Por que atos terroristas são sempre condenáveis

Por R D Maestri

Muitas vezes algumas pessoas ao saberem de atos terroristas contra determinados grupos sociais fazem uma relativização do mesmo, como uma espécie de desculpa a ações anteriores destes grupos.

Quando ocorreu o atentado contra o Charles Hebdo há aproximadamente um ano muitos relativizavam o atentado devido o jornal apresentar uma linha “islamofóbica” e racista, pois claramente havia uma certa assimetria entre a condenação das  barbáries do estado de Israel contra os palestinos, e os atos também bárbaros de terroristas que se dizem “muçulmanos”.

O atentado serviu para canalizar atos de simpatia ao jornal satírico francês e encobriu uma discussão que estava em andamento do caráter de direita e do humor nada convencional, para não dizer outros qualificativos, do Charles Hebdo.

Após o fato surgiram duas linhas de debate, os que apoiavam a liberdade de imprensa de forma incondicional e se intitulavam “Eu sou Charlie Hebdo” e os que procuravam achar no passado do jornal motivos que mostravam que este não era suficientemente claro sobre o racismo, e postavam na rede declarações como “Eu não sou Charles Hebdo”.

A discussão entre os dois grupos foi embaralhada pelo covarde ato terrorista contra o jornal, tornava incômoda para quem não se declarava “Charles Hebdo”, pois criava uma verdadeira falsa dicotomia. Quem era “Charles” era a favor da liberdade de imprensa, e quem “Não era Charles” era favorável aos terroristas!

Pois bem esta falsa dicotomia criada por um estúpido atentado, parece que ficou mais clara com uma das mais cruéis charges que o jornal publica a poucos dias, a charge que tem por título, “Migrants – Que serait devenu le petit Aylan s’il avait grandi”.

Para que fique mais claro, coloco a charge e sigo após na discussão:

Esta charge é uma alusão a múltiplos eventos ligados à crise nos países muçulmanos. A primeira parte, que se vê no canto superior esquerdo da imagem, a representação da famosa foto do cadáver do pequeno Aylan Kurdi, uma criança de três anos que morreu afogada nas costas europeias quando sua família procurava fugir da guerra na Síria.

Esta foto criou uma forte reação europeia sobre o drama dos refugiados, fazendo que vários países europeus abrissem suas portas aos refugiados, e em destaque a Alemanha. Como é uma foto extremamente chocante me reservo o direito de não coloca-la aqui.

No fim do ano, uma série de refugiados bêbados, que não deviam ser muçulmanos exatamente por estarem bêbados e muçulmanos não podem consumir bebidas alcoólicas, fizeram uma série de ataques a mulheres na Alemanha com diversas graduações de violência sexual contra elas, desde palavras e pequenos atos agressivos até estupros.

Estes atos de agressão são representados na parte baixa da charge, onde homens com caras de porco, que pode ser tomado como tanto como uma referência a “porco chauvinista”, mas como também como uma agressão a muçulmanos religiosos em que também o consumo da carne de porco é totalmente interdita.

Agora a ligação entre a parte superior e inferior que é o grande problema, a tradução do título da charge é “Migrantes – O que se teria tornado Aylan se ele tivesse crescido?”. Ou seja, num reforço a imagem há um texto, de dubiedade extremamente perversa, que induz ao leitor comum ou mesmo pouco comum como dezenas de jornalistas em todo o mundo, que interpretam sem tentar uma segunda ou terceira leitura escondida nesta charge. Que é tão bem escondida que torna extremamente difícil a sua defesa por simpatizantes ao chargista. A charge para a maioria dos leitores que a apoiam a charge dizem que há uma crítica aos que estigmatizam os refugiados como futuros criminosos.

No texto inferior explica a imagem inferior, dizendo que ele poderia se tornar um “manipulador de bundas na Alemanha” (a tradução de tripoteur é difícil, pois é usada em alguns casos como uma gíria).

Apesar da defesa bem difícil do humor deste chargista, pode-se raciocinando um pouco ver que a charge é realmente racista. Por que se pode afirmar isto? Principalmente pela estrutura desta. Se um chargista quer trabalhar principalmente para pessoas inteligentes que fazem uma segunda ou terceira leitura, os bons profissionais evitam textos abundantes, pois esta explicação, que é só serve para os leitores mais primitivos e toscos que farão uma leitura literal da imagem conduzidos pelo texto.

Outro detalhe neste texto, no lugar de usar a palavra refugiado, que representaria com mais clareza o status dos que chegam da guerra da Síria a Europa, enigmaticamente foi escolhida a palavra migrantes, confundindo todos na mesma categoria.

Além de a frase ser implicitamente violenta e racista ela reproduz argumentos de neofascistas que, quando não em público, argumentam sobre os crimes hediondos dos nazistas na segunda grande guerra, que mataram milhões de crianças judias (como matar adultos não fosse crime?), e estes, os verdadeiros porcos, dizem: Mataram crianças, mas no futuro seriam judeus adultos!

Além disto, a violação da imagem do pequeno Aylan já foi usada duas vez antes exatamente pelo mesmo chargista e já criticada na época por muitas pessoas.

 

A insistência que este chargista usa da imagem da pequena criança que na sua morte emocionou o mundo, é uma tentativa de vulgarizar a foto ícone, que parece ter consequências extremamente desagradáveis para o chargista, a simpatia dos povos aos refugiados do mundo.

Seguindo numa outra incoerência do texto, o pobre Aylan, nunca se tornaria um ” tripoteur de fesses en Allemagne”, simplesmente porque os parentes destes estão no Canadá, terra que lhes acolheu gentilmente e de onde vem grandes críticas a todas as charges sobre o assunto.

