Rebotalhos da pós-democracia tupiniquim, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Rebotalhos da pós-democracia tupiniquim

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há alguns o STF acabou de vez com a farra da Lava Jato ao admitir que Sérgio Moro agiu de maneira suspeita e interferiu ilegalmente no resultado da disputa presidencial ao levantar de ofício (sem provocação) o sigilo da delação de Palocci antes do primeiro turno. Referida delação foi usada pelos adversários de Fernando Haddad e pela imprensa para ferir mortalmente a campanha do PT.

Naquela noite sonhei com um vídeo do PT:

“Numa sala de classe média mobiliada de forma agradável e sofisticada, alguém assiste um clipe antigo do PT. O telefone toca e a pessoa sai da sala, deixando o cigarro aceso no cinzeiro.

Dois homens trajando ternos elegantes e usando máscaras de Sérgio Moro e Deltan Dellagnol entram e destroem a sala usando mangueiras de alta pressão d’água. Os quadros de Lula e Dilma na parede são derrubados e espatifam no chão. A TV entra em curto. A mobília é revirada.

O cinzeiro espatifa na parede junto com o cigarro. Os livros da estante ficam rotos, rasgados e boiam inutilizados no piso ensopado. Close no exemplar da Constituição Federal totalmente estropiado. Lampadas e espelhos esmigalhados pela pressão d’água reluzem por toda parte.

A pressão das mangueiras é cortada. Os dois agentes de limpeza admiram sua obra. Eles se entreolham quando o dono da casa retorna para ver o que ocorreu. O vídeo termina com a cena de destruição congelada e uma frase aparece com destaque: A LAVA JATO SALVOU A CLASSE MÉDIA DO PT.”

Hoje pela manhã esbocei algumas ideias sobre coisas inimagináveis no século XX que se tornaram corriqueiras no século XXI. Pretendo trabalhar literariamente nelas.

– o Ministério da Justiça virou SNI evangélico-politico;

– o Exército age como milícia de Bolsonaro;

– a conta de PayPal do Olavo de Carvalho é essencial à segurança nacional;

– ozônio no ânus mata infeção viral no pulmão;

– os parentes de 100 mil mortos são desprezados e ofendidos pelo presidente que deseja ser reeleito;

– o governo desgoverna a distribuição de justiça;

– e o Judiciário não faz cumprir suas decisões em relação aos amigos de Bolsonaro;

– a parcialidade de qualquer juiz anti-petista é aplaudida pela imprensa e considerada legal pela Justiça;

– artistas apoiam a censura;

– fascistas perseguem o anti-fascismo;

– os segredos de Estado se tornam a regra no Estado fora-da-lei governado por um clã criminoso;

– o fracasso econômico é apresentado como sucesso financeiro;

– o aumento do desemprego não incomoda muita gente;

– as demonstrações públicas de racismo foram transformadas em motivo de orgulho;

– o orgulho gay virou heresia e crime hediondo;

– o governo proíbe a fiscalização legitima contra o desmatamento e a mineração criminosa, mas autoriza fiscais de cu a agir ilegalmente na internet;

– a bandeira do Brasil virou lenço de senador corrupto;

– a corrupção viceja dentro do Exército para alegria dos generais supostamente honestos;

– em vez de combater a pandemia o governo combate o direito à vida;

– “morra quem morrer” virou bordão político;

– “viva e deixe viver” faz mal à economia liberal;

– o crime organizado dos ricos reprime ferozmente a desorganização criminosa dos pobres;

– o Vale do Anhangabaú foi transformado em pista de pouso de jatinhos;

– a democracia não pode existir com direitos democráticos;

– ressurgiu uma ditadura apoiada na liberdade de imprensa;

– a ciência virou objeto de desprezo;

– usado como ferramenta eleitoral, o fanatismo religioso ameaça controlar todos aspectos da vida pública e privada;

– “menos Constituição, mais Bíblia”, é o princípio jurídico de procuradores e juízes encarregados da defesa do Estado laico;

– nem revolução, nem reforma, o Brasil afunda na exaustão;

– os sudestinos racistas, autoritários e fanáticos estão exaustos do Nordeste;

– os nordestinos estão exaustos do autoritarismo do Sudeste;

– Brasília é “O Capital” da familícia;

– filme pornô amador no Lago Paranoá;

– a realidade virou ficção;

– e a ficção se recusa a ter um final feliz na realidade;

– o mundo enlouqueceu e sente pena do Brasil;

– melhor seria se o mundo sentisse raiva de um país que sente ódio de si mesmo e se coloca aos pés de um genocida falastrão meio louco.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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  • Mais uma vez brilhante, Fábio. Se se somarem a genialidade de todos os grandes dramaturgos da humanidade, mesmo assim não serão capazes de montar uma uma ficção capaz de superar a realidade brasileira.Vou recortar e guardar como síntese deste momento macabro.

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