Sobre Fritz, Joaquim e o valor da dignidade pessoal, por Eduardo Ramos

Sobre Fritz, Joaquim e o valor da dignidade pessoal, por Eduardo Ramos

Não conheci nem Fritz, nem Joaquim. Não só por não serem de minha época, mas por não saber deles nada além de fragmentos dos escritos que deixaram.

Sobre Fritz, sei que era alemão, morava em Munique e morreu de câncer em 1942, auge da segunda grande guerra. Tornado um pária social, desprezado pela família, aí incluindo-se mulher e filhos, desde o início da década de 20 alertava todos à sua volta para a monstruosidade que lhe pareciam as ideias do então jovem líder nazista, Adolf Hitler. Enquanto teve forças, dinheiro e liberdade combateu o nazismo como pôde através do pequeno jornal voltado para as atividades culturais da cidade e tornado então num quixotesco tablóide contra o que chamava de “o tempo insano na Alemanha de Hitler”.

Ninguém o ouviu, teve o jornal fechado ainda em meados da década de 30 e só não foi preso por já contar com mais de oitenta anos e ter os filhos entre os apoiadores fanáticos de Hitler.

Em sua última carta escrita para ninguém, chorou a loucura do mundo, a bestialidade em que mergulhara o povo alemão, a perplexidade com o que parecia ser o fim dos princípios civilizatórios no mundo.

Triste, por saber que era um dos poucos a manter a dignidade pessoal, o amor à verdade e à justiça numa sociedade tornada fanática, perversa, amoral. Feliz, pela consciência dessa dignidade como o maior tesouro de sua existência… Morreu consciente de que todas as perdas, o abandono e a solidão foram um preço pequeno por sua integridade existencial.

Joaquim passou por experiência semelhante. Nascido no Brasil em 1800, de família rica portuguesa, passou sua vida lutando contra a escravidão. Execrado pelos pais e os irmãos, morreu como viveu, frequentando os guetos dos negros a quem defendia com risco diário da própria vida, preso muitas vezes, ameaçado outras tantas, um pária no seu meio social, vítima da tuberculose, também ele em sua “carta testamento” chorou a miséria de seu tempo, a chaga da escravidão, e o quanto valia a pena o ter mantido suas crenças, sua ética, sua dignidade pessoal, sua integridade….

Fritz e Joaquim, na verdade, não podiam fazer mais do que fizeram. Cabe aqui uma pergunta que nada tem de simbólica: “Porque deve um homem lutar uma luta quando todas as forças que contam, mídia, Judiciário e as armas se concentram no lado adversário?”

E a única resposta válida sempre será a mesma em qualquer tempo e espaço de viver: Porque não podemos perder jamais o tesouro personalíssimo de nossa dignidade e nossa integridade ética e existencial.

Não nos iludamos: vivemos um golpe no Brasil. Na verdade, vivemos numa espécie de “golpe eterno”, onde temos, eventualmente, por uma correlação de forças sociais e políticas favoráveis, INTERSTÍCIOS DE DEMOCRACIA E SOBERANIA POPULAR.

Mas esses interstícios, à luz da História, mais parecem como “migalhas por eles concedidas”. “Eles quem?” – pode perguntar um ingênuo… “Eles”, respondo eu, as mesmas oligarquias de sempre, os barões da mídia, os grandes banqueiros e grandes rentistas, e, na verdade, nossas elites e classes médias, secularmente reacionárias, orgulhosas de pertencerem à Casa Grande…

O que virá no futuro próximo, nessa era pós pandemia e pós bestialidade bolsonariana? Miséria, desemprego, caos, sabe-se lá o que mais e que tipo de soluções nos serão impostas por nossas perversas oligarquias.

E nós, os lúcidos, os que amamos o que é justo, e desejamos uma Brasil soberano, democrático, civilizado, solidário aos seus pobres e miseráveis?

Seguimos e seguiremos em luta, cada qual na forma que puder,

E se não formos testemunhas de um novo tempo, do fim de todo o horror desses anos, tenhamos essa consciência, de que a dignidade pessoal, o manter-se íntegro, sempre será a maior glória de existir.

Redação

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