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Seriam os black blocs soldados do Big Brother? Ou, salve George … Orwell.

 

“Saber e não saber, estar consciente de sua completa sinceridade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões que se cancelam mutuamente, sabendo que se contradizem, e ainda assim acreditar em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade e apropriar-se dela, crer na impossibilidade da democracia e que o Partido é o guardião da democracia; esquecer o quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa é a sutileza máxima: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” é necessário usar o duplipensar.”.

Essa é a definição de duplipensar contida no livro “1984” de George Orwell. 

Por que lembrei dela?

Porque acabo de chegar de Marte, assim, não tinha nenhuma notícia sobre o desfecho da “manifestação” convocada para 31/10/2013 por artistas da Globo a favor da “plena liberdade” ou pela “felicidade geral da nação” e “contra a violência policial”.

Também não tinha nenhuma intenção de buscar informações sobre o ocorrido, até que bato de frente, por acaso, com um texto da professora Ivana Bentes, publicado na Revista Fórum sobre o evento.  O que dizer dele, o texto? Trata-se ou de idealização romântica ou de tentativa de manipulação da realidade factual.

Soube também por acaso da tal “manifestação” convocada pelos atores globais. Assisti o vídeo de convocação.  Lá estavam Leandra Leal – como diria Hebe, uma gracinha, Camila Pitanga e Mariana Ximenes, entre outros. Todos tão jovens, tão descolados.

Lembrei de outras “manifestações” de atores globais ocorridas ultimamente.  

Lembrei do “movimento dos cansados”  do qual participava a “namoradinha temerosa do Brasil” Regina Duarte e Ana Maria Braga – para quem não juntou o nome à pessoa, é aquela dos tomates inflacionados. 

Lembrei do pessoal do “gota d’água”, estavam lá as indefectíveis Maitê Proença e Ingrid Guimarães – mulheres a beira de um ataque de nervos. Acabou em piada, meninos e meninas do curso de engenharia deram uma lição aos tiozões e tiazonas metidos a discutir temas técnicos, mas sem disposição para estudá-los antes.

Lembrei das ativista globais da terceira idade e sua foto tétrica – Rosamaria Murtinho, Suzana Viera e Natália Timberg.

Pareceram-me cenas de uma mesma novela – divididos em núcleos. Cada um com seu público alvo. Como em um mesmo roteiro, todos indignados com alguma coisa referente a alguma ação do governo, mas, desculpem o preconceito ou a prevenção cética, em minha opinião, todos também recendendo a oportunismo.

Desviei-me do texto de Ivana na Fórum, volto a ele.

http://revistaforum.com.br/blog/2013/11/dos-black-bloc-aos-big-brothers-formacao-politica-por-contagio/

O título é sugestivo: “Dos Black blocs aos big brothers: formação política por contágio”.

Nunca vi formação política por contágio, por contágio já vi transmissão de doenças.  

Formação política se dá por duas vias, ativa ou passiva, mas não por contágio. Ativamente ou estudo, debate e participação – ativismo, enfim.  Passivamente, bem, assita os noticiários da Globo e suas novelas e, sem dúvida, você estará recebendo formação política passivamente.

O texto de Ivana é engajado, eivado de frases de efeito e palavras de ordem e tenta nos convencer de que os black blocs que têm tocado o terror em São Paulo e Rio, são, na verdade, meninos incompreendidos, mas lutadores da liberdade.

Após o título, um texto breve que resume o conteúdo do artigo, didático e conclusivo: percussão, música, funk, pink bloc, black bloc, socorristas, advogados e movimentos da periferia participaram juntos da retomada do território urbano.”.

Lembra ou não lembra uma abertura do Esquenta da Regina Casé?

Não se iludam, é idealização romântica ou tentativa de manipulação da realidade factual. E bem a gosto do mito do “tudo junto e misturado” tão caro aos brasileiros em geral e aos cariocas em particular.

“O Grito da Liberdade começou com uma ala de Black Block de braços dados e em silêncio…”.

Black bloc de braços dados e em silêncio? Falamos do mesmo grupo? A Globo mandou figurantes de preto representar os black blocs?

Então foi uma retomada? Sei.  Retomada, quem antes havia tomado esse tal território urbano?  Se o território da cidadania está tomado, interditado é pelos que acreditam na violência como forma de ação política. Ou meus olhos me enganam? Quem tem botado fogo, depredado e intimidado?

“O Grito, como todas as manifestações têm sido, foi um ato de formação política, que teve que superar a autofagia (antropofagia dos fracos que comem e detonam o parceiro mais próximo) para tomar as ruas de forma linda e potente, recuperando o sentido estético e das diferentes linguagens nas manifestações políticas.”

Novilíngua.

Superar a autofagia? Tomar as ruas de forma linda e potente? Recuperar o sentido estético e das diferentes linguagens nas manifestações políticas?

Se você não entendeu nada, então você está certo. Não há sentido, não é para entender, é só para você achar bonito e concordar sem questionar. Marina Silva é especialista nisso. Professora, Ivana se mostra uma discípula aplicada.

No texto você pode encontrar ainda midialivristas e biopoder. O que significam? Aquilo que o autor quiser. Novilíngua.

“O que prova essa manifestação? Que é inútil e simplista dividir os manifestantes entre “vândalos”, “mascarados” e os manifestantes pacíficos. Se gritam é uma dor que dói. Ou uma intensa alegria. Estamos todos juntos!”.

Opa, como dizia aquele personagem humorístico: “olha o golpe aí, gente!”.

