A Guerra de Suez e a União Soviética no Egito

Por André Araújo

A GUERRA DE SUEZ E A UNIÃO SOVIÉTICA NO EGITO – Alguns observadores tem afirmado que é a primeira vez que a Rússia atua no Oriente Médio nos últimos cem anos. Não é bem assim.  A antiga União Soviética teve um papel preponderante no Egito de 1957 a 1970 e por tabela começou por aí a agregação da Síria à area de influência russa.

A entrada em cena da URSS se deu pela primeira vez na Guerra Fria em aliança com os EUA contra a França, Inglaterra e Israel. Este três países invadiram a Zona do Canal de Suez em 29 de outubro de 1956, a França e Inglaterra em represália porque o líder egípcio Coronel Gamal Abdel Nasser tinha nacionalizado a Compagnie Universelle du Canal Maritime de Suez, empresa francesa de controle britânico. Nasser pretendia com a nacionalização fazer caixa para pagar a construção da represa de Assuan, visando produzir energia elétrica e desenvolver o Egito, obra que não recebeu apoio de financiamento dos EUA por razões ideológicas, Nasser era considerado um populista esquerdista e fora do radar de apoio do governo Republicano do Presidente Eisenhower. O Egito tinha solicitado um empréstimo de 2 bilhões de dólares ao Banco Mundial e os EUA vetaram.  Com o ultimato simultâneo da URSS e dos EUA, os invasores se retiraram de forma vexatória e Nasser manteve a nacionalização do canal. As razões da URSS e EUA eram diferentes mas coincidiram em não querer um conflito naquele momento naquela região, a URSS estava às voltas com a Revolta da Hungria e os EUA não queria conflitos perto da Arábia Saudita, sua grande província petrolífera sob controle da Standard Oil Co.of California (hoje Chevron).

O Egito entrou decisivamente para a área de influência soviética que passou a ter um papel preponderante na economia egípcia  e na Síria desde então, porque Nasser, em conjunto com o Presidente sírio Shucri al Kwattli, formaram a República Árabe Unida, Egito e Síria se fundindo em só País, experiência que durou pouco, sob a Presidência de Nasser, Egito e Síria tem histórias, população, economia e cultura muito diferentes, não poderia dar certo juntar tudo em um só balaio.

A influência soviética no Egito continuou até a morte de Nasser em 1970 e acabou sob a Presidência pró-ocidental de Anuar al Sadat, que o sucedeu e tinha como objetivo restabelecer os laços tradicionais com o Ocidente.

Com o fim da Guerra de Suez e para dar estabilidade política e militar à zona do Canal, as Nações Unidas, com a concordância de Nasser,  passaram a ocupar a Zona do Canal com uma Força Internacional de Paz. Para Nasser era uma segurança porque ele manteria o Canal nacionalizado com garantia da ONU. Foi negociada uma indenização que não chegou perto ao que os acionistas do Canal queriam mas a Companhia já era muito rica e hoje é um dos maiores grupos financeiros da Europa, fortíssimo também na geração de energia elétrica no Brasil através da Tractebel, que comprou a Eletrosul nas privatizações elétricas de 1996, o Grupo Suez é hoje um dos maiores grupos de energia do mundo.

A Força Internacional do Canal de Suez teve como principal contingente o Batalhão Suez do Exército Brasileiro, que em dez anos mandou para a Zona 6.000 homens e teve um papel de grande destaque pelo profissionalismo e excelente relação com os egípcios, aliás é uma das razões pelas quais o Brasil é o Pais que mais participou de Missões de Paz da ONU.

A dominância soviética no Egito era pesada, em 1967 viajei pelo País com minha esposa e lembro que o voo do Cairo a Luxor era em avião Antonov, com tripulação russa, inclusive a aeromoça, sendo o sanduíche com queijo russo Dimex.

O Egito passou a ser o epicentro da espionagem e propaganda soviética para a África, recebendo grande volume de armamento soviético, especialmente aviação e tanques, também muitos engenheiros de obras públicas.

A Guerra de Suez não foi um grande conflito físico, mas foi um evento geopolítico de vital importância e é a raiz da penetração russa na Síria desde então, que hoje tem seus desdobramentos na guerra civil daquele país.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

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  • Antes ainda...

    Em 1948, três dias depois de Israel declarar sua independência, Stalin não apenas reconheceu oficialmente a existência desse Estado (a URSS foi o segundo país a fazê-lo), como passou a enviar armamento tcheco, driblando o embargo britânico nesse sentido, para armar os grupos para-militares sionistas que estiveram na origem do caos na Palestina que hoje se conhece.

    A ingênua esperança de Stalin era a de poder aparelhar Israel como um aliado útil no Oriente Médio. O lobby sionista internacional foi mais esperto que ele, e preferiu parasitar diretamente um aparelho de Estado muito mais permeável (ao poder da grana sobretudo) que o monopólio de partido da nomenklatura soviética: o Estado norte-americano.

    Já o Egito, esse é uma espécie de Polônia do Oriente Médio: ora se inclina para um lado, ora para o outro, guardando, no geral, um profundo atavismo conservador.

    Agora é a vez de Putin tentar aliciá-lo, só que de uma maneira mais inteligente.

