O Brasil e a professora que, com câncer e aposentadoria atrasada, ateou fogo ao próprio corpo, por Kiko Nogueira

Ligia Maria Panisset

do Diário do Centro do Mundo

O Brasil e a professora que, com câncer e aposentadoria atrasada, ateou fogo ao próprio corpo

por Kiko Nogueira

A não ser por uns poucos familiares e amigos, a morte da professora Ligia Maria Panisset não foi muito chorada — mas sua tragédia silenciosa é símbolo do desespero que tomou conta do Brasil pós golpe.

Em 2 de dezembro, Ligia usou álcool para atear fogo ao próprio corpo em sua casa. Com 33% dele queimado, não resistiu e morreu cinco dias depois.

Morava no bairro da Penha, tradicional reduto da classe médio no Rio de Janeiro. O site SFN Notícias, que cobre essa região, registrou que, no momento em que os bombeiros chegaram ao imóvel, ela estava em um quarto em chamas que ficou completamente destruído. 

Foi socorrida e encaminhada para o Hospital Armando Vidal, sendo transferida em estado grave para o Hospital Ferreira Machado, em Campos.

Ligia lutava contra um um câncer. Sua aposentadoria estava quatro meses atrasada. Não havia recebido os dois últimos décimos terceiros. Não tinha a quem recorrer.

No Facebook, uma amiga fez um lamento. “Oremos para que encontre a paz que não teve aqui devido ao caos que estamos vivendo”, escreveu.

“Essa atitude tem aumentado desde o final de 2015”. Os sindicatos, diz ela, “devem contribuir de forma a amparar e ajudar a tod@s os servidores psicologicamente”.

Quantos amigos seus não falam em se mudar do Brasil? Quantos não desistiram de um futuro que nunca chega?

O reitor Cancellier, da UFSC, desistiu. A professora Ligia desistiu. Não éramos assim. Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Solidariedade

    Querida Ligia,

     

    Não lhe conheci. Lamento que sua passagem tenha sido encerrada dessa forma, no desespero. Lamento o silêncio da sociedade e dos meios de comunicação. Denunciar sua morte é necessário e urgente. Tanto urgente quanto reparar a dignidade dos trabalhadores. Mesmo que seja com gesto simples de solidariedade, como reunir esforços materiais para garantir o mínimo de sobrevivência. 

    Precisamos repensar nossos fazeres, nossos atos e nossa condição. Não haverá 2018 sem a passagem obrigatória por esse repensar. Chegou a hora de romper o silêncio e romper a barreira da complacência. É hora de tirar o sossego da classe política e colocar o fogo não em nossos corpos, mas naqueles que nos causam dor e sofrimento. 

     

    • Palavras lúcidas

      Parabéns Sandro Livramento  pelas lúcidas palavras. 

      É lamentável que diante do caos em que estamos vivendo,ainda existam eleitores de partidos A, B ou C querendo esconder o Sol com a peneira.

      A sociedade precisa abrir os olhos para  o mar de lamas em que encontra-se esse País tão rico. Riquezas para uma minoria( políticos, empresários corruptos,etc) e míséria para os demais. 

      Não há mais tempo‼️ O tempo é aqui e agora‼️Mudar é preciso‼️

      O povo unido ainda não se apercebeu da força que tem. Somos todos responsáveis por essa calamidade em que o Brasil se encontra.

      Lamento por essa criatura que achou a solução para as suas dificuldades em ceifar a própria vida. Que Jesus tenha Misericórdia e perdoe o seu feito e a tenha em Sua infinita Paz.

       

  • Pra falar a verdade nunca

    Pra falar a verdade nunca acreditei nesse tal "futuro do Brasil". Ok. Admito. Tive lampejo de esperança com Lula e o PT, mas os milhões de retardados mentais hipnotizados pela Globo destruíram tudo. 

    E ainda tenho que aguentar um quadrúpede como o Alckimin atacando os governos petistas. Como é possível alguém votar nessa cavalgadura?

    Quanto a vida de professor, melhor nem comentar. É uma das classes mais desunidas que conheço e o desprezo, humilhação e baixos salários são, também, mas não único, resultados dessa desunião.

  • Vida, tabela de preços e valores

    Comentário originalmente redigido para a matéria sobre a compra de votos para a reforma da Previdência.

    Diante da coincidência trágica entre o objeto do comentário e da reportagem, aqui incluo. 

    Finalmente, assisti anteontem ao icônico filme "Eu, Daniel Blake", vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2016. O cineasta Ken Loach, corajoso, politicamente engajado e um excelente contador de histórias, já com 80 anos, concedeu entrevista no início deste ano à GloboNews, e tratou da matéria prima de seus filmes – a sociedade capitalista e seus subprodutos revelada de maneira contundente na vida de pessoas comuns, reféns de burocracia autorreferente e de um sistema que convence as vítimas de sua culpa, uma outra forma de síndrome de Estocolmo – com clareza, firmeza sem panfletismo duvidoso, profundidade e a serenidade dos grandes idealistas que são o sal da Terra.

