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Os seis anos do Programa Nacional de Biodiesel

Do Brasilianas.org

Os seis anos do Programa Nacional de Biodiesel

Por Lilian Milena

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) emprega hoje 109 mil famílias de agricultores, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A expectativa é que esse número salte para 570 mil famílias produzindo para o programa, até 2020, alavancando a oferta de oleaginosas no país. Atualmente, 20% da matéria-prima para fabricação de biodiesel no Brasil vêm da agricultura familiar.

A evolução do número de pequenos produtores rurais beneficiados pelo PNPB, bem como os desafios da política nacional de biocombustíveis foram os temas de destaque do 04º Fórum de Debates Brasilianas.org, realizado na última semana de outubro, em São Paulo. Arnoldo Anacleto de Campos, diretor de Geração de Renda e Agregação de Valor da Secretaria de Agricultura Familiar do MDA, lembrou, durante o evento, que em 2005, ano em que o PNPB foi implantado, eram apenas 16,3 mil famílias envolvidas na produção de oleaginosas.

QuanQuando lançado, o objetivo do PNPB era de expandir a produção de biodiesel, incentivando a diversificação de cultivares e inclusão social, a partir da agricultura familiar. A meta inicial era chegar, em 2010, mantendo cerca de 200 mil famílias.

Além de alcançar apenas metade do objetivo, quanto a contratação de pequenos agricultores, a diversificação de cultivares ainda é insipiente. A soja é o carro chefe do biodiesel brasileiro, atendendo a 81% da demanda, seguida da gordura animal (15,6%) e algodão (3,6%). Frederico Durães, chefe geral da unidade Embrapa Biodiesel explica que as demais espécies de oleaginosas atendem os 1,5% restantes.

O papel da soja

Entre os especialistas do setor energético existe a preocupação de reduzir a participação da soja na fabricação do biodiesel pela relação direta entre diversificação de matrizes e segurança energética. Ou seja, quanto mais opções de cultivares o país tiver para produção do biodiesel mais garantias terá para atender a demanda de combustíveis nas próximas décadas. No mundo, mais de 80% do biodiesel vem de quatro espécies: soja, dendê, girassol e canola, segundo Durães.

O país produz hoje 2,3 bilhões de litros/ano de biodiesel. Mas já possui capacidade instalada para oferecer 5,1 bilhões de litros/ano para o mercado. Odacir Klein, presidente Executivo da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), destacou durante o fórum que o programa de biodiesel brasileiro tem dado certo por conta da Lei nº 11.097, de janeiro de 2005, que estabeleceu o mercado obrigatório para o biodiesel ao aplicar percentuais de mistura do insumo ao diesel comum. Atualmente o mercado autorizado comercializa a mistura B5, ou seja, a adição de 5% de biodiesel a cada parte de diesel vendido no país.

“Quando o marco regulatório foi aprovado, a meta era obrigar a aplicação da proporção B5 em 2013, mas a produção nacional de oleaginosas possibilitou alcançar a meta três anos antes”, ressaltou Klein.

O porta-voz da Ubrabio ressaltou, ainda, que a desoneração de PIS e CONFINS para empresas que compram oleaginosas oriundas da agricultura familiar, e a criação do Selo Combustível Social, que identifica os produtores de biodiesel que trabalham com os pequenos agricultores, foram fundamentais para que o plano federal cumprisse o papel de incluir ao programa não apenas o agronegócio.

“As empresas que compram seus insumos de agricultores familiares são identificadas com o Selo [Combustível Social]. E 80% do total de biodiesel leiloado pela ANP [Agência Nacional do Petróleo] é destinado apenas às distribuidoras com selo social”, completa a explicação.

O consumo total de diesel no país é da ordem de 45 bilhões de litros/ano, e a produção de biodiesel, de 5,1 bilhões de litros/anos. Logo, cada 1% de biodiesel equivale a 450 milhões de litros/ano.

