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Mudanças necessárias no jogo político

Mudanças necessárias no jogo político

O mês de junho marcou a história brasileira. Milhares de pessoas foram às ruas e derrubaram o mito de que a política institucionalizada nos partidos é a cara do nosso povo. A crise da representação política é fenômeno mundial, porém eleva-se entre nós uma percepção coletiva de que os partidos funcionam de forma cartorial e que os seus costumeiros arranjos políticos de coalizões “pró-governabilidade”, que blindam governos da sociedade, não respondem mais aos anseios da cidadania.

Li alguns textos interessantes nos últimos dias e creio que certas frases merecem ser reproduzidas. Vejamos: “se uma nação inteira pudesse sentir vergonha, seria como um leão preparando seu bote. Uma nação envergonhada dos seus políticos e das suas mazelas está inteira nas ruas” (Veríssimo, Cadê o De Gaulle? ‘O Globo’, 27/06/2013). Incertezas não nos permitem saber de antemão para qual lado será esse bote do leão. No entanto, está claro que há uma insatisfação generalizada com a qualidade dos serviços públicos em nosso país, inclusive com aqueles prestados diretamente por concessionários privados. Preços altos e qualidades baixas nos remetem a difusos problemas de seleção adversa nos mercados, algo muito comum em países subdesenvolvidos. A corrupção, outro tema dos protestos, também é fenômeno mundial e ela não se restringe ao setor governamental.

Conforme apontou recentemente o filósofo político Marcos Nobre, “a sociedade já está em um novo modelo e o sistema político ainda não”. As redes sociais reforçam mudanças nas regras da política institucionalizada e demandam, em larga medida, renovações de ideias e nomes. Nesse efervescente contexto, não é estranho que a realidade social busque revanche contra as atávicas ilusões da política. O Brasil acompanhou a onda global de protestos sociais que ocorreu em diversas regiões do planeta. Essas mesmas insatisfações são multifacetadas, porém elas confirmam a crise da representatividade e uma desconfiança generalizada em relação às lideranças. Nesse momento, pode até ser que muitos políticos tradicionais busquem operar como Cronos, a figura mitológica que devorava seus próprios filhos para impedir ser suplantado pelos mesmos. Mudanças reais e profundas na cultura política não interessam a todos aqueles que se beneficiam do jogo vigente. Existem muitos Cronos em diversas organizações brasileiras, públicas e privadas, porém eles não conseguem travar a roda da história. Podem atrasar processos emergentes e o país, mas não são capazes de evitar que o mundo continue girando.

Tenho muitas dúvidas em relação aos desdobramentos dos protestos de junho. Desconfio de que estejamos vivendo um tempo de transição e que mudanças irão inexoravelmente ocorrer logo adiante. Minha dúvida central é se o sistema político-partidário brasileiro irá ter a inteligência de se abrir ou se ele buscará se refugiar no comportamento do tipo Cronos, algo que poderia ter implicações graves do ponto de vista institucional. Afinal, se as nossas instituições democráticas estivessem efetivamente funcionando bem, milhares de pessoas não teriam ido às ruas protestar. As sensações de impunidade, de existência de privilégios exorbitantes para alguns poucos e de que os serviços públicos não refletem a carga tributária pesada ficaram muito claras. Prioridades do gasto público também são objetos dos questionamentos: “padrão Fifa”.

Enfim, a antecipação da corrida eleitoral de 2014 talvez possa aproveitar positivamente o clima e a energia das marchas sociais de junho. Precisamos de renovação de ideias e nomes na política brasileira e que os partidos abriguem efetivamente jovens rebeldes que ainda acreditam ser possível ofertar melhores serviços públicos em nosso país. Reconheço não ser fácil mudar certos aspectos negativos da cultura política brasileira, incluindo algumas de suas relações com os financiamentos de campanha.

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Rodrigo Medeiros

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