Como Israel ‘noticia’ os próprios crimes de guerra

Enviado por Adriano S. Ribeiro

Do Counterpunch

por Patrick Cockburn

Os porta-vozes israelenses já têm muito trabalho tentando explicar como os israelenses assassinaram mais de 1.000 palestinos em Gaza, a maioria dos quais civis, em comparação com apenas 3 civis mortos em Israel por foguetes e fogo de morteiro do Hamás. Mas pela televisão e pelo rádio e pelos jornais, porta-vozes do governo israelense hoje, como Mark Regev, parecem menos enroladores e menos agressivos que predecessores, que eram muito mais visivelmente indiferentes ao número de palestinos mortos.

Há pelo menos uma boa razão para esse ‘aprimoramento’ das capacidades de Relações Públicas dos porta-vozes de Israel. A julgar pelo que se os veem dizer, já estão trabalhando conforme um estudo feito por profissionais, bem pesquisado e confidencial, sobre como influenciar a mídia e a opinião pública nos EUA e na Europa. 

Redigido pelo especialista em pesquisas e estrategista político dos Republicanos, Dr. Frank Luntz, aquele estudo foi encomendado há cinco anos por um grupo chamado “The Israel Project” [Projeto Israel], que mantém escritórios nos EUA e em Israel, para ser usado “por todos que estão na linha de frente da guerra midiática a favor de Israel”.
Cada uma das 112 páginas do folheto é marcada com “proibido distribuir ou publicar” [orig.“not for distribution or publication”], e é fácil entender por quê. O relatório Luntz – oficialmente intitulado “Dicionário de Linguagem Global do Projeto Israel 2009” [orig. “The Israel project’s 2009 Global Language Dictionary[1]] vazou quase imediatamente paraNewsweek Online, mas até hoje só muito raramente mereceu atenção, e sua verdadeira importância ainda mão foi devidamente considerada. 

Deveria ser leitura obrigatória para todos, sobretudo para jornalistas interessados em conhecer a política de Israel, por causa da lista de “Faça/diga X” e “Nunca faça/diga Y” dirigida aos porta-vozes de Israel.

Aquelas duas listas são altamente iluminadoras para que se compreenda a distância imensa que separa o que funcionários e políticos israelenses pensam e creem, e o que eles dizem; o que eles dizem é modelado por pesquisa mantida ativa minuto a minuto, para detalhar o que os norte-americanos desejam ouvir. Com certeza, nenhum jornalista deveria arriscar-se a entrevistar qualquer porta-voz de Israel sem conhecer muito bem aquele manual e ter-se preparado para contra-perguntar sobre os muitos temas – e sempre com as mesmas palavras e frases – que se ouvem hoje da boca do Sr. Regev e seus colegas.

O panfleto é cheio de saborosos conselhos sobre como eles devem modelar suas respostas, para diferentes audiências. Por exemplo, o estudo diz que

“os norte-americanos aceitam que ‘Israel tem direito a ter fronteiras defensáveis’. Mas Israel não tem vantagem alguma em definir com precisão que fronteiras são essas. Evitem falar em fronteiras em termos de pré- ou pós-1967, porque isso só faz relembrar aos norte-americanos o passado militar de Israel. Essa expressão prejudica os israelenses, sobretudo no campo da esquerda. Por exemplo, o apoio da direita israelense a fronteiras defensáveis cai de 89% para menos de 60% sempre que vocês falam em termos de 1967.”

E quanto ao direito de retorno dos refugiados palestinos que foram expulsos ou fugiram em 1948 e nos anos seguintes, e que nunca mais puderam retornar às próprias casas e terras? Aqui, o Dr. Luntz é muito sutil nos conselhos que dá aos porta-vozes israelenses; diz que

“o direito de retorno é questão difícil para que os israelenses falem dela com eficácia, porque praticamente toda a linguagem israelense soa muito semelhante à fala de ‘separados, mas iguais’ dos racistas segregacionistas dos anos 1950s e dos defensores do Apartheid nos anos 1980s. De fato, os norte-americanos não gostam, não acreditam nisso e não aceitam o conceito de ‘separados, mas iguais’.”

