Boaventura de Sousa Santos: “o capitalismo regula a democracia”

Foto Gibran Mendes

do Declatra

Boaventura de Sousa Santos: “o capitalismo regula a democracia”

O professor português Boaventura de Sousa Santos, que leciona em faculdades de diversos países, passou por Curitiba nesta quinta-feira (30) onde visitou o ex-presidente Lula. Santos também ministrou uma palestra na Universidade Federal do Paraná (UFPR) na qual analisou os rumos da democracia no mundo.

Na análise de Boaventura de Sousa Santos, a democracia surge como sistema político nas sociedades capitalistas. Contudo, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial, a democracia era responsável por regular o capitalismo. Esta foi a forma de regular a tensão entre o sistema político vigente com o sistema econômico.
Mas, a partir do final da década de 70 e início da década de 80, com o avanço do neoliberalismo como política, o capitalismo passou a regular a democracia.

 

“É o principio do neoliberalismo começar sua guerra contra o Estado, contra os bens públicos, para redução do papel do estado na economia, privatizacao da saúde, educação e sistema previdenciário. Nos anos 80 isso começa e não há alternativas. Se não há alternativa não há política, porque política é sobre alternativas”, comentou o professor.

A partir de então, o chamado capitalismo europeu, com proteções sociais, passa a ficar em segundo plano sendo dominado pelo capitalismo estadunidense, com essência liberal e tem início a inversão da lógica de regulação entre o sistema político e o sistema econômico.

“As notícias nos principais jornais hoje perguntam como o mercado reagiu a determinados candidatos. Como reagiram a eleição do Lopez Obrador no México? Os mercados são 25 investidores que tem US$ 50 trilhões sendo que o PIB mundial é de US$ 90 trilhões, dos quais US$ 30 trilhões estão em paraísos fiscais. O céu dos mercados são cinco investidores financeiros e que estão conversando sobre como se deve governar ou reagir sobre um candidato A ou B. Isso é impensável. Não se pergunta a reação do cidadão, mas sim a dos mercados. Isso é simbolicamente o modo como o capitalismo regula a democracia. Isso pode ser fatal para a democracia. É a bifurcação que nos encontramos agora”, projeta Santos.

Processos certos para resultados incertos – Boaventura de Sousa Santos também comparou a democracia e o direito em um aspecto, “Os processos devem ser incertos para que os resultados sejam certos. Para isso há o direito processual. O trabalho dos advogados é lutar pela certeza dos processos para que a incerteza seja resolvida a favor dos seus clientes. O que está a acontecer com o direito? Exatamente o mesmo que acontece com a democracia e o Brasil, neste momento, é o grande laboratório. Nós temos é que os processos estão incertos, cada vez mais, para obter resultados certos. Precisa condenar a pessoa A? Então manipula-se o processo”, analisou.

Para o professor a democracia vai precisar ser reinventada. “A democracia representativa dever ser mais capacitada para formas de democracia participativa. Os juristas têm a responsabilidade de defender a certeza dos processos para que resultados sejam incertos”, comentou.

Neste cenário, o professor vê a esperança como fundamental. Durante a visita ao ex-presidente Lula, Santos declarou que o viu cheio de esperanças e desejo de lutar, assim como muitos jovens que encontrou na Vigília em frente a sede da Polícia Federal, em Curitiba. Ele citou um dos seus filósofos favoritos, Baruch Espinoza. Segundo o pensador holandês, é muito importante o equilíbrio entre esperança e medo.

“O neoliberalismo o que está a fazer hoje? Incute medo à maioria esmagadora das populações, porque quem tem medo resigna-se, desiste. A esperança é para os tais 1% que deixaram de ter medo de qualquer coisa. A democracia só poderá segurar-se com força se pudermos dar alguma esperança para quem tem medo e algum medo para quem só tem esperança”, finalizou

Casa cheia – O evento, promovido pelo setor de Ciências Jurídicas da UFPR e pelo Centro Acadêmica Hugo Simas, com apoio do Instituto Declatra, deixou o Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFPR lotado. Além das pessoas sentadas no chão e outras que ficaram de pé, a palestra foi transmitida pelo Youtube pela TV UFPR em outras cinco salas da universidade por intermédio de telões. A estimativa é de que 1.500 pessoas acompanharam a palestra.

“Foi o maior evento já realizado pela faculdade de Direito da UFPR. Um intelectual de primeira linha, como o Boaventura de Sousa Santos, aliado ao momento de insegurança jurídica, política e social contribuíram para o sucesso do evento”, avalia o presidente do Instituto Declatra, Wilson Ramos Filho, que também é professor de direito na Universidade Federal do Paraná.

Veja mais fotos da palestra clicando aqui.

Confira a palestra, na íntegra, com transmissão da UFPR TV:

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

View Comments

Recent Posts

Senado aprova decreto de ajuda ao Rio Grande do Sul

Texto acelera o repasse de verbas ao estado, que deve permanecer em estado de calamidade…

10 horas ago

Alunos da USP iniciam acampamento pela Palestina

Estudantes pedem fim de relações acadêmicas com universidade de Haifa; ocupação ocorre no prédio de…

11 horas ago

Familiares de vítimas de violência investigadas por Rivaldo Barbosa pedem reanálise dos casos

Envolvimento no caso Marielle levou parentes a questionar quantas investigações foram arquivadas indevidamente pelo ex-chefe…

11 horas ago

Lula defende troca de dívida externa de países pobres por investimentos

Em entrevista, presidente discutiu propostas que serão encaminhadas até o final da presidência brasileira no…

11 horas ago

Como antecipado pelo GGN, quebra na safra gaúcha pode levar governo a importar grãos

Nesta terça-feira, presidente Lula também destacou necessidade de financiar produção de grãos em outros estados…

13 horas ago

Parlamentares poderão destinar mais de R$ 1 bilhão ao RS com emendas

Governo federal mapeou que R$ 1,3 bilhão podem ser destinados ao Rio Grande do Sul,…

13 horas ago