Para Cleber Lima Guarany, coordenador de Projetos de Biocombustíveis da FGV, a soja é um importante lastro de matéria-prima para o PNPB, dada a consolidação da sua cadeia e o uso da oleaginosa para a produção de farelo e proteína, também exportados pelo Brasil.

Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimento (FAO) revelam que a demanda mundial por carne de aves deverá crescer 40% até 2020, impulsionando a produção de soja, uma vez que 2/3 do consumo mundial de farelo é destinado à ração animal.

Já, segundo avaliações da Embrapa, o programa brasileiro de biodiesel tem demandado uma quantidade de óleo maior do que a área alimentar, ainda assim, sem ameaçar a oferta desse último mercado.

Estudo da FGV, sobre as perspectivas do biodiesel, aponta que, em 2014, 10% do diesel utilizado no país será substituído por biodiesel. Em 2020, 20% do biocombustível substituirá o diesel comum. A soja continuará sendo a principal matriz, respondendo por 70% do óleo vendido para produção de biodiesel.

As demais matrizes (mamona, cano, girassol, palma e outras) deverão ocupar, juntas, um território de 5,77 mil hectares até 2020. O total de área utilizada hoje pela agricultura brasileira é de 80 milhões de hectares. Outros 202 milhões de hectares são utilizados para pastagens. Segundo Guarany, além desses territórios, estima-se que o Brasil tenha, hoje, cerca de 106 milhões de hectares de terras desflorestadas, livres para agricultura. Logo, avalia que será possível aumentar a oferta de oleaginosas sem ameaçar a produção de alimentos ou matas virgens.

Agricultura familiar

A diversificação é particularmente importante para os pequenos agricultores das regiões Norte e Nordeste, justamente para evitar que o programa nacional do biodiesel se transforme num novo Proálcool, que acabou beneficiando o agronegócio, apesar das intenções iniciais do então governo de incentivar a constituição de pequenas usinas no Nordeste.

Antônia Invoneide de Melo, uma das agricultoras do Assentamento 25 de Maio, do município de Madalena, no Ceará, onde vivem 422 famílias, afirma que o programa nacional ajudou a assegurar a renda entre os produtores do estado.

“Em algumas regiões do semiárido não existe processo de agregação de renda. Ou seja, o agricultor só planta feijão, milho e outros alimentos para subsistência. Às vezes consegue algo mais, quando cria caprinos ou ovinos. Com a produção de oleaginosas e a compra garantida da produção para uma empresa, no caso a Petrobras Biocombustíveis, o agricultor passou a consorciar sua produção de alimentos a oleaginosas, e com isso a ter renda da venda da mamona, por exemplo”.

Antônia também é porta-voz da Cooperativa de Trabalho das Áreas de Reforma Agrária (Coopertrace), e conta que a produção de culturas energéticas entre os pequenos agricultores começou em 1997, com investimentos da Petrobras. “Hoje, aqui no Ceará, são 216 assentamentos e comunidades envolvidas na produção de oleaginosas. E, diretamente, são 318 famílias que plantam mamona e girassol”, completa.

A renda média entre os agricultores, no último ano, foi de R$ 600,00, com casos de agricultores que obtiveram R$ 6 mil em 2009. “Esse ano, tivemos baixas, inclusive na produção de milho e feijão, por conta da seca”, ressalta a agricultora.

Quando perguntada se o programa nacional de biodiesel melhorou a vida dos pequenos produtores, Antônia respondeu que, do ponto de vista geral, o incentivo à produção de mamona está sendo positivo. Mas apresentou dois importantes motivos para o aumento da produção: primeiro, um programa do governo do estado do Ceará que paga 200 reais por hectare a cada pequeno agricultor, por até três hectares. Segundo, a criação da Petrobras Biocombustíveis (PBio), que, desde 2009, possui contratos de 5 anos com os agricultores locais, garantindo a compra das safras.

Frei Sérgio Goergen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), também aponta a criação da PBio, como fundamental para incentivar a produção de oleaginosas, apesar das duas cooperativas que trabalham com matrizes energéticas do MPA, não terem contratos com a empresa.

