Notícias póstumas do Carnaval, por Fabianna Freire Pepeu

Notícias póstumas do Carnaval

por Fabianna Freire Pepeu

Você sabia que a PM fez cordão de isolamento e ameaçou subir ao palco para impedir o vocalista de uma banda que cantava ‘Banditismo por uma questão de classe’ de Chico Science & Nação Zumbi (1994), na Rua do Apolo, no Recife?

Chico Science não podia. Eu estou dizendo Chico Science não podia ser tocado no Recife. Chico Science, Recife, Carnaval. Ligue os pontos.

Não se trata de um caso isolado de censura e violência por parte da PM. Todas as grandes cidades brasileiras que fizeram festa de carnaval  — pode confirmar checando aí no Google o que eu estou dizendo — foram cenário, em diferentes níveis, da truculência policial e censura. Desde a ditadura militar brasileira (1964-1985) que não se tem notícia de episódios ocorrendo de modo sistemático assim em todo o país.

Repetindo para quem ainda diz coisinhas mais ou menos sentimentais sobre a importância da ‘manutenção’ da Democracia. Em um Estado Democrático de Direito nem a PM nem a Polícia Civil nem o guardinha da esquina proíbem um músico de cantar Chico Science ou qualquer outra música. Nem chegam nas festas populares com suas motos e cassetetes e queixos arqueados de modo hostil, como eu mesma presenciei no Pátio de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, na segunda-feira de Carnaval.

No caso de Pernambuco, em especial, não sei, mas não acredito que o governador do Estado, Paulo Câmara, deu essa orientação à corporação. Isso é decisão dos próprios policiais que estão achando que são os donos do mundo no Brasil inteirinho. Já houve episódios no estado, mas o governador Miguel Arraes convidou o artista para uma conversa e, oficialmente, pediu desculpas pela postura da PM de Pernambuco.

É obrigação de cada governador que se pensa democrático tomar para si a responsabilidade de chamar a tropa para a real ou suporte, baby, quando tiver que esconder os dados de assassinatos como está ocorrendo no Ceará.

Entre os dias 19 e 24 de fevereiro, 195 assassinatos foram registrados no Ceará desde o início do motim de PMs.

Eu disse 195 pessoas. 195 pessoas assassinadas em 6 dias. A média diária cearense era de 8 pessoas por dia, que já é um absurdo do outro mundo, e subiu para 32,5. Eu não disse quem são os assassinos, mas eu disse que, em Belo Horizonte, uma estudante universitária, de 24 anos, ao sair do Shopping Cidade BH, no sábado de Carnaval, e que entendia de primeiros socorros e por isso tentou ajudar um homem esfaqueado, com a chegada truculenta de um grupo de policiais militares, levou foi um bom mata-leão [golpe de enforcamento aplicado com os braços].

A estudante foi jogada no chão e tentaram enforcá-la de novo. Enquanto estava sendo enforcada, o policial falou para a jovem: ‘eu vou te apagar’, segundo contou a vítima à Ponte Jornalismo que tem feito um trabalho incansável de denunciar o abuso da polícia no Brasil e é focado em segurança pública e direitos humanos.

Durante a ação, I.H., que, obviamente, não quer o nome divulgado porque sabe o que os policiais militares fizeram no verão passado e ainda em outras estações, contou também que seus peitos ficaram “completamente à mostra” enquanto era agredida, pois estava de biquíni, parte do figurino que havia colocado para pular em um bloco de carnaval de Minas.

Os policiais ainda a teriam prensado contra a parece, torcido seu pulso e depois a levaram para a delegacia. Há fotos disponíveis na internet que mostram os ferimentos de I.H., mesmo em imagens registradas dois dias após as agressões.

“Eles estavam mais preocupados comigo do que com uma pessoa desmaiada e sangrando”, disse a estudante à Ponte.

Depois das agressões, a jovem foi colocada numa viatura e os PMs passaram por pelo menos quatro delegacias antes de levá-la à Ceflan 1, no bairro da Floresta, que é a Central de Flagrantes de Belo Horizonte.

“Disseram que eu parti para cima deles [PMs], que me recusei a sair de cima. Falaram que eu estava transtornada”, afirmou. Os PMs também insinuaram que a estudante estaria bêbada ou drogada.

A alteração e inversão de narrativas, nas quais a polícia militar é uma pobre velhinha doente que foi vítima de um bandido de alta periculosidade — e por cima comunista —, são coisas antigas. É batata para quem já passou pelos órgãos de repressão do estado, para os milhares de pobres e pretos que vivem na periferia brasileira e mesmo para toda e qualquer pessoa que tem um mínimo de decência e não nega a história do Brasil.

Tudo isso é fácil de compreender e batata para quem não nega o óbvio, percebendo que, cotidianamente, mesmo sem ter conseguido dar um novo golpe militar, o governo de Bolsonaro, no varejo, espalhou por todo o país, com a ajuda da parte podre da PM — uma parte que é grande e quase do tamanho do todo —, as mesmas práticas que, costumeiramente, eram utilizadas na calada da noite, nos porões da ditadura.

Agora — e registre que três Guardiões da Floresta já estão sete palmos abaixo do chão — tudo ocorre de maneira ainda mais grave porque com aparência de normalidade. A censura, a tortura e o assassinato são praticados à luz do dia na frente das câmeras dos celulares.

Tudo isso é amplamente noticiado, tudo é feito abertamente e nada, nada, parece acordar os zumbis que, perversamente, batem palmas para discípulo de Ustra.

E porque o sonho neoliberal toma conta de corações e mentes, mesmo de quem não tem um tostão furado e é explorado, pobres homens e mulheres, obrigada, e porque a economia vai muito bem, obrigada, e porque basta tentar pagar as contas ou ir ao mercado, obrigada, e porque a dona Globo, ainda muito massiva nos lares brasileiros se mostra parceira do novo governo, obrigada, e não há nada de novo no front nisso tudo também de maquiar a realidade, obrigada, e porque também é modo de operar dos velhos jornalecos de sempre, obrigada.

Ao longe, vejo 47 milhões de eleitores que disseram um sonoro não, pois sabiam o que estava para acontecer. Sabiam e sabem do que está em curso e parecem todos resignados à barbárie institucionalizada. Pobres homens, pobres mulheres. Obrigada.

Redação

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