Bancos públicos no Brasil: iniciativas recentes de fragilização e reafirmação da sua importância, por Pedro Tupinambá

 

Bancos públicos no Brasil: iniciativas recentes de fragilização e reafirmação da sua importância

por Pedro Tupinambá

O Brasil enfrenta a mais grave crise econômica da sua história. A atividade econômica, expressa pelo Produto Interno Bruto (PIB), recuou em 2015 (-3,8%), e mesmo após o processo político de afastamento da ex-presidenta Dilma Roussef em 31 de agosto de 2016, a atividade econômica não deu sinais de recuperação; pelo contrário, o PIB recuou em 2016 (-3,6%) e até o 3º trimestre de 2017 apresentou variação de -0,2% no acumulado em quatro trimestres. Mais recentemente, a taxa de desemprego, medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PNAD-C), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atingiu 12,4% no 3º trimestre de 2017, o que representou um contingente de 12,961 milhões de desempregados (alta de 7,8% ou 939 mil desempregados em 12 meses). É nesse cenário econômico que ganhou força a retomada no Brasil da agenda liberal conservadora como receituário para a crise, quando o então vice-presidente do governo Dilma, Michel Temer, assumiu o poder pela via não democrática e definiu a escolha da nova equipe econômica.

A agenda de reformas macroeconômicas, já prevista em outubro de 2015 no documento “Uma Ponte para o Futuro”, da Fundação Ulysses Guimarães, propôs medidas claras para redefinir o papel do Estado. O primeiro passo foi aprovar via parlamento o novo regime fiscal (através da Emenda Constitucional nº 95/2016), que congelou em termos reais os gastos orçamentários e engessou a implementação de políticas públicas para os próximos 20 anos (até 2036).

E mais recentemente entraram em vigor as leis que tratam da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e da Terceirização irrestrita (Lei nº 13.429/2017), amparadas no discurso empresarial da necessidade de “modernização” das relações trabalhistas, mas que na prática retiram direitos e flexibilizam as formas de contratação e de condições de trabalho no Brasil.

Ainda em tramitação está a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287-A que trata da Reforma da Previdência e da Assistência Social. A Reforma altera regras das aposentadorias, pensões e benefícios apenas com o objetivo de reduzir gastos públicos; nas aposentadorias, torna obrigatória a idade mínima, eleva o tempo de contribuição e rebaixa o valor dos benefícios.

No tocante às empresas públicas foi aprovada a Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico de toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista dos entes da federação que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União. Também chamada de lei da governança das estatais previa, por exemplo, a possibilidade de abertura de capital das empresas públicas e a participação de representantes do setor privado nos conselhos de administração, o que significava um mecanismo para alinhar a atuação estratégica das empresas estatais com os parâmetros de mercado.

A aprovação do projeto de lei que autoriza a renegociação das dívidas dos estados com a União foi outra medida de fragilização da atuação do Estado, já que previa como contrapartida a privatização das empresas estaduais de saneamento, energia e bancos – além de medidas para elevar a contribuição previdenciária dos servidores públicos, suspender os reajustes salariais e suspender a realização de concursos públicos.

O Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), por exemplo, é o maior banco em ativos entre os bancos públicos estaduais em operação no país e que está em avançado processo de privatização pelo governo estadual, mesmo diante das críticas e resistências do movimento sindical para impedir a venda do banco que gera recursos para a sociedade na forma de dividendos e que está presente na quase totalidade (98,5%) dos municípios do Estado. O maior acionista do Banrisul é o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que detém diretamente 99,6% do capital votante (ordinário) e 57,0% do capital total. A privatização do banco foi a alternativa apresentada pelo governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, como contrapartida para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, que repactua as dívidas do Estado com a União.

O que antes se tratava de uma hipótese, agora se tornou em ameaça concreta a privatização do Banrisul quando o então presidente em exercício, Michel Temer, assinou o Decreto de 29 de novembro de 2017, que reconhece como de interesse do Governo brasileiro a participação estrangeira de até quarenta e nove por cento (49%) no capital ordinário (com direito a voto) do Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. e de sua controlada Banrisul S.A. Corretora de Valores Mobiliários e Câmbio.  Aventa-se que a preferência pelo capital estrangeiro por parte da União e com o aval do governo estadual é para atender diretamente aos interesses do banco espanhol Santander, afastando a possibilidade de federalização do banco com a possibilidade de compra das ações pelo Banco do Brasil, mesmo com essa alternativa sendo também duramente criticada pelo movimento sindical.

