Sou provinciano. Você tomou o estabaco mundial!, por Luiz Antonio Simas

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Sou provinciano. Você tomou o estabaco mundial!, por Luiz Antonio Simas

Tite, meu caro, tenho profundo respeito pelos homens que se esborracham em situações inusitadas. Não sou versado nas escrituras, mas chego a acreditar que, no Sermão da Montanha, o Nazareno tenha dito qualquer coisa como bem aventurados os que tomam um estabaco, porque deles será o Reino dos Céus.

O tombo público – especialmente aquele que não machuca, apenas constrange – tem a dimensão metafísica do frango numa decisão de campeonato. O homem que escorrega em público fica mais exposto do que se estivesse pelado na Rua do Ouvidor, com um abacaxi na cabeça. O homem em queda experimenta a mais completa nudez; o nu primordial, sem subterfúgios. Ninguém é verdadeiramente humano antes do primeiro estabaco público.

Eu tomei pelo menos dois tombos de proporções monumentais. Um deles foi em pleno Centro da cidade, quando corria para pegar um ônibus. Ao partir em alta velocidade em direção ao coletivo, não atentei para um hidrante que estava, impertinente, na calçada; o choque, inevitável, resultou numa queda de cinema. O outro tombo aconteceu na ilha do Fundão, onde caí dentro de um buraco e fui resgatado por valorosos e solidários camaradas que assistiram a cena.

Sou provinciano. Você tomou o estabaco mundial.

Não sei, confesso que não sei, se o tombo é pior para quem cai ou para quem assiste. Serei mais claro. O sujeito que sofre a queda não tem o que fazer; basta erguer-se, desnudo, fragilizado, despido da máscara, e prosseguir a jornada – com a certeza de que algo na vida não será mais igual. ( Nunca mais será igual. O primeiro tombo – falo do ponto de vista do moleque que fui – tem a mesma importância para a formação do caráter que o primeiro porre, a primeira punheta, o primeiro gol e a primeira audição de um choro do Pixinguinha, de um samba do Noel ou de um baião do Gonzaga. )

Mas, digam-me lá, e a testemunha do esborracho, o que deve fazer? Socorrer a vítima, chorar, ter uma crise de riso, ir ao chão em solidariedade, chamar a ambulância ou fazer a mais cretina das perguntas: machucou? Decidir o que fazer ao presenciar um tombo é das dúvidas existenciais mais pertinentes da história humana. Não é o suicídio, como queria o Camus, mas o comportamento diante do tombo alheio que deve ser a questão filosófica relevante da humanidade. O resto é conversa pra boi dormir.

Enfim, a questão é momentosa e exige indagações mais aprofundadas. Aguardo bula do Papa Chico e as iluminações de Caetano sobre o tema. Abro a sexta gelada do dia, comemorando a vitória, a todos os homens e mulheres, anônimos ou famosos, que experimentamos a sensação da queda.

Despidos, ridículos, quebrados, ralados e expostos, somos, afinal, os que sabem que não adianta tergiversar com a vida. Quando menos esperamos, um tombo redentor nos restitui ao legítimo papel que nos cabe nesse drama.

Até o próximo estabaco e tou na torcida. Teu tombo acaba de torná-la mais fervorosa.

Abraço

L.A. Simas

 

 

Redação

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