    Como a França obedeceu docilmente as ordens de Washington de não entregar os dois porta-helicópteros classe Mistral para o seu legítimo contratante, a Rússia, ela acabou aceitando pagar uma gorda indenização pela dissolução do contrato de compra e, para não ficar no total prejuízo (que iria abrir um rombo estrutural sem precedentes na indústria naval francesa), ela os vendeu para o Egito, com o assentimento russo, o que vai oferecer um contrapeso à densidade bélica israelense. Segundo lance o jogo: quem é que vai vender ao Egito os helicópteros e sistemas de armas necessários para rechear as carcaças francesas? A Rússia, claro.

    • Essa venda dos navios da

      Essa venda dos navios da classe Mistral para o Egito só pode ser um grande delirio.

      O que o Egito fará com 2 navios desse porte?

      Qual a doutrina operacional da marinha egipcia  para operar o equipamento, com qual ala aerea.

      E finalmente qual a relação custoxbeneficio de manter algo assim naquela area?

      rs

      • Vai saber...?

        Aí você tem que perguntar para as obscuras entrelinhas dos negócios internacionais.

        Que tal começar perguntando para a Grécia por que ela comprou helicópteros militares sem motores da Alemanha no auge de uma crise financeira bestial?

        E se o "pacote egípcio" for muito maior (eslavamente maior) do que o que parece à primeira vista?...

        • Bem o pacote no caso não

          Bem o pacote no caso não seria eslavo e sim gales...rs

          Mas de qualquer forma não vejo como um suposto aporte Russo ( estando a Russia em uma situação apertada ) seria grande o suficiente para converncer a marinha Egipcia a operar 2 LPH da Classe Mistral tanto faz o tipo de aporte financeiro ( improvavel ) ou em termos de afinidades em assuntos geo estratégicos.

          É mais provavel que da parte Russa  só tenha sido feito dar " as benções " a operação.

          Talvez ( e ai pode fazer mais sentido ) esses navios sejam posteriormente " vendidos " para a armada russa...rs 

          A coisa toda não faz sentido, mas politica é assim mesmo afinal o Exercito Brasileiro comprou o Cougar e o Sikorsky Black Hawk tambem o que convenhamos do ponto de vista logistico é algo que lembra a força aerea indiana.

          Acho isso tudo mais uma aquisição aloprada mas paciencia... 

          • Nota de aclaração

            Até onde foi noticiado, não houve financiamento russo para a compra egípcia.

            Quando eu faleu de "pacote eslavo", eu estava imaginando o que os russos acharam que poderiam vender para os egípcios, como agregados necessários ao armamento base. Seguramente tratou-se de um acordo triangular, com ponderações de vantagens (ou redução de perdas) para todos os lados.

      • Se eles compraram...

        ... certamente sabem o benefício que vão ter.  Não existem bobos nesse mundo, os militares egípcios têm suas motivações para a compra. A oportunidade de equipar as unidades, ora com equipamentos da Rússia, ora com equipamentos do ocidente, não deve ter escapado deles. Lembre-se, a partir da decisão política de embargar a entrega das unidades aos contratantes, elas cairam tremendamente de preços, virou um encalhe na indústria francesa, os egípcios avançaram na oportunidade de aquisição.

    • Não se sabe as razões precisas de Stálin.

      Ele poderia ter bloqueado a criação de Israel, com o poder de veto na recém criada ONU; não só deixou passar a resolução encaminhada pelo Osvaldo Aranha, como votou nela. O afastamento da União Soviética com os posicionametos de Israel começou no conflito de Suez e consolidou-se na Guerra dos Seis Dias. Desde o fim da Era Soviética, a Rússia mantém uma política cautelosa em relação a Israel. Não se pode afirmar que, nem a União Soviética, como a Rússia dos dias atuais, mantiveram políticas nítidas antissionistras, nunca condenaram a existência do estado colonial sionista.

  • Alem de 1970........

      Caro AA,

      Uma unidade aerea da VVS ( Força Aerea Soviética ), o 63rd ORAP ( Regimento Independente de reconhecimento ), instalou-se na Cairo - Oeste AFB , em março de 1971, e realizou varias missões sobre o Sinai e Israel, incluindo uma em 06/11/71 sobre o Passo de Mitla ( Sinai ), foi interceptada por caças israelenses, sem resultado de abate - como somente o "produto" destas missões era cedido pelos soviéticos aos egipcios, em maio de 1972 Sadat exigiu que as aeronaves fossem alocadas diretamente a FAE, os soviéticos não concordaram, e deixaram o Egito em 16/07/72.

        Retornaram, em 22/10/1973 por solicitação de Sadat , para verificar , como 3a parte envolvida, a situação do 3o Exército Egipcio, cercado próximo a Suez e para posteriormente verificar as linhas de "cessar - fogo " da Guerra do Yon Kippur/Ramadã , este regimento, reforçado por unidades da AV-MF ( aviação naval ), ficaram baseadas em Cairo - Oeste, tanto para monitorar as linhas de cessar - fogo, como para vigiar as movimentações da 6a Frota da USNavy, deixaram o Egito no dia 13/09/75 - nos primórdios da "virada de Sadat ", que culminaria com os Acordos de Camp David de 1979.

         O primeiro acordo militar Egito - USA , foi aprovado pelo US Congress, em 25/06/80, com o nome de "Peace Vector", referente a venda de dezenas de aeronaves F-16.

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