Assim sendo, como devem os porta-vozes enfrentar questões que até o manual considera ‘difíceis’? Recomendam que a coisa seja chamada de “demanda” – porque os norte-americanos detestam gente que faz demandas.  O manual ensina:

“Digam portanto: ‘os palestinos não estão satisfeitos com o estado que têm. Agora, estão demandando mais territórios dentro de Israel.”

Outras sugestões para resposta israelense efetiva incluem dizer que o direito de retorno deve ser item de um acordo final “algum dia, no futuro”.

O Dr Luntz observa que os norte-americanos em geral temem qualquer imigração em massa para dentro dos EUA, “portanto falem sempre de ‘imigração palestina em massa para dentro de Israel’ –, e os norte-americanos sempre rejeitarão a ideia. Se mais nada funcionar, digam que a volta dos palestinos faria ‘descarrilhar o esforço para alcançar a paz’”.

O relatório Luntz foi redigido logo depois da Operação Chumbo Derretido em dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, quando morreram 1.387 palestinos e nove israelenses.

Um capítulo inteiro é dedicado a “isolar o Hamás, apoiado pelo Irã, como obstáculo à paz.” Infelizmente, agora, quando está em curso a Operação Fio Protetor, iniciada dia 6 de junho de 2014, e nova matança de palestinos, há um problema grave para a propaganda de Israel, porque o Hamás está rompido com o Irã por causa da guerra na Síria e está completamente sem contato com Teerã. Só reataram relações amistosas há poucos dias – e por causa da invasão israelense.

Muitos dos conselhos do Dr Luntz tratam do tom e do modo de expor o pensamento de Israe0l. Diz que é absolutamente crucial mostrar vastíssima simpatia pelos palestinos:

“Os persuasíveis [sic] não dão importância ao que você saiba, até que se convençam de que você lamenta muito, do fundo do coração, toda a situação. Mostre empatia PELOS DOIS LADOS!”

Isso provavelmente explica por que tantos porta-vozes israelenses vão praticamente às lágrimas quando falam do sofrimento dos palestinos bombardeados por bombas e mísseis israelenses.

Em frase escrita em negrito, sublinhada e toda em maiúsculas, o Dr Luntz diz que os porta-vozes ou líderes políticos israelenses NÃO DEVEM, NÃO PODEM, nunca, de modo algum, justificar “o massacre deliberado de mulheres e crianças inocentes”, e devem reagir agressivamente contra qualquer voz que acuse Israel por tal crime. Vários porta-vozes israelenses esforçaram-se muito para seguir esse conselho na 5ª-feira passada, quando 16 palestinos foram mortos num abrigo da ONU em Gaza.

Há uma lista de palavras e frases a serem usadas e uma lista de palavras e frases a serem evitadas. Há de tudo: “O melhor meio, o único meio, para alcançar paz duradoura, é alcançar respeito mútuo.” O mais importante é que o desejo de paz de Israel com os palestinos tem de ser sempre enfatizado, porque é o que os norte-americanos mais querem que aconteça. Mas se se observarem pressões para que Israel realmente faça alguma paz, a pressão deve ser imediatamente reduzida; nesse caso, os israelenses devem dizer:

“um passo de cada vez, um dia depois do outro” – expressões que serão facilmente aceitas como “abordagem de bom senso, para a equação ‘deem-nos A terra, que lhes damos a paz’.”

O Dr Luntz cita como exemplo de “pegada israelense muito eficaz” a seguinte frase: “Quero muito particularmente falar às mães palestinas que perderam seus filhos. Nenhum pai ou mãe deveria ter de enterrar suas crianças.” 

