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Lições aprendidas com o preso político Dower Cavalcanti

Na que semana passada o governo do estado do Ceará desativou o IPPS-Instituto Penal Paulo Sarasate, presídio inaugurado no início da década de 70 para substituir a antiga Cadeia Pública, situada dentro e no centro da cidade. 

Hoje pela manhã vendo as fotos desse instituto me afloraram lembranças marcantes, profundas e que trago até hoje. Foi lá, no frescor dos meus recem completados dezoito anos que exerci o meu primeiro labor após aprovação em concurso para guarda de presídio. Ainda hoje recordo do meu primeiro dia de tabalho. Mesclava-se um medo compreensível com uma incompreensível curiosidade de como aquilo funcionava. 

Mas esse texto não se destina à reminiscências deste escriba, e sim, para escrever sobre uma pessoa que lá conheci e com quem travei, não diria amizade porque seria exagero, mas conhecimento e que me marcou para sempre. Era um preso político de nome Dower Cavalcanti, um pouco mais velho que eu, pessoa educadíssima e culta. Meu “professor-iniciador” das idéias d Marx, Lênin e um pouco de Hegel. Sobre este último, não esqueço a reprimenda quando pronunciei “Egel”, e não “Rigel”.

Dower Cavalcanti é daqueles heróis anônimos na minha avaliação. Fez parte de uma geração que ofereceu a vida em holocausto por conta de uma causa que julgavam justa e pertinente. Largaram faculdades, famílias, amigos, para lutarem por uma sociedade mais justa, mais equânime. Hoje é muito fácil se arguir visões distorcidas, erros táticos, radicalismos do alto das nossas vidas mesquinhas. 

Revolta-me esse esquecimento, quando não desdém e conspurcação da memória, dessas pessoas idealistas e corajosas. Abrigados na clandestinade ou presos sofrendo abjetas torturas. Como comparar com esses “revolucionários” de hoje, do alto das suas máscaras e do conforto dos seus teclados? Que após tomarem seus “todinhos” partem para quebrar vidraças e com isso se achando os anarquistas do século XXI?

Voltando ao Dower. Certa vez sem querer em conversa com ele falei das minhas agruras para comprar um livro didático exigido na faculdade. Parece-me que de Cálculo I. Ele, de imediato, me perguntou quanto seria e foi logo metendo a mão no bolso. Emprestou-me a quantia e quando fui pagá-lo ele não queria receber de jeito nenhum. Só após muita insistência aceitou.

Saiu da cadeia e continuou seus estudos de medicina. Formou-se e especializou-se em medicina sanitária, um ramo mais para quem realmente faz dessa profissão um sacerdócio. Infezlimente morreu procemente com 44 anos de idade, de infarto. Talvez sequelas ainda do aprisionamento e das torturas. Depois da prisão só o vi uma vez no Campus do Pici(UFC). Sentado no chão, lendo. 

Grande DOWER CAVALCANTI! Um brasileiro, um cearense, e acima de tudo, um ser humano valioso.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Olá lUIS , li seu texto e fiquei impressionado com a descrição de seu relato, realmente muito rico e emocionante. Sou filho de um Jornalista que também foi preso, torturado e se auto exilado, pois fugiu para colombia por onde se escondeu por dois anos. Em fim , meu pai foi Assessor de Imprensa da CNTI em Brasilia, e era amigo de Dower Cavalcanti, lembro dele por umas 3x em contato com meu pai, além de outros que sofreram dos horrores da Ditadura , era o ano de 90 ou 91.. em fim, compartilho de suas lembranças. pois foi a melhor epoca da minha vida, tinha meus 17 anos, era punk revoltado e o nível das pessoas que passaram naquele apartamento em Brasilia so me fizeram ser mais punk ainda !!kkkkk .. Grato pelo texto .( achei o nome dele em arquivos que estava relendo da Ditadura, e lembrei dele com meu pai.) Hoje tenho 44 anos, meu pai morreu em 2008 com 66 s.

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