“A PBio pública tem condições de garantir preços e estimular a produção, dessa forma ela conseguiu balizar o mercado, e obrigou os agricultores a melhorar a produção”, justifica.

Lançada em 2008, a PBio ajudou a ampliar o número de agricultores familiares contratados. Segundo levantamento da ONG Repórter Brasil, com a entrada da empresa no mercado de biodiesel brasileiro, o número de pequenos produtores beneficiados aumentou 83%, entre 2008 e 2009, o que representa 27.858 famílias. E, entre 2009 e 2010, o número saltou para 109 mil, representando um crescimento de 291%.

Entre 2008 e 2009, a quantidade de produtos adquiridos da agricultura familiar saltou 145%, movimentando R$ 677,34 milhões. Conforme as projeções do MDA, entre 2009 e 2010, a proporção deve subir 334%, resultando na compra de R$ 1,2 bilhões de insumos originários de pequenas propriedades.

Dendê entre as principais alternativas

Luís Augusto Barbosa Cortez, professor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioetanol (CTBE), defende a redução da participação da soja no programa nacional de biodiesel. Avaliações feitas por técnicos do CTBE comprovam que, para substituir 100% do biodiesel através da soja, seriam necessários 75 milhões de hectares, uma vez que o rendimento dessa oleaginosa por hectare é de apenas 600 litros.

A mamona se mostra menos sustentável. A substituição total do diesel a partir dessa matriz, exigiria o plantio sobre 90 milhões de hectares, tendo em vista o rendimento de 500 litros por hectare da oleaginosa.

“O dendê é a melhor alternativa, pois o rendimento é de 4 mil litros por hectare. Portanto, para substituir todo o diesel consumido hoje no país, necessitaríamos apenas de uma área de 11 milhões de hectares”, ressalta.

Durães, da Embrapa Biodiesel, explica que a soja foi fundamental para impulsionar PNPB, pois já havia um sistema de produção e comércio consolidado no país.

“Graças à logística que a soja já tinha, conseguimos sustentar toda essa situação inicial. A formação de uma logística demora um tempo, e deu certo, no caso da soja, por três condicionantes: primeiro, tínhamos domínio sobre o conteúdo da matéria; segundo, já tínhamos a logística da matéria em escala para garantir quantidade de volume  de óleo que o mercado demandaria. E, terceiro, o setor já tinha visão industrial”.

Durães afirma que o país deve manter a estratégia do PNPB quanto à inclusão de pequenos produtores, e investimentos para diversificação de matrizes. E ressalta que não será possível obter uma nova matriz, com as mesmas qualidades técnicas e de cadeia que a soja, da noite para o dia.

“Temos hoje uma área de 23 milhões de hectares de soja, e uma cadeia com um histórico de 45 anos. Por outro lado, plantamos apenas 70 mil hectares de dendê até hoje. Para se ter ideia, no mundo são 12 milhões de hectares plantados de dendê. Outro ponto é que a soja é uma cultura de curto prazo. Já o dendê é perene, ou seja, demora 3 anos para maturar, frutificar a primeira vez, e produz durante 5 anos”, conta.

Mesmo assim, a Embrapa estuda a formação de um novo híbrido para dar sustentação ao dendê. O segundo passo será consolidar a cadeia de produção, incentivando a agricultura familiar. O zoneamento das áreas com potencial de produção do dendê no país já foi entregue, apontando a possibilidade de estender o plantio em 32 milhões de hectares.

Em dez anos o espaço de produção desse cultivar deverá saltar dos atuais 70 mil hectares para 1 milhão de hectares. Já a canola, hoje produzida em 120 mil hectares, crescerá 20 mil hectares por ano, até 2020. Durães destaca que o país tem uma reserva estimada de 120 mil hectares para produção de mamona e girassol. E espera que as potencialidades regionais identificadas ajudem a criar, em dez anos, um lastro produtivo de oleaginosas equivalente ao que o Brasil criou em 45 anos, no caso da soja. 

Para acessar o estudo da ONG Repórter Brasil na íntegra, clique aqui.

Luis Nassif

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