  • "O autor diz que criticar o

    "O autor diz que criticar o Projeto de Poder Petista é "Uma forma de colocar a culpa da incapacidade dos opositores de oferecer à sociedade brasileira um projeto competitivo para o país e para a sociedade. 

     

    O PT não oferece nehum projeto competitivo para o país ou a sociedade. O PT tem o Carisma do Lula, e chamar o Carisma do Lula de Projeto Competitivo para o país e a sociedade é uma agressão à verdade. Mas para os obcecados pelo poder, não há absurdo que não se torne poderosíssimo auto-engano. Defenestrados do poder pelo judiciário e pelo golpe, estão a reagir, sem nenhum tipo de compromisso com uma possível trégua para o país.

     

    Se ganha o PT, com Haddad, o país continua na miséria antagonista de sempre, do anti-petismo arraigado. A falta de auto-crítica do PT não vai ser perdoada ou esquecida, mesmo se vencerem a eleição. O Projeto do PT é um Projeto de Fracasso. E, para mim, mesmo em caso de vitória do partido, os problemas que se manterão serão culpa tanto da direita golpista, quanto dos cegos e obcecados petistas. Não há inocentes ou vítimas nessa história. Essa mania do PT de se dizer vítima de perseguição não vai colar.

    • Imagem de Gustavo Avelar...

      O Blog está todo infiltrado de "imagens", defendendo a "alternativa" Ciro Gomes. Gente que nunca vimos por aqui antes, e que tendem a comentar só em tópicos específicos, geralmente relativos à campanha presidencial. A campanha de Ciro pode nao ter votos, mas tem capital para pagar trolls... 

      • Precário o argumento. Nenhum

        Precário o argumento. Nenhum conteúdo, apenas uma crítica vazia para demarcação de espaço. É o argumento "xixi no poste".

        Não surpreende que apoie uma turma totalmente envolvida em corrupção, e que, sem nenhum sentido crítico, quer impor novamente o seu candidato goela abaixo da sociedade, pois acha que nenhum brasileiro merece explicações sobre as alianças que sustentaram seu projeto de poder de 2003 a 2015. Alianças tão espúrias que hoje ocupam o poder, destroem toda a estrutura de políticas sociais elaboradas, e foram eleitas na mesma chapa que Dilma.

         

        A esquerda não merece ficar seguindo esse tipo de gente.

      • Verdade. Desde 2013, quando

        Verdade. Desde 2013, quando vejo essa força "intensa" querendo empurrar alguma coisa fico de orelha em pé: aí tem sustentação obscura por trás. Em todo blog que se vai há esse povo defendendo Ciro e detonando o PT. Essa força intensa que parece surgir do nada, faz pensar em algum vento que vem do norte, lá de depois do México. Como você às vezes diz, o homem parece ser o plano B da direita e direita poderosa que vem de outras plagas. 

  • "É preciso amadurecer."
    E

    "É preciso amadurecer."

    E esse é o grande problema: o amadurecimento da população em geral é um processo demasiadamente lento. Acredito que só daqui a 20 anos (uma geração), as pessoas irão perceber a situação de miséria total em que estarão. Espero que não seja tarde demais.

  • O próprio Nassif foi um dos

    O próprio Nassif foi um dos grandes mentores desse problema da "hegemonia" do Lula e do PT. 

    Lembro de um velho dito de meu pai: quem não tem competência que não se estabeleça

  • A parte magoada da esquerda

    A parte magoada da esquerda tem um problema semântico, não é esquerda. Indulgentemente seria o centrão da esquerda ou a extrema esquerda, situada pertinho da extrema direita. Mas o pior é um problema de lógica "hegemônica". Fossem partícipes de comunidades eclesiais católicas talvez estivessem reinvindicando que Papa Francisco deixasse de lado sua "hegemonia" e renunciasse a favor de um cura de aldeia.

  • ESQUERDA NASCIDA DE PROJETO DITATORIAL FASCISTA

    "O governo Lula foi pródigo em oportunidades políticas, quem não as aproveitou, por incompetência própria, hoje se aproxima dos argumentos enviesados de uma direita tosca e fascista." Aloprados foi uma constatação óbvia produzida por Lula. Fanáticos Fundamentalistas de uma Esquerda Fascista que já planeja abandonar o General no meio do Campo de Batalha. Evoluam . 

  • A mesquinharia está nos outros ?

    Xadrez da Lógica do PT - Nassif -  26/07/2018

    " No entendimento dos estrategistas do PT, montar uma frente de esquerda e entregar a cabeça de chave a alguém de fora do partido seria jogar fora o protagonismo futuro do PT. "

    Portanto, nas palavras dos próprios dirigentes, o PT coloca a sua hegemonia acima dos interesses nacionais. Isto porque o PT sabe que não tem força para derrotar sozinho os golpistas. Se tivesse todo esse suposto poder, Dilma não teria sido golpeada e Lula não estaria na cadeia.

    • Vc precisa aprender a interpretar textos...

      Releia o texto do tópico. Veja o que ele fala sobre hegemonia, e nao insista em falar besteira.

  • Fernando, nada contra
    Fernando, nada contra projetos, muito menos de poder. Projeto, claro, é projeto. Mas, observando suas citações, me permito citar um único nome, sinônimo, a mim me parece, de sabedoria: Jiddu Krisnamurti...
    Sabe-se que projetos de poder, na política partidária, são produzidos por oligarquias, sejam elas de um Doge Lula da Selva, de um mercenário Henrique Meireles, de um cínico Ciro Gomes, ou quem quer que seja. De resto, somos apenas espectadores comandados pela mídia, seja ela de que lado for...

  • Sempre extraordinários seus
    Sempre extraordinários seus textos e seus argumentos. PESSOAL, alguém pode me informar os passos para se colocar um vídeo em um comentário aqui no GGN? Não só o link, mas deixar o vídeo pronto para abrir (vídeo do YouTube). Obrigado.

  • CIRO PRESIDENTE
    Todo esse texto para atacar Ciro e defender o PT, sem coragem de citar. O PT faz jogo de poder tentando esvaziar Ciro.

    • Claro, Creuza. Queria que ele fortalecesse o adversário?

      Parece o mimimi da Marina na eleiçao passada. Tratem de tentar "encher" a própria posiçao, em vez de reclamar que o PT está tentando esvaziá-la, o que é óbvio que ele deve fazer. Parecem que bebem... Pior que o que bebem é mamadeira...

      • É natural que o PT queira

        É natural que o PT queira fortalecer sua posição. Mas aí estamos desviando a questão, que é: a quem interessa? Você acha que, sem uma mobilização popular muito forte, o Lula estará na urna? Nem ele acredita nisso. O objetivo principal é manter o PT vivo, eleger deputados, ser a principal força de oposição e tentar ganhar o executivo em 2022. Do ponto de vista do PT, está certíssimo. Mas é bom que saibamos qual o projeto que estamos apoiando, não é?

        • O projeto já se mostrou, e deu bons resultados

          O que se quer é continuar a combater a desigualdade de renda e regional, a aumentar o salário mínimo, e tudo o que já se começou a conseguir e que o golpe quis voltar atrás. E se vc quer saber mais, leia o projeto, já foi divulgado. Interessa ao povo brasileiro, e ao retorno do Estado de Direito.

          • Não é esse o ponto. Isso
            Não é esse o ponto. Isso valeria se estivéssemos em uma democracia. Dito de forma simples: não é elegendo que vamos ter alguma chance de derrotar o golpe, mas é derrotando o golpe que teremos alguma chance de eleger o PT.

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