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Uma questão de soberania nacional

A Advocacia Geral da União (AGU) publicou no dia 16 de julho uma portaria, de nº 303, regulamentando a decisão do Supremo Tribunal Federal, referente às condicionantes do caso da Raposa Serra do Sol. Trata-se de um ato administrativo, jurídico, que obriga a todos os órgãos do Estado a seguirem suas orientações.

A questão é particularmente interessante, pois a Funai e o Ministério Público Federal, com apoio de ONGS, movimentos sociais e entidades da Igreja Católica, como o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), continuavam atuando como se o Supremo nada tivesse decidido a respeito. Com pedidos de esclarecimento ao STF e com embargos declaratórios procuraram não seguir as novas diretrizes.

O ministro Luís Adams, em uma clara atitude de respeito à lei, de afirmação dos princípios republicanos, declarou que não era mais possível o país conviver com tal grau de insegurança jurídica. Colocou-se na posição própria de um defensor do estado de direito.

As reações não tardaram com a própria Funai, ONGs e movimentos sociais procurando impedir a aplicação da nova norma, sugerindo a sua suspensão e outros movimentos análogos. Tiveram durante esses três anos todo o tempo de expor as suas posições, que foram convenientemente analisadas em um Parecer da própria AGU, nº 153/2010/DENOR/CGU/AGU.

Nele, aparece com particular clareza como a Funai se recusa a seguir as diretrizes do STF, utilizando, com tal fim, todos os subterfúgios possíveis, que aparecem sob a forma de esclarecimentos administrativos. O caso é particularmente importante por mostrar a autonomia com a qual a Funai está acostumada a tratar desse assunto, procurando, praticamente, se instituir como um poder independente.

Mais especificamente esse órgão estatal questionava a competência dos órgãos ambientais, a atuação das Forças Armadas e a ampliação das áreas indígenas já demarcadas, além de procurar obstaculizar a construção de usinas hidrelétricas sem prévia consulta às comunidades indígenas (leia-se a própria Funai e as ONGs nacionais e internacionais), cujo exemplo maior é o conjunto de obstáculos colocados à construção de Belo Monte.

 

Vejamos alguns exemplos:

O artigo 1 estabelece: “(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.”

Ora, esse era um problema particularmente importante, pois havia uma confusão de competência entre o Instituto Chico Mendes e a Funai no que toca ao usufruto dos índios nas unidades de conservação, com esse último órgão pretendendo ter ingerência nessa área. Seguindo as determinações do STF, a AGU equaciona a questão afirmando a responsabilidade do órgão ambiental sobre áreas ambientais, dirimindo a confusão administrativa existente. O meio ambiente foi claramente preservado.

O artigo 1 estipula: “(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada.” Tal artigo é complementado pelo artigo 4 que traz a seguinte especificação: “O procedimento relativo à condicionante XVII, no que se refere à vedação de ampliação de terra indígena mediante revisão de demarcação concluída, não se aplica aos casos de vício insanável ou de nulidade absoluta.”

Ora, esse é um dos itens que a Funai, o MPF e as ONGs nacionais e internacionais, além dos movimentos sociais, mais relutam em seguir por colocar um ponto final à insegurança reinante. Na verdade, tinham o objetivo introduzir um argumento falacioso, presente em sua arguição ao Parecer da AGU, de que todas as demarcações e homologações já existentes, que já cobrem em torno de 13% do território nacional, não seriam válidas, pois feitas com outros critérios do que os atuais.

Na verdade, estavam – e estão – propugnando por uma revisão e ampliação de todos os territórios indígenas, como se o que foi feito no passado não tivesse nenhum valor legal. Isto equivaleria a uma total insegurança jurídica que seria produzida pelos contestáveis critérios – ideológicos – atuais.

Fica, contudo, um problema a ser resolvido, que é basicamente social e demográfico, o de terras que se tornaram exíguas pelo crescimento da população indígena. Esse problema pode – e deve – ser equacionado pelo Poder Público mediante a compra de terra para essas comunidades, que seriam atendidas em seus legítimos pleitos sem trazer prejuízos para os agricultores que se encontram no seu entorno ou em suas proximidades. Os conflitos desapareceriam e as diferentes comunidades seriam atendidas em um clima de cooperação e concórdia. Ocorre que muitas entidades e ONGs vivem do acirramento dos conflitos, tirando deles proveito.

O artigo 1 estabelece: “(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai.”

Trata-se de um ponto, que diria elementar, de reafirmação da soberania nacional. No entanto, a Funai e ONGs nacionais e internacionais procuraram nos últimos anos criar condições para o estabelecimento futuro de “nações” indígenas. Tal projeto poderia atentar contra a própria soberania nacional. Imaginem, por exemplo, se a defesa das fronteiras nacionais pelas Forças Armadas devesse estar subordinada à consulta à Funai e às comunidades indígenas representadas também por ONGs internacionais.

Por último, o artigo 1 estabelece: “(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar.”

Desta forma, são assegurados os direitos da União no que diz respeito, basicamente, ao aproveitamento dos recursos energéticos do país, principalmente hídricos, que já vinham sendo mesmo contestados fora de áreas indígenas. A decisão final não é de competência de ONGS e movimentos sociais.

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