Na redefinição do papel dos bancos públicos, outro caso emblemático foi o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), quando foi instituída por meio da Medida Provisória nº 777 de 2017 a nova taxa de juros de longo prazo (TLP), que entrará em vigor a partir de janeiro de 2018. O encargo substituirá a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que atualmente corrige os empréstimos realizados pelo BNDES. Ao surgir como uma crítica à política de crédito, a TLP converterá a taxa de juros subsidiada para financiar o investimento em longo prazo em taxa de juros de mercado, o que tende a encarecer o custo do financiamento para as empresas no futuro e ao mesmo tempo afastar a atuação do poder público no mercado de crédito.

Em que pese o cenário de ameaças, o papel dos bancos públicos precisa ser entendido tanto como instrumento de política econômica quanto como indutor do desenvolvimento socioeconômico.

Como instrumento de política econômica os bancos públicos atuam para estimular a concorrência e a regulação do mercado de crédito. Pela missão pública os bancos públicos foram capazes de induzir a atividade econômica (ação anti-cíclica), a exemplo do que ocorrera no cenário pós crise financeira internacional de 2008 quando o crédito público foi expandido frente à retração do crédito privado nacional e estrangeiro. Por outro lado, o funding dos bancos públicos é formado pelo acesso exclusivo aos fundos públicos (a exemplo dos fundos constitucionais, do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS), que são historicamente cobiçados pelos bancos privados.

Enquanto acionista dos bancos públicos, o Estado se apropria de dividendos e Juros sobre Capital Próprio (JCP), ao mesmo tempo em que esses recursos são contabilizados como receitas financeiras nos orçamentos públicos, ou seja, recursos que voltam para a sociedade.

No seu papel de indução do desenvolvimento socioeconômico há que se destacar que os bancos públicos têm funções que vão além da busca do lucro e não são orientados apenas pelas decisões de mercado, já que estrategicamente implementam políticas de acesso e de inclusão bancária em regiões desassistidas, sobretudo ao predominarem em todas as grandes regiões do país. Por conta do crescimento do crédito direcionado a partir de 2004 se observou uma ligeira desconcentração regional do crédito, que migrou das regiões mais ricas (Sudeste e Sul) para as regiões historicamente mais pobres (Nordeste, Centro-Oeste e Norte do país). Além disso, há atividades e setores econômicos específicos em que os bancos privados não têm interesse em participar diante das expectativas, rentabilidade e risco do capital. Daí a necessidade de fortalecimento e afirmação do papel social dos bancos públicos.

Por último, há que se destacar também que diante da ofensiva liberal conservadora no Brasil surgiram importantes iniciativas em defesa do papel do Estado e dos bancos públicos, principalmente com a participação movimento sindical bancário brasileiro. Como exemplos podemos citar a criação do “Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas”, que tem como lema – “Garantir bens, serviços e empresas públicas é garantir o desenvolvimento do Brasil”. O Comitê foi criado para atuar na análise e debate das iniciativas de Projetos de Lei que representem ameaças ou elementos de fragilização para o futuro das empresas públicas – como a Petrobras, o BNDES, a Eletrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os Correios e demais empresas do setor público. Em relação aos bancos públicos foi criada a campanha nacional – “Se é banco público, é para todos”. Já no Congresso Nacional foi criada a “Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Bancos Públicos” a partir da iniciativa de entidades como o Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – Central Única dos Trabalhadores (Contraf-CUT), da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), das associações de empregados do Banco do Nordeste (BNB), do Banco da Amazônia e BNDES, do Sindicato dos Bancários de Brasília, além de outras entidades vinculadas à categoria bancária. A Frente tem como objetivo informar e sensibilizar os parlamentares brasileiros sobre o papel dos bancos públicos, suas especificidades (induzir a atividade econômica e promover o desenvolvimento regional) e a necessidade de barrar projetos de lei que fragilizem a atuação dos bancos públicos federais e regionais.

* Pedro Tupinambá é economista e especialista em direito administrativo e gestão pública.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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