Sobre amigas e bancos, por Roseli Martins Coelho

Logo que se transformou em principal candidata do PSB, Marina Silva tratou de apresentar Neca Setubal como uma das coordenadores de seu programa político, e também como grande amiga. Nestes tempos de inúmeros textos na mídia tradicional e na internet cobrindo tudo que diz respeito às eleições de 2014, já existe informação suficiente sobre essa nova celebridade política para sabemos, por exemplo, que ela passou pelo curso de Ciências Sociais da USP, e que se apresenta como “educadora”. No entanto, o dado a respeito de Neca Setubal mais mencionado nos diversos meios de comunicação é a sua condição de proprietária de parcela de ações do Banco Itaú.

A campanha de Dilma, evidentemente, tratou de destacar a amizade entre Marina e Neca, com detalhes sobre a aliança entre a candidata e a acionista de um grande banco, sobretudo aqueles referentes a doações generosas.  Imediatamente, ferozes jornalistas da mídia tradicional passaram a classificar as referências à fortuna de Neca Setubal como perseguição pessoal, denunciando uma suposta campanha petista para “desconstruir Marina” através de “ataques” à vida pessoal da amiga. Mas não é apenas a  imprensa assumidamente anti-petista que insiste que não é adequado explorar o pertencimento de Neca Setubal ao Itaú. Em primeiro lugar, dizem alguns observadores neutros,  ela não participa dos assuntos do banco, e além disso tem carreira própria como educadora e dirigente de ONG da área de educação. Acreditam que bater nessa tecla é descabido e injusto para com uma pessoa que, como qualquer outra, tem o inalienável  direito cívico de participar da vida política independentemente da sua fortuna.

Afinal, é incorreto, ou injusto, referir-se a Neca Setubal como “banqueira”?, Ou “herdeira”? Ou, ainda, como “rentista” ou “acionista”? Ocorre que a própria candidata Marina Silva, ao propor a independência do Banco Central,  trouxe para o primeiro plano do debate político nacional a condição de “banqueira” de sua amiga.

É no mínimo exótico que uma personalidade política identificada há décadas com as  causas ambientalistas venha prontamente a público, assim que assumiu sua candidatura, propor a independência do Banco Central. Onde exatamente, ao longo de sua militância na defesa das florestas, dos rios e das populações ribeirinhas, Marina Silva se deu conta das virtudes de um Banco Central independente?

A partir daí — ou seja, da explicitação do plano de colocar o Banco Central numa redoma  blindada contra as decisões de um poder político democraticamente eleito pelos cidadãos e,  consequentemente, de torná-lo inteiramente acessível às determinações do mercado financeiro — Marina Silva atraiu todos os olhares do Brasil eleitoral para a verdadeira inserção profissional e econômica de sua amiga Neca Setubal. 

É essa realidade que levou a grande imprensa, inclusive publicações de outros países, a destacar a dimensão da fortuna de Neca Setubal. O leitor brasileiro é informado em sites dedicados ao “big bussiness” e em grandes jornais, que Neca Setubal tem uma fortuna líquida de 1 bilhão de reais, ou 428 milhões de dólares. Ou, ainda, que recebeu 56 milhões de reais em dividendos nos últimos quatro anos. Ao mesmo tempo, as publicações alternativas, mas não apenas estas,  passaram a especular como seria a relação de uma chefe do poder executivo central com o maior banco do país levando em consideração  não apenas os estreitos laços de amizadade com uma das herdeiras do banco, mas também  a expressiva dívida já vencida que o Itaú tem para com a Receita Federal.  

A acionista do Itaú, por sua vez, participou com empenho  na consolidação de sua reputação de proprietária de uma grande fortuna ligado ao capital financeiro quando, entre outras manifestações, afirmou que “o mercado é contra Dilma”. E para que não restassem dúvidas, usou sua condição de  “insider” para declarar que “o mercado está apostando em Marina”.

A amiga e colaboradora de Marina Silva assumiu sua condição de integrante plena da burguesia ligada aos bancos e, ao mesmo tempo, destacou sua situação de colaboradora privilegiada de uma candidata com chances reais de vencer a eleição presidencial.

Na realidade é essa condição de proprietária-acionista de um grande banco que faz dela uma das principais colaboradora de Marina Silva. Fosse ela uma simples educadora —  como as que esbanjam competência e dedicação e podem ser encontradas em dezenas de outras instituições respeitadas — Neca Setubal não teria capturado a atenção da militante das causas ambientalistas e nem teria o lugar de principal colaboradora-amiga da atual candidata. 

Profa. Dra. Roseli Martins Coelho é docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Teve até um jornalista de

    Teve até um jornalista de esgoto escrevendo que a banqueira da Dilma está na cadeia, referindo-se a uma simples funcionária do Banco Rural, Kátia Rabelo, como se banqueira como a Neca fosse. E tem coragem de usar o termo "maldosamente" como se o texto todo assim não o fosse além de destituído de clareza e lógica como esse da Dra. Roseli Martins Coelho. Um dia os de araque aprenderão a respeitar os leitores fazendo prevalecer os fatos, não suas vontades.

    • Esse é o nível e o padrão de

      Esse é o nível e o padrão de reflexo condicionado anti-pt.

      Marina agora está chorando de novo dizendo que a dilma e o pt são isso e aquilo e que quem passou fome não ai acabar com o bolsa família.

      Ora, dizer que vai manter a política social do lula e dilma porém com a política econômica do psdb ou é ilusão ou é demagogia pura de quem virou a casaca. Nos dois casos e retrocesso.