Faz toda a diferença uma manifestação política pacífica de vandalismo.  E é necessário perceber essa diferença.

Gandhi e Bin Laden defendiam suas causas – é inútil e simplista não perceber a diferença de métodos entre ambos?

Duplipensar – não violência = terrorismo. Terrorismo = não violência.

Já que Ivana se permitiu citar o Big Brother, vamos trazer George Orwell para conversar.

“É impressionante ver como os garotos da periferia do Rio estão se apropriando e emponderando da linguagem política e estética das manifestações e vice-versa.”

Garotos de periferia?

O que temos visto é uma rapaziada classe média niilista auto-autorizada a quebrar tudo nas ruas como se estivessem em suas salas de aula. Os garotos da perifeira estão dançando ao som do funk ostentação.

“Os Black Blocks, mas não só eles, todos os que sofrem o poder no corpo (jovens negros das favelas, população de rua e agora ativistas e midialivristas) colocam de forma muito explicita uma questão decisiva para todos nós: o monopólio da violência pelo Estado.”

Um dos pilares do Estado democrático de direito é o monopólio do uso da violência pelo Estado.  Fora disso é barbárie – lei do mais forte. A professora Ivana não parece saber com o que está flertando.

“Ao mesmo tempo está tomando corpo uma guerrilha popular de combate aos poderes nas ruas. Não se trata aqui de ficar com medo ou condenar. Mas de observar entender, antes de tudo.”

Trata-se de ficar apavorado e perplexo. Como aceitar uma guerrilha urbana em plena vigência do regime democrático em que vivemos?  Em que país vive a professora Ivana, no Iraque?

“E se os garotos do tráfico estão chegando junto das manifestações e se misturando nelas não se trata de expulsá-los ou denunciá-los, mas trazer para o lado de cá! Ou teremos fracassado não como manifestantes, mas como sociedade!”

Erro crasso da esquerda do século passado, enxergar bandidos vindos dos seguimentos mais pobres da sociedade como potenciais líderes populares. Marcola do PCC paulista e Fernandinho Beira-Mar no Rio são bandidos.

“Entre os Black Blocks e os Big Brothers (policia, mídia, todos os poderes) cabe um mundo de desejos, táticas, articulações em nome de um Comum.”

Maniqueísmo, por certo, involuntário – existem dois lados bem definidos nessa disputa, os bons – os black blocs e os maus – polícia, mídia, todos os poderes, entre eles, escolha o seu desejo, tática ou articulação. Você vai querer ser dos bons, não vai?  Só em roteiro de novela limites e perfis são tão bem definidos e antípodas assim.

“É possível e preciso politizar tudo, em diferentes níveis e esferas, inclusive a escolha dos aliados, nem sempre óbvia. Quem quiser apostar nos dualismo, no purismo, no moralismo, já perdeu!

Se você julga que nesse parágrafo Ivana está se desdizendo em relação ao anterior, não se engane, aqui ela está defendendo a participação dos atores globais e, como eles realmente nada têm a ver com os black blocs, há que se relativizar.

“A Lapa virou uma praia noturna, onde ficaram todos pelo simples prazer de estar juntos”. O fato destoante era o helicóptero da policia rondando do alto como num game em que se procura um alvo no chão, ameaçadoramente. Nós somos o alvo de um poder que foi por nós constituído?”.

Nós somos alvos de um poder que foi por nós constituído?  Não sei se somos alvos, mas de que esse poder foi por nós constituído não tenho dúvidas. Ivana mesmo ajuda a constituí-lo a cada eleição.

“Nós, poder constituinte (Antonio Negri), a nós nos cabe romper com esse estado de coisas.”

Há duas maneiras de mudar um modelo político, pela via democrática ou pela via revolucionária. A professora Ivana sabe disso e, no seu texto, aparentemente optou apoiar a segunda. Mas, essa, cobra um preço alto, pago em sangue e vidas. Ivana está a fim de pagar?

Outra coisa, substituir o Estado democrático de direito pelo que ou por quem? Pelo Big Brother ou pelos black blocs? E se descobrirmos que os black blocs são soldados do Big Brother?

Querem ver por quê?

“As manifestações brasileiras estão reinventando os super-heróis! Vindos das ruas e/ou dos quadrinhos. Batman “rico” e pobre, homem-aranha, um bandeirante, Saci Pererê…”

Depois da AP 470, me arrepio só de ouvir falar de Batman, Cavaleiro Negro e outros personagens dos quadrinhos.

“A Lapa virou uma praia noturna, onde ficaram todos pelo simples prazer de estar juntos.”

“Nunca fomos tão felizes”

Nem eu esperaria outra coisa de um evento com o padrão Globo de qualidade.

“O que prova esse Grito no meio de uma escalada de repressão e ódio? Que podemos recomeçar tudo de novo e reinventar as manifestações e a cidade do Rio de Janeiro, todo dia.”

“Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou. Nesses novos dias, as alegrias serão de todos é só querer…”

Black bloc = ordem. Polícia = desordem. Globo = o povo no poder. Duplipensar.

Leiam 1984 – o livro, para conhecer o verdadeiro e original Big Brother, sua novilíngua, seu duplipensar e, principalmente, o seu Ministério da Verdade. E por que a guerra não podia terminar.

Até lá, salve George … o Orwell.

Redação

Redação

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  • LUCIDEZ

    Saraiva, parabéns! Ainda existe gente que leu Orwell e alguma lucidez. Sinceramente depois do video pensei que tudo estava perdido por essas bandas...através desse bandos que tomaram as consciências de milhòes de brasileiros e que não pretendem devolver mais.

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