Uma solução na interpretação sobre a onda fascista no Brasil, por Cesar Monatti

Por Cesar Monatti

Aqueles que tiveram a oportunidade de ler aqui no GGN  recente artigo do historiador e cientista político Roberto Bitencourt da Silva, provavelmente tenham percebido que o título desta postagem é uma referência simétrica, no sentido aritmético, ao daquela publicação.

De certo modo, aquela abordagem sobre o tema do fascismo se alinha ou, pelo menos, aparentemente, tem um relevante ponto de contato com outro artigo recente, publicado originalmente pelos Jornalistas Livres , de autoria do professor de Teoria da História da UFBA Rodrigo Perez Oliveira.

Os dois estudiosos expõem sua crítica ao uso impróprio do termo fascismo, tal qual como vem sendo feito e percebido no país – desde 2014, pelo menos – e que, aqui mesmo neste espaço, tem sido denunciado por inúmeros textos de colaboradores das mais variegadas formações profissionais e intelectuais.

Para ambos, este processo não deve ser chamado de fascismo.

No entendimento fundamentado de Rodrigo, porque “o fascismo é a tragédia da Europa moderna”, enquanto “a nossa…é…a de a de uma sociedade de modernização incompleta, forjada no escravismo e controlada por uma elite historicamente comprometida com o atraso”.  Já na compreensão embasada de Roberto, pelo fato de que ele é “fórmula política para potência capitalista/imperialista”, enquanto “o neocolonialismo entreguista é o retrato do Brasil de hoje”.

É este segundo autor quem, democraticamente, manifesta o desejo de que alguém que, se depreende, como ele não considere a questão como “mera e desinteressadamente acadêmica”, explique-lhe “o que vem a significar uma ‘onda fascista’ no Brasil”.

O fato de ser um dos colaboradores do GGN citados no segundo parágrafo não é suficiente para autorizar a elaboração de uma resposta direta ao historiador, embora pareça razoável ressaltar que, embora o termo seja único, não é o fascismo como processo histórico do século XX aquilo a que muitos vêm se referindo nestes anos recentes do país, mas ao ur-fascismo ou protofascismo, ou ainda, fascismo eterno.

Qualquer das três variantes dificulta a utilização e o entendimento geral daquilo que se quer apontar, de fato, com o seu termo principal: um processo histórico em evolução, que se constitua por uma ou mais das características que as definem.

Por isso, provavelmente, e pela busca da simplificação, além de imputar a gravidade correspondente ao grande perigo que uma sociedade enfrenta quando a “nebulosa fascista” se condensa, é que se dispensam, no apelo à resistência contra ela, isto é, na luta antifascista, os sufixos eruditos, bem como o apropriado adjetivo presentes naquelas variações.

Todavia, como convém a um forasteiro em terras alheias, cabe a cessão do protagonismo da réplica a um colega de formação e profissão dos autores citados, o historiador Mark Bray, especialista em direitos humanos, terrorismo e radicalismo político na Europa Moderna.

O historiador estadunidense sustenta em seu ensaio “Cinco lições de história para antifascistas” que, “ainda que seja verdade que o epíteto ‘fascista’ perde parte da força se aplicado de forma muito di­fusa, um elemento fundamental do antifascismo é promover a organização contra políticas fascistas e contra políticas facistoides, em solidariedade a todos aqueles que sofrem e lutam.

Questões con­ceituais devem influenciar nossas estratégias e táticas, não nossa solidariedade.

 

 

 

Redação

Redação

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  • Não vejo nenhum problema em

    Não vejo nenhum problema em chamar os "fascistas" de fascistas. Claro que o termo está relacionado ao movimento italiano, mas superou as fronteiras geográficas e históricas. Mesmo na Alemanha, os movimentos que combatem os neonazistas se chamam de AntiFa (AntiFascismo). Se os fascistas brasileiros são escravocaratas, enquanto outros são feudalistas ou monarquistas, pouco importa. A característica principal do fascismo é sempre a mesma: ódio à pessoa que sustenta ideias que não agradam. E a solução também é sempre a mesma (apesar de já se provar ineficaz): acabar (fisicamente) com as pessoas, na ilusão de matar as ideias. O fascimo existe desde a Antiguidade e quando Jesus defende os pecadores e diz: que atire a primeira pedra quem nunca pecou, ele estava de fato combatendo o fascismo!

    • O problema é que quando se esvazia o sentido das palavras...

      O problema é que quando se esvazia o sentido das palavras, o vazio pode ser preenchido com qualquer outro sentido. A natureza, dizem, tem horror ao vácuo. Assim, sem um significado claro, a argumentação perde totalmente a sua logicidade e eficácia: fascistas são os outros, e pronto.

      Historicamente, os fascistas nunca foram escravocratas (ao menos não com seu próprio povo), feudalistas ou monarquistas. O líder fascista é alguém com profunda empatia por seu povo, ao qual se dirige sem intermediários, não tem nada do distanciamento próprio de um senhor de escravos, um rei ou senhor feudal. E o ódio à pessoa que sustenta ideias opostas é inerente a todo regime totalitário, não apenas ao fascismo.

  • Deve-se falar a linguagem do

    Deve-se falar a linguagem do cidadão comum para ser entendido. Ser entendo é arte da simplicidade.

    É questão acadêmica se discuiir o real significado do que seja o fascismo. Por esse aspecto acadêmico, vale o registro dos dois autores:

    Rodrigo, “o fascismo é a tragédia da Europa moderna”, enquanto “a nossa...é...a de a de uma sociedade de modernização incompleta, forjada no escravismo e controlada por uma elite historicamente comprometida com o atraso”.  Já na compreensão embasada de Roberto, pelo fato de que ele é “fórmula política para potência capitalista/imperialista”, enquanto “o neocolonialismo entreguista é o retrato do Brasil de hoje”.

    • Modernização incompleta

      Em meio ao palavreado, há uma expressão com a qual eu concordo plenamente: modernização incompleta. Esse é o nosso mal, e não o fascismo, que só existiu por aqui nos anos 30, e depois que Vargas dissolveu o partido integralista, nunca mais se reergueu.

      Mas retratar nossa sociedade como "forjada no escravismo" é ser simplista e caricatural. O escravismo é uma etapa já totalmente no passado, não dá mais para ligar nossos problemas atuais ao escravismo. O quadro brasileiro é bastante análogo ao de nossos vizinhos sul-americanos que tiveram muito menos escravidão do que nós. Xingar a elite também é um argumento vazio, pois o que se chama de elite é apenas um totem, uma entidade maligna que supostamente encarna todos os males, mas que ninguém sabe dizer exatamente o que é, exceto que seus integrantes são sempre os outros.

      Um sintoma claro de nossa modernização incompleta é a insistência em voltar ao passado e aos modelos esgotados, como o desenvolvimentismo varguista que chegou ao fim nos anos 80 do século passado. Imperialismo, neocolonialismo e entreguismo são termos anacrônicos no atual mundo globalizado, e a única fórmula eficaz para passar da pobreza ao desenvolvimento é produzir para o mundo globalizado, como fizeram os novos países industrializados da Ásia, que 40 anos atrás eram mais pobres do que nós. Hoje você compra celulares, TV´s e automóveis feitos na Coréia, foi isso que tirou o povo coreano da pobreza, e não os discursos bocós malhando a tal elite.

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