O mau humor da sociedade com a ideia de participação democrática, por Oscar Vilhena

Da Folha de S. Paulo

Participação não é o problema

Oscar Vilhena Vieira

A participação democrática não se beneficia do apreço que a maioria nutre pela democracia

Poucos são aqueles que se colocam contrários à democracia nos dias de hoje. Paradoxalmente, a ideia de participação democrática não se beneficia do mesmo apreço que a maioria nutre pela democracia. O enorme ruído provocado pela edição de um decreto presidencial que regula a Política Nacional de Participação Social, no âmbito do Executivo Federal, é sinal claro que democracia e participação não gozam, entre nós, do mesmo prestígio.

Mas afinal, por que há tanto mau humor com a ideia de participação?

A meu ver, três são as razões predominantes. A primeira delas, de natureza teórica, decorre da desconfiança de que as pessoas sejam suficientemente racionais para fazer escolhas políticas pertinentes aos fins que almejam. Um segundo mal estar com a ideia de participação, de natureza histórica, provém do fato de que diversos regimes autoritários ou totalitários, de direita e de esquerda, fizeram intenso uso da participação para atingirem seus perversos objetivos. Por fim, há uma preocupação mais política e contextual com a forma pela qual o Estado brasileiro vem sendo aparelhado pelos poderosos de plantão.

Nenhuma dessas preocupações deve ser banalizada. Há, no entanto, sinceras dúvidas de que sejamos tão incapazes, como propunha a teoria elitista da democracia, de uma ação política mais complexa.

Mais do que isso, temos a certeza de que nossos representantes, se não forem devidamente acompanhados, tenderão a maximizar seus interesses em detrimento da população. Por outro lado, o fato de haver participação autoritária não significa que toda a forma de engajamento civil seja necessariamente nefasta. Por fim, o aparelhamento do Estado, que é um problema cada vez mais preocupante, não parece decorrer de uma maior participação democrática, mas sim de uma cultura patrimonialista radicalizada pelo PT.

A demanda por mais participação democrática fez-se sentir a partir de 1968, quando os jovens em muitos lugares passaram a questionar o monopólio sobre a política exercido por plutocracias partidárias e burocráticas. No Brasil, o discurso da participação, embora retardado pelo regime militar, foi retomado de maneira bastante intensa durante o processo de redemocratização, culminando com o reconhecimento pela Constituição do direito das pessoas a tomar parte diretamente no processo político, ao estabelecer que o “poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (artigo 1º.).

Dessa forma, não há nada substantivamente inconstitucional no referido decreto presidencial. Mais do que isso, ele não trás qualquer inovação do ponto de vista jurídico-institucional, mas apenas um mínimo de organização. Hoje são múltiplos os mecanismos de participação em pleno funcionamento na democracia brasileira. Apenas no âmbito municipal são cerca de 40 mil conselhos envolvidos com a gestão de políticas públicas, conforme aponta Danitza Buvinich. Por outro lado, agências reguladoras, Congresso e o próprio Judiciário utilizam cada vez mais mecanismos de participação, como audiências públicas e consultas populares, sem que nossa valorosa ordem democrática tenha sido colocada em risco.

O maior risco decorrente deste decreto não é a “bolivarização” de nosso Estado, mas, em sentido contrário, a eventual cooptação de nossa sociedade civil. Isso, porém, é assunto para outra coluna.

Redação

Redação

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  • É muito fácil resolver este

    É muito fácil resolver este dilema.

    Basta que os participantes se vistam de paletó e tailleur.

    Ninguém reclamará.

  • O mau humor da sociedade

    O mau humor da sociedade brasileira contra o decreto autoritário de Dilma Roussef  é porque a sociadade brasileira é democrata, não flerta (graças a Deus) com o autoritarismo. 

    Sobre o PMDB: o partido mais infame e fisiológico que habitou essas terras, mas pelo menos, há de se respitar, são DEMOCRATAS, eles dominam o Congresso e jamais vao deizar passar esse Decreto autoritário de Dilma e jamais deixarão passar a controle da imprensa. O Brasil não é Argentina, nem Venezuela para passar a tão sonhada pelos bollivars do Basil, a Ley de Medios....Desistam, perderam mais essa.

    Quem acredita que vai passar pelo Congresso esse decreto estúpido e autoritário da Presidenta, vai mofar com a pomba na balaia....

  • nheco nheco

    Esse Artigo não passa de Nheco nheco tucano!....

    É simples: Os que se insurgem contra a iniciativa do governo petista, estão a quilometros distantes dos debates e das construções ocorridas entre a sociedade civil organizada  e o governo  Federal nos últimos doze anos.

    Será que eles sabem o que é um Congresso das Cidades?...Será que eles sabem como se deu a construção da política e do Plano Nacional de Habitação?...etc, etc....

  • Isso é visão retorcida. Como

    Isso é visão retorcida. Como ficam assentados no mantra do "paguei os imposto, agoraça se vira", qualquer movimentação para se interar na política é vista como algo "esquerdante". De fato, a maioria dos movimentos sociais tem vies de esquerda, mas eles não são culpados se os que enchem a boca pra dizer "meu dinheiro dos impostos" acham que já fazem demais. São?

    Sentar o rabo na cadeira e dizer que todo mundo que luta pelos seus direitos é coisa da "esquerdolândia" ajuda a explicr a ojeriza a particiapção social, principalmente pelos mais abastados.

  • O alarido em torno do decreto

    O alarido em torno do decreto é um só. A presidenta imagina está atendendo aos desejos das ruas de mais participação nas decisões do governo. Ocorre que as ruas nas jornadas de Junho foram ocupadas por um movimento difuso que não tinha rosto. O rosto dado ao decreto será o dos movimento sociais, organizações sindicais, ONGS, associações estudantis, categorias de trabalhadores, esses que não estavam nas ruas e eram repudiados pelos manifestantes que no frigir dos ovos estão ganhando mais poderes, recebendo os louros da vitória. Isso a mídia não aceita e nem poderia já que dizia que as manifestações eram apartidárias e feitas pela juventude brasileira. Não a juventudade tradicional ligada a essas organizações mas a juventude sem vínculos partidários, insatisfeita com tudo que está aí. Esse tudo que está aí é o melhor que já tivemos. Somente por isso, toda a gritaria.

  • A turma do contra deve ser a

    A turma do contra deve ser a  mesma que representa o bando de vira-latas que, em rede mundial, mandou a mandatária de um país tomar no...

  • Tenha paciência.. Quem está

    Tenha paciência.. Quem está contra o decreto é o congresso. Sentem-se usurpados não pela representação popular, mas pelo executivo. E só.

  • Para ilustrar a fragilidade

    Para ilustrar a fragilidade da gritaria com a regulação dos conselhos populares , basta observar que nenhum dos grupos "modernizantes ou adeptos da gestão " , questionou um possível aumento da burocracia na máquina do estado. É só ,  blá , blá , blá , ideológico ...

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