  • Isto sem contar a dívida que

    Isto sem contar a dívida que a instituição ITAU, da qual esta Neca é acionista, tem com a Receita Federal. Só por este motivo o apoio desta figura já pode ser considerado para lá de suspeito.

    Acredito que qualquer politico decente recusaria este tipo de relação que é mais do que um apoio, é um patrocínio com claros interesses econômicos.

    Já disso antes e repito: esta Marina não é uma candidata decente.É claramente a pior opção.

    A chance que esta Marina tem de ser eleita deve-se exclusivamente ao fato do brasileiro, não importa a classe social, côr, religião ou o que quer que seja, ser um ignorante político e ecnômico.

     

  • Sonegou? Apoie a oposição.

    A Dra. Roseli, em poucas palavra,s contou a história desta eleição. Só no final da apuração veremos se nosso povo se tornou tão canalha quanto sua própria imprensa.

  • Sem rumo...

        È evidente que Neca tem o direito de participar de qualquer campanha,eleitoral ou não. O que é questionável , a fragilidade de Marina diante da estrutura da ¨secretária¨. A disparidade social e econômica entre as duas é gritante,e salta aos olhos. E ai a questão; manda quem pode ,obedece quem tem juizo ou, é mais fraco. Marina está sendo manipulada por Neca, Feldman, seu vice, financiadores,dono de apartamento, eventos... 

    • Somente  discordo da

      Somente  discordo da manipulação.  A candidata sabe, sempre soube, do empreendimento em que se meteu. E  sequer acho que é a fraquinha no meio de tubarões. Faz tempo que o dinheiro capturou a causa ambiental. Ambientalistas e barões endam de mãos dadas. Por exemplo: D. Neca, o Itaú e o Gianetti participam de ONGs do ramo (a candidata e seu Leal da Natura, idem). Idealismo? Duvido. Agora estão juntos pra eleger a "a primeira presidente sócioambiental do planeta".  Há manipulados nessa história? Certamente. São eleitores.

    • Falta de escrúpulos com o povo

      Esclareçam o avião de campanha do PSB antes de mais nada.

      Ou dão razão aos que falam que  uso de caixa dois para a eleição é justificável.

      Triste política brasielira que têm de se curvar a candidatos de tão baixo nível.

  • Ligações perigosas.

    O controverso dono do apê de Marina.


    de Miguel do Rosário.


    Agora a Marina Silva vai chorar como nunca.


    Vai falar que é mentira, boato, baixaria.


    Vai convocar milhares de coxinhas para rebaterem as supostas inverdades.


    Vai querer censurar os blogs.


    Mas não posso fazer nada. Tenho que informar aos leitores, sempre trazendo documentos e links.


    Desde o início achei estranho que Marina Silva se hospedasse no apartamento de um milionário como Carlos Henrique Ribeiro do Valle.


    Não quero demonizar ninguém. Como jornalista, já entrevistei muitos fazendeiros e empresários. Tem gente boa e honesta em todos os setores.


    Eu achei estranho porque não combinava com Marina, ou assim eu supunha, ingenuamente.


    O dono do apartamento é proprietário de um grupo, o RVM, que possui vários postos de gasolina; uma distribuidora de combustível (Petronac); e fazendas em Minas, Mato Grosso e Pará (segundo a Folha).


    É filiado ao DEM, o partido mais à direita do espectro político.


    Nada menos ambientalista e menos “nova política”.


    A troco de que um sujeito com esse perfil emprestaria, de graça, um apartamento à Marina Silva?


    Essa é uma pergunta que não posso responder. Mas fui pesquisar sobre o homem e suas empresas.


    E descobri que ele, a Petronac, e um de seus postos, o Saema Auto Posto, foram condenados pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região por adulteração de combustível.


    Segundo a Polícia Federal, vários postos situados em Minas Gerais, abastecidos pela Petronac, adulteravam combustível.


    A decisão judicial, em última instância, sem mais direito à apelação, está aqui.


    A Petronac também foi acusada de fraudar uma licitação em Marília, interior de São Paulo. Um dos documentos do Tribunal de Contas de SP pode ser baixado aqui.


    A Petronac tem uma briga constante contra a Petrobrás para avançar mais no setor de distribuição de combustível. As duas disputam licitações para fornecer combustível a prefeituras, Brasil a fora.


    Provavelmente é por isso ele apoia Marina, porque a Petrobrás atrapalha a sua vida. Ele tem razões pessoais para odiar o monopólio do petróleo.


    As invenctivas de Marina contra a Petrobrás devem soar como música aos ouvidos de Carlos Henrique Ribeiro do Valle.


    É seu direito democrático pensar assim. Assim como é emprestar seu apartamento à Marina.


    Mas é também direito democrático fundamental do brasileiro conhecer melhor em quem irá votar.


    Como o candidato ganha a vida? Como mora?


    Já sabemos que o instituto Marina, que sustenta a candidata, recebeu R$ 1 milhão de Neca Setúbal, herdeira do Itaú, ou 83% de todo o valor arrecadado pelo instituto nos últimos anos.


    Depois fomos informados que Marina Silva mora no apartamento de um dono de postos de combustível e fazendeiro, cujas  empresas respondem processos por adulteração de combustível e fraude em licitações.


    Essa é a “nova política”.


    http://tijolaco.com.br/blog/?p=21308

  • Ótima colocação!

    Excelente texto, coloca as protagonistas Neca e Marina no seu devido lugar, sócia finaceira e ideologicamente da burguesia financeira!

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