O estudo admite que o governo israelense não quer, de fato, qualquer solução de dois estados, mas diz que isso não pode ser declarado publicamente, porque 78% dos norte-americanos são favoráveis àquela solução. Devem-se enfatizar sempre as muitas esperanças de que os palestinos progridam economicamente.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é citado com elogios, por ter dito que “já é hora de alguém perguntar ao Hamás: o que, afinal, estão fazendo para melhorar a vida de seu povo?!” A hipocrisia, aí, é inacreditável: é Israel, com os sete anos de bloqueio econômico que impõe a Gaza, quem reduziu Gaza ao estado de pobreza e miséria em que vive hoje.

Em todos os casos e ocasiões, o modo como porta-vozes israelenses apresentam os fatos é planejado para dar a norte-americanos e a europeus a impressão de que Israel desejaria muito a paz com os palestinos e estaria disposta a ceder para chegar à paz. Todas as evidências, e também o Manual do Dr. Luntz, sugerem que tudo aí, são mentiras. Embora não tenha sido requisitado ou produzido com essa finalidade, poucos estudos mais reveladores foram jamais escritos sobre a Israel contemporânea, em tempos de guerra e paz. *****


[1] Pode ser lido (ing.) em http://www.docstoc.com/docs/8303274/The-Israel-Projects-2009-Global-Language-Dictionary [NTs].

Propaganda para encobrir as atrocidades que Israel comete 

Como Israel ‘noticia’ os próprios crimes de guerra
28/7/2014, Patrick Cockburn, Counterpunch
http://www.counterpunch.org/2014/07/28/how-israel-spins-war-crimes/  

Redação

Redação

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  • Caro Nassif e demais
    Israel

    Caro Nassif e demais

    Israel tem seus Joaquins Barbosas, e o palestinos, são os "mensaleiros" de lá.

    A mídia de lá, não é diferente da midia daqui..

    Saudações

    • Mas a batalha midiática não

      Mas a batalha midiática não se dá em ISrael e sim nos EUA.

       

      São os EUA, e sua imprensa,  que decidem quem pode atacar militarmente ou não, quem tem razão e é justo, que govenos são legítimos e quais devem ser derrubados, etc. Vide Líbia, Síria, Iraque, Afeganistão, Ucrânia, Honduras, Paraguai, etc, etc, etc....

  • Recomendo o compartilhamento.

    Infelizmente, ainda há ingênuos que acreditam que a mídia é neutra.

    Para estes, é muito recomendado o compartilhamento do artigo acima.

  • Quando pessoas começam a

    acreditar nas próprias mentiras que falam, elas acabam sendo ultrapassadas pelas verdades que escondem .

    O grupo de pessoas que poderiam ter dito isso, são todos os tiranos que foram apeados de seu poder.

  • Goebbels...

    ... fazendo escola de pós graduação, mestrado e doutorado em canalhice, mal caratismo, vilania, hipocrisia... e tudo de ruim que se pode imaginar.

    Não me admira a situação que os eua (minusculo mesmo) se encontram em termos de decadencia moral.

  • gostaria que os colegas

    gostaria que os colegas anti-semitas disfarçados de defensores dos palestinos me dissessem quantos israelenses deveriam morrer antes de que o estado de Israel atacasse o agressor?

    como fazer para deter os ataques do Hamas, se eles não usam uniformes, não tem bases determinadas e se utilizam de suicidas que se disfarçam de membros da cruz vermelha, usam uniformes israelenses e o mais tradcional disfarce de mulher!

    como o estado de israel deveria agir contra um grupo terrorista que insiste em disparar diariamente foguetes contra Israel com o intuito de provocar paralisações que comprometem a economia do pais!

    como Israel deve negociar com um grupo que insiste em manter a decisão de destruir o estado de Israel em seu projeto de futuro!

     

     

     

    • "gostaria que os colegas

      "gostaria que os colegas anti-semitas disfarçados de defensores dos palestinos":

      Eu.  Me chamou por nome!