    Num artigo do Le Monde Diplomatique Brasil (LMDB), o sociólogo e coordenador pedagógico José Ruy Lozano faz uma crítica muito interessante sobre a aparente contradição existente no fato de os discursos e as teorias de conscientização das classes trabalhadoras, geralmente oprimidas, serem utilizados pelos opressores em seu benefício, inacessíveis ao seu público alvo, que recebe em seu lugar o treinamento militaresco, às vezes literalmente,  para a obediência robótica.

    Assim como as idéias de Paulo Freire irrigam práticas de formação em colégios da elite econômica e os oprimidos, objeto de sua pedagogia, são privados de seus conhecimentos e práticas educativas por ele inspiradas, agora oficialmente através do criminoso projeto de mordaça escolar – um dos argumentos do artigo no LMDB –, filmes como os de Ken Loach e de temática similar são restritos a salas de cinema frequentadas pela mesma elite econômica que matricula seus familiares naqueles colégios de pedagogia inspirada na obra freireana, enquanto os potenciais beneficiários do pensamento e da produção de pessoas como Freire e Loach não os conhecem, porque não frequentam escolas, e quando o fazem, a qualidade resultante, deliberadamente provocada, do sucateamento da condições docentes e administrativas é a mesma de linhas de montagens precarizadas; também não frequentam cinema, em regra, por falta de grana, de hábito ou de interesse, e quando o fazem, filmes como o mencionado são considerados "gourmet", acessíveis a poucos pela distribuição territorial ou pela rejeição ao conteúdo, diferente do entretenimento catártico ou alienante a que foram acostumados ou com que melhor se identificam; na TV aberta, são submetidos à péssima programação imbecilizante e desmobilizadora do pensamento, e canais de TV paga como a GloboNews – nome em inglês porque seus espectadores precisam se sentir nas grandes avenidas comerciais de Nova York ou sob o fog turístico de Londres – não estão ao alcance daqueles retratados pelos autores citados. A Globélica exibiu, ou exibirá, o filme dublado em rede nacional de tv aberta, em horário nobre? Se ainda não, por que?

    Irônico se não fosse cínico a Globélica apresentar a seus parceiros de Avenida Paulista e outros bolsões de pensamento reacionário, espectadores do canal fechado GloboNews, muitos dos quais trabalham pela destruição do Estado Democrático de Direito, principalmente os direitos sociais, uma entrevista de boa qualidade, até certo ponto imparcial considerando a voz do dono, com um socialista militante que critica em geral o capitalismo, e particularmente no filme a privatização do sistema de previdência social, e aos atendidos por este sistema no Brasil, correspondentes aos personagens reais da obra de Loach, faça uma campanha agressiva de convencimento da população de que ela é o problema e a reforma, tal como proposta, a solução, sem debate com a sociedade e com setores especializados no assunto, menos ainda informação confiável para subsidiar as discussões.

    É como oferecer água a quem prefere, e pode pagar, champanhe e deixar morrer desidratado quem precisa de água para beber e cultivar.

     

    Abaixo, trailer oficial do filme, vídeo sobre o festival de Cannes 2016, vídeo da entrevista do grande cineasta Ken Loach à Globélica, e trecho do artigo citado do Le Monde Diplomatique Brasil. Deste jornal, indico também as entrevistas com o artista Criolo (livre acesso) e com o professor e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro (para assinantes); links abaixo. Do artigo e entrevistas do LMDB, reproduzo trechos que retratam alguns desses assuntos e onde se entrecruzam.

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=ob_uqy1aouk%5D

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=NXUgOI-7N4M%5D

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=IpfIcROnosE%5D

     

    https://diplomatique.org.br/bolsonaro-para-os-pobres-paulo-freire-para-os-ricos/

    "A elite brasileira, que adora odiar Freire, compra a peso de ouro para seus filhos o ingresso em escolas em muito influenciadas por ele, bem como por outros pensadores considerados progressistas no campo da educação, como Jean Piaget ou Maria Montessori. A ironia continua. Aos filhos dos pobres, resta a disciplina escolar do século XIX. Ainda que justamente pensando neles Paulo Freire tenha elaborado suas teses, a eles são negadas sua influência e seu prestígio.

    Mas a diferença talvez não seja tão despropositada ou surpreendente como se pode pensar à primeira vista. Afinal, nas escolas públicas estudam os pobres, que serão no futuro funcionários dos alunos ricos.

    E o que se espera do trabalhador pobre, a não ser obediência?

    Aos ricos, proporciona-se liberdade. Dos ricos, esperam-se criatividade, “empreendedorismo”, autonomia. Ao pobre, destinamos o adestramento, a normalização foucaultiana de condutas, a padronização de comportamentos.

    Acima de tudo, não se deve incentivar o questionamento, tampouco uma perspectiva crítica dos filhos das classes menos favorecidas. Isso deve ser reservado àqueles capazes de pagar mensalidades astronômicas, que compram um desenvolvimento cognitivo “diferenciado” para seus filhos.

