Política, juventude e loucura, por Danilo Strano

Política, juventude e loucura, por Danilo Strano

A importância do “louco” Mujica para os avanços progressistas

Historicamente a sociedade tende a ser conservadora, no momento em que vivemos em um sistema onde a preservação de bens é objetivo central, qualquer alteração nos acordos sociais, logo é rechaçada.

O jovem, por não ter esta relação ainda tão incrustada em sua vida e pela necessidade de descobrir os limites do mundo, se permite momentos de loucuras.

Para colaborar na compreensão do que são atos de loucura, a definição de António Lobo Antunes, psiquiatra português, ajuda bastante: “A loucura é qualquer coisa que existe em todos nós, é mais um receio que uma realidade. No fundo, o que é enlouquecer? É sair de uma determinada norma, não é? É preciso muita coragem para se ser realmente louco”. (O Jornal, 1992).

Essa definição colabora na compreensão do aspecto negativo que atos de loucura ganham na sociedade. Quem tem o poder, quer manter a ordem, quem questiona essa ordem é louco.

Trazendo esse recorte para a arena política e sabendo que os donos do poder tendem procurar meios para conversar sua posição, seria improvável surgir alguém com coragem para alterar as normas estabelecidas.

Nesse contexto, aparece a figura do ex-presidente José Mujica, símbolo de políticas progressistas, que conquistou grande prestigio mundial entre os jovens.

Para entender como o uruguaio se diferenciou e chegou a esse protagonismo, observemos o que o próprio disse sobre o que afasta sua forma de governar para os outros políticos tradicionais: “Ser jovem é ser um pouco louco, outros políticos nunca vão cometer uma loucura como eu” (Danza y Tulbovitz, 2015, pg 154).

Na recente passagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em um momento que a juventude tem se afastado da política e se mostrado cada vez mais insatisfeita com seus representantes, mais de 5 mil jovens se reuniram para ouvir o que o ex-presidente tinha para falar sobre maioridade penal, legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, legalização das drogas e outros assuntos que afetam diretamente os acordos sociais.

Muitos justificam o alto índice de popularidade de Mujica entre os jovens de todo mundo pela honestidade e simplicidade. Porém, essas bandeiras não são exclusivas do ex-presidente, existem pelo mundo diversos políticos que tem ficha limpa e optam por uma vida simples, mas sem toda essa popularidade. Além disso, Mujica tem seus problemas com a justiça, como as acusações sobre a gestão no seu governo da companhia petrolífera estatal, Ancap.

Ao observarmos de perto, percebemos que o que atrai os jovens são os momentos de loucura do uruguaio. Quando ele aprovas leis, como a legalização da maconha, um momento de loucura se revela. A ação vai contra o conservadorismo comum, contra o acordo social pré estabelecido, de que as drogas não podem pertencer legalmente ao cotidiano da sociedade. Pautas como essa, que transformem as relações, que a a juventude está pedindo

Outro fator que aproxima os jovens é a forma do discurso. Palavrões e autenticidade são encontrados em quase todos discursos de Mujica. Como exemplo disso, temos xingamentos proferidos contra a Fifa, durante a copa de 2014, que viralizaram nas redes sociais. Esses momentos também são de certa loucura, pois ultrapassam o simbolismo do cargo e fogem do cronograma normal.

Em momentos de crise política, como a que vivemos, de um sistema de representação esgotado, um pouco de loucura é imprescindível. A juventude continuará nas ruas, até novos “loucos” aparecerem.

Danilo Strano – 28 anos, cientista político, especializado em comunicação e redes sociais

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Mujica em 5 anos como

    Mujica em 5 anos como presidente aproveitou o bom momento econômico mundial que favorecia o uruguai e teve a coragem de lutar por três bandeiras espinhosas = legalização do aborto,casamento gay e o mais polêmico legalização da maconha. E fez isso não por usando de ideias abstratas, ideologias, mas de um bom senso maravilhoso. Isso fez o pequenino uruguai ser destaque na imprensa mundial. Aqui, o pt contou com pelos menos 4 anos de popularidade nas alturas e nem ousou tocar nesses 3 temas. A questão do casamento gay foi resolvido, em parte, pelo STF. Tudo em nome da governabilidade. E em nome dela o conservadorismo não foi incomodado no auge do pt e agora vai vir com tudo pra tirar as poucos conquistas nessas áreas. Já começou não tendo UMA mulher como ministro em 22 postos possíveis. E o que aconteceu hoje no Brasil, se enterra a chance de haver um Mujica no Brasil. Mesmo que ele seja eleito, será derrubado pelo nosso parlamentarismo de araque. 

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