      "gostaria que os colegas anti-semitas disfarçados de defensores dos palestinos me dissessem quantos israelenses deveriam morrer antes de que o estado de Israel atacasse o agressor?":

      TODOS.  Israel nao eh pais, nunca foi, e nunca vai ser.  Entendeu agora?  Eles estao FADADOS aa morte.

      Que essa gentalha pare de falar em nome do judaismo de uma vez por todas.

    • ...

      como Israel deve negociar com um grupo que insiste em manter a decisão de destruir o estado de Israel em seu projeto de futuro!

      Está certo, a negociação seria inútil. Só restaria a neutralização militar do grupo opositor onde a morte de civis é um preço a se pagar.

      Porém, posso fazer a mesma pergunta pelo outro lado. Isto é, como o povo palestino deve negociar com um grupo cujo objetivo, usando seus próprios termos, é destruir o Estado Palestino em seu projeto de futuro.

      Logo a solução “neutralização militar do grupo opositor onde a morte de civis é um preço a se pagar” poderia ser admitida para os palestinos. Ou seja, pensar dessa forma não vai legitimar a violência de qualquer lado. Legitima apenas a lógica da guerra.

    • Questões pertinentes

      Mario Blaya, parabéns. Quatro questões pertinentes e que os defensores do Hamas por aqui (são  muitos) não conseguirão responder. Aos dirigentes do Hamas interessa financeiramente manter esse estado de guerra, mesmo a custa de centenas de civis. Eles sempre têm fotografos a postos para a campanha midiática contra Israel. Querem o que em uma gerra que Israel não começou? Esperar centenas de vitimas israelenses para não haver a desproporcionalidade mencionada pelo nosso desasstrado ministrop das Relações Exteriores? O que causa espanto é que não vejo essa indignação com as mortes na Síria, as vitimas da ditadura cubana. Por que?

    • A única possibidade de Israel

      A única possibidade de Israel ficar livre de ataques de foguetes ou de qualquer outra forma de seus vizinhos eh  um justo tratado de paz entre as partes em conflito. Ações militares por mais agressivas que sejam só serão respondidas com outras agressões . Este eh um jogo de perde perde. Um bom exemplo de boa convivência entre árabes e judeus pode ser buscada aqui mesmo no Brasil, que cultiva excelente relações com seus 12 vizinhos sem nenhuma disputa territorial desde a guerra do Paraguai a mais de um século.

  • Batalha da "Informação" e Midia

     Desde 1948, Israel percebeu que muitas guerras são ganhas na midia, e um dos primeiros departamentos criados pelas FDI, ligado ao Diretório de Inteligência, e hj. de Estratégia, é a Unidade de Porta-Vozes da Diretoria Estratégica do Estado - Maior das FDI, ou na sigla, em hebráico fonético "DOTZ" ( Dover T'sahal).

      Comunica-se com o Mundo, através da imprensa internacional, em varias linguas, inclusive com um Escritório para a América Latina ( 5 "porta-vozes" latino americanos, nenhum, ainda brasileiro - todos hispanicos).

      Quem "vende" as guerras de Israel, tanto para o publico interno, como externo, é este departamento militar, atualmente com Twitter, Facebook, Youtube e um website.

       Quem quiser ver como funciona, até deixar criticas, pode ser em português, espanhol, inglês, dois canais:

        http://www.idfblog.com/    ou em videos: http://www.youtube.com/user/idfnadesk

  • Fico contente

    Quando não respondemos a provocadores e imbecis assemelhados, estamos todos fazendo uma coisa boa. Dar voz aos idiotas é correto em espaços democráticos, pois falar é direito do outro como é da gente. Mas daí a reverberar, há uma distância imensa. Isso por que por um lado há o entupimento do debate honesto e por outro há sempre pessoas ainda mais imbecis, loucas por encontrar respaldo em suas ideias, por mais miseráveis e asininas que elas sejam.

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