    Assim a educação brasileira cumpre seu papel: o de continuar sendo um dos instrumentos mais terríveis de manutenção da desigualdade social."

     

    https://diplomatique.org.br/criolo-e-as-ilusoes-na-mente-de-um-louco-qualquer/

    "Na conversa que você teve com o Lázaro Ramos, no programa Espelho, do Canal Brasil, você diz que o povo, e isso inclui a classe política, parou de se perceber como povo. O que precisa acontecer para que a luta por moradia, por exemplo, não seja taxada como algo ruim?

    Educação. Escola de qualidade. Ambiente de absorção de cultura, de arte, de educação, para a construção de um ser humano capaz de enxergar o mundo de maneira real. A partir disso sua construção ideológicas será feita  in-natura e não por indução.

    Hoje em dia ela é toda por indução?

    Hoje em dia não, meu filho, antes do seu bisavô nascer já era por indução. Eu sempre pergunto a um amigo meu: “quanto Hollywood teria que pagar por mostrar ao mundo o casal ideal?” Seria uma conta muito grande, não é?"

     

     

    https://diplomatique.org.br/liberdade-de-expressao-e-democracia/

    "Como garantir e ampliar a liberdade de expressão?

    Eu penso que a gente tem de voltar a dialogar no país. Está muito difícil… há uma parte que acha que os da esquerda são um bando de ladrões, não quer papo e quer a destruição da esquerda… [Por outro lado,] uma coisa é quem conspirou para tirar a presidenta; outra é quem apenas foi para a rua, foi enganado pelas propagandas, e eu vejo muita gente ainda dizendo: “Eu não perdoo, não perdoo”. Como vamos conseguir retomar um diálogo no país se não houver uma capacidade de olhar para a frente? Porque, no fundo, o que é importante da liberdade de expressão não é você dizer uma coisa e eu dizer o contrário e nós dois ficarmos repetindo a mesma coisa o tempo todo. O importante da liberdade de expressão é que ela permite às pessoas dialogar e melhorar o raciocínio na sociedade. Liberdade de expressão não é um fim em si, é um gigantesco meio, um meio fantástico para você ter avanços sociais, pelo diálogo. Um grande erro é fechar-se, dizer que não vai haver diálogo. Agora, isso é muito difícil, porque uma parte da discussão acaba sendo uma expressão de extremos, que não é discussão. Portanto, de alguma forma o Brasil vai ter de retomar a conversa. E, quanto mais qualificada a retomada, melhor. Qualificada eu quero dizer com argumentos. Por exemplo, o Nelson Barbosa, que foi ministro do Plane:jamento [2015] e da Fazenda [2015-2016] da Dilma, publicou um artigo na Folha dizendo que reformar a Previdência é necessário.3 Agora, quais são os parâmetros? Não são esses, mas a esquerda tem de dizer qual reforma da Previdência ela quer; e esse não é um discurso que a esquerda esteja tomando agora. A esquerda prefere dizer que é contra qualquer reforma da Previdência. Temos assuntos que vão ter de ser discutidos; é necessário abrir uma negociação no país, uma conversa. Antes até de negociação, tem de haver conversa, mas isso é muito difícil hoje."

    (spoiler, se não assistiu ao filme, não continue) 

    Assim como o personagem do filme, a professora da reportagem acima não suportou - teria como? - o ônus emocional da crueldade que a burocracia impõe a quem ela deveria servir, o cidadão. "O que está acontecendo?, o mundo está ao contrário e ninguém reparou", música Relicário, na voz do autor Nando Reis e da saudosa Cássia Eller, que amanhã completaria, se aqui estivesse, 55 anos.   

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=vc_NrlkW1p0%5D

     

    SP, 09/12/2017 – 19:33 (envio original às 16:48)

     

  • A responsabilidade do PMDB
    A responsabilidade do PMDB estar aí é do PT. Próximo ano, se ganhar pt, psdb, pmdb... Vai continuar a mesma coisa.

    • Não senhor. Não tire o corpo

      Não senhor. Não tire o corpo fora.

      A responsabilidade do que está aí é da classe média imbecil que, a mando da Globo, foi as ruas pedir a saída da Dilma.

      Quanto aos partidos serem iguais, recomendo que estude antes de falar uma asneira dessas.

  • Crime
    Os governos que afundaram o estado e o Brasil, todos são acusados de muitas coisas menos de assassinato, pois eles tem que pagar pelos vários assassinatos que estão cometendo, pessoas morrendo nos hospitais por falta de medicamentos, salários atrasados, onde cidadãos não tem como comprar suas comidas e nem seus remédios.Os culpados tem que pagar pelas várias pessoas que estão morrendo nas filas dos hospitais.

  • crime mesmo...

    e ainda há os que acreditam que continuamos a ter o reconhecimento e o amparo constitucional para todas as nossas necessidades.........................

    juízes, ministros do STF e maioria dos parlamentares sempre seguindo as ordens de um golpista traidor só podia dar nisso mesmo

  • Muita hipocrisia tirar a
    Muita hipocrisia tirar a culpa dos governos petistas em relação ao atual estado do Estado nacional.

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