Por Marcos Luna
Médico, pós-graduado na Harvard University e na UFBA.
Desde os últimos dias de Junho, as ruas brasileiras foram reconquistadas por centenas de jovens adultos, na sua maioria de classe média e inconformados com a entropia na mobilidade urbana entre o trabalho e a moradia. O Movimento Passe Livre com recorrente demanda aos prefeitos e governadores, perante o descompasso no transportismo público – privado de massa, afinal alcançara a visibilidade política necessária para a negociação transformadora do setor em débâcle. “O que acontece, acontece, mas só acontece o que pode acontecer (Kafka)”. Essas tempestivas manifestações coletivas, legitimadas pelo histórico das insatisfações represadas mas sempre tergiversadas por interesses de categorias como as “organizações sociais sem fins lucrativos” e dos funcionários estatais, capturaram a ambivalente categoria medica. “Dê uma mascara ao homem e ele dirá a verdade. Em cada um esta seu próprio demônio que faz do mundo um inferno” (O.Wilde).
À composição multidinária das passeatas somaram-se desgarrados ideológicos, anarquistas, vândalos, a lúpem marginal, combatentes partidários contra o governo, aposentados contra o fator previdenciário e os adeptos do decadente neoliberalismo na defesa do estado mínimo – hoje desmantelando a União Européia. A classe media burguesa também se apresentou como o “velho do Restelo” nos Lusíadas de Camões, defendendo a xenofobia corporativa dos médicos. Não contemplei o engajamento das classes populares ate os dias atuais. Contudo, médicos têm vociferado o mal-estar conjuntural motivado pelas carências estruturais do SUS, correlatos da terceirização e a insolvência das filantrópicas. Alie-se ao descalabro iminente na saúde, a insuficiência de médicos por grupo populacional e o subfinanciamento. O governo reagiu inconteste e desarrazoado, propondo uma extensão da graduação médica com a obrigatoriedade da medicina de família e preventiva, para a diplomação. “Há também uma crise de formação, na medida em que não conseguimos graduar profissionais capazes de compreender, com agudez, o SUS “(Jairnilson Paim).
Ao rever as suas medidas provisórias, exemplo da validação provisória monitorada por três anos dos médicos estrangeiros, o governo convidou as entidades medicas para o dialogo reconstrutivo. A elaboração de um programa emergencial para atender ao clamor das prefeituras, com equipes multidisciplinares para cuidar da população desassistida nas periferias e nos rincões, os ministérios da Saúde e da Educação acabaram dando um salto qualitativo para o SUS. Quando o CFM, a FENAM e a AMB renegam a defasagem entre o numero de médicos ativos e a população alvo, comentem um equivoco político, desqualificando o protagonismo profissional e o Ato Medico, porquanto sem enfermagem, odontologia, fisioterapia, nutrição e a assistência social, o binômio prevenção-promoção na Saúde Publica estará periclitando. “A lista dos oponentes ao SUS é imensa e forte, a começar pelo capital financeiro que exibe sua lógica em hospitais privados e seguros de saúde. A lógica do mercado na saúde é um desastre, daí a reclamação por atendimento humanizado” (J. Paim). Esta indisposição das entidades ratificará a tese governamental do desequilíbrio social no Ato Medico, justificando o veto presidencial. Na sua práxis a categoria nunca esteve consentânea com os primados científicos, da ética e equidade sanitária no Brasil.
Enfim, constato três tipos de esculápios nas “calles libertarias”: novos médicos preocupados com sua formação e mercado de trabalho; médicos empresários na ganância financeira; médicos públicos por carreira de estado. Neste conundrum de interesses, ainda destacam-se médicos de viés elitista concentrador de privilégios. Ao refutarem a proposta revisada da MP 621/13, as entidades retaliam o autoritarismo do Planalto, mas partidarizam a luta política que antecede ao ano eleitoral. Em perspectiva, o Programa Mais Médicos ao preencher lacunas na saúde básica e ambulatorial, revelará que a administração e a cidadania republicanas preceituam desde sempre: a falta de recursos decorre da escolha política e da qualidade profissional. Que a utopia do SUS seja uma realidade conquistada na dialética humanística universalizada.
*Marcos Luna é médico, pós-graduado na Harvard University e na UFBA. doutor.luna@gmail.com
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