Agora voltando ao título do texto, por que da total e completa reprovação de atos terroristas como um “ato político”? Simplesmente porque, além do crime propriamente dito, atos terroristas embaralham a mente do homem comum que tem sentimentos humanitários bem mais desenvolvidos do que chargistas intelectuais, e junto com a reprovação do ato terrorista propriamente dito englobam nisto um pacote de antipatias a causas justas e não violentas.

Se não tivesse acontecido o atentado contra o “Charles Hebdo”, além da infelicidade que trouxe aos familiares de todas as vítimas inclusive de um policial francês de origem magrebina, o jornal satírico teria continuado na sua lenta degradação de público que sofria antes do atentado, e com o tempo ficaria bem claro a linha editorial racista e “islamofóbica” que possuía e possui esta publicação de humor duvidoso.

As ações violentas, além de serem violentas, distorcem a verdade e tiram a razão da maioria que luta politicamente contra a injustiça e por uma infelicidade encontram assassinos lutando por razões que parecem semelhantes.

Atos terroristas servem para tornar cinza os limites entre o certo e o errado, relativizando até charges perfeitamente racistas.

Redação

Redação

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  • Charlie quem?

    Doce dúvida: ser solidário a milhoes de pessoas árabes, cujas crenças nunca atravessaram o mediterrâneo ou atlantico para atacar bandidos ou a meia duzia de franceses que nao respeitam nem a si mesmos? 

  • Os EUA invadiram o

    Os EUA invadiram o afeganistão alegando o combate ao terrorismo, garantiu os seus interesses empresáriais e corporativo incluíndo o da indústria da guerra e morte, o terrorismo que os EUA ajudou a fomentar dando suporte aos extremistas religiosos contra a URSS em decadas anteriores. O terror é condenável mas invisível quando acontece do outro lado do mundo, não muda o fato de que os governos como o de Bush foi eleito pela maioria democratíca em seus países prometendo invadir países para proteger os seus do terror, tudo pela "Guerra ao Terror".

    • Não confundir terrorismo com guerra contra outros exércitos.

      Até na maldade há níveis!

      Há um cientista norte-americano, o psiquiatra forense Michael Stone, que estabeleceu segundo seus alguns critérios o chamado índice da maldade.

      Este índice coloca os homicídios numa escala de maldade, começa pelo número 1 onde as pessoas matam em legítma defesa, e não apresentam sinais de psicopatia, eles a denominam pessoas normais, e termina no nível 22 que são psicopatas assassinos-torturadores, onde a tortura é a principal motivação (na maior parte dos casos, o crime tem motivação sexual, mesmo que inconsiente.

      Apesar da escala aprasentar ordens de classificação que não estou de acordo, por exemplo, colocar amantes ciumentos que produzem os crimes passionais num índice baixo, ele tenta de acordo com seus critérios demonstrar que é possível escalonar a maldade dos homens desde a criatura normal que só mata para se defender até o que chamríamos no Rio Grande do Sul o louco de atar que merece ser colocado dentro de uma jaula e perder a chave do cadeado para sempre.

      Da mesma forma poderíamos classificar o combate armado, poderíamos começar pela resistência de povos que nunca tiveram um contencioso contra outros e lutam contra tropas invasoras, neste nível teríamos grande parte das tribos indígenas e para não esquecer fatos rescentes, os defensores da ilha de Granada contra o invasor norte-americano. Apartir deste extremo poderíamos justificar a resistência armada de forma decrescente e atos terroristas estariam quase no limite da total falta de justificativa, a medida que atingem muitas vezes pessoas que não tem a mínima responsabilidade de nada.

      • Os americanos reelegeram o

        Os americanos reelegeram o Bush pela política de guerra contra outros povos. Os maiores financiadores do extremismo jihadista são os sauditas aliados de primeira hora dos americanos, as investigações do 11 de set foram abafadas quando apontava para o envolvimento dos alidos sauditas. A invão do Iraque, ilegal pela ONU, foi baseada nas mentiras das "armas de destruição em massa", tudo para derrubar governos que não são fantoches alinhados aos interesses americanos. Julian assange e Patrick manning foram perseguidos pelo governo americano por vazar crimes de guerra abafados pelos militares, milhares de civis mortos não terroristas, a vida desses vale muito pouco para a máquina de guerra dos psicopatas americanos. A cobertura dessas guerras era feita por cinco ou seis jornalistas que se questionassem a versão militar dos acontecimentos eram trocados devido ao contigenciamento de vagas para "preservar a vida dos repórteres". A frança mandou seus aviões fecharem o espaço aéro libanês para os rebeldes da liberdade- leia-se terroristas aliados ao ocidente, combaterem o exército libano e barbarizarem Kadhafi. O ocidente ainda apoia os rebeldes "moderados" (junto o estado islamico) contra o exército da Síria. Mais milhões de civis mortes nessas guerras, sem falar na destruição da infraestrutura (estradas, hospitais, nunca reconstruídos pelo ocidente mandando populações de volta a idade da pedra lascada) e crise humanitária que agora bate na porta da Europa. E política de mais de 20 anos não integratória de imigrantes na frança, passou leis para banir véus e deixou guetos de imigrantes onde agora os descendentes não tem laços civilizatórios nem bem com os franceses nem de populações de origem, pois são discriminados pela polícia etc, isso agente conhece beeem aqui.

  • Não sou Charlie !

    Continuo abominando o atentado que matou os profissionais do Charlie Hebdo, mas minha solidariedade acaba aí. A charge que diz algo como "melhor morrerem enquanto são pequenos" ou " um a menos" é indesculpável. Além de, evidentemente, não ser engraçada é de uma crueldade sem fim. Nunca aderi ao slogan "Je suis Charlie", mas agora assumo o "Eu não sou Charlie".

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