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Como intervalos na música

Há nada aqui. Nada mais. Apenas considerações sobre a palavra e algumas flores. Pode ser este o fim das crônicas no jornal. 1,2,3.. voltarei amanhã. Há nada aqui. Apenas considerações detalhadas sobre como recolher muitas flores e tê-las em mãos. Poderia nomear cada flor, mas isso cansa tanto. Repito margaridas, apenas. Alguém sabe sobre o cansaço das flores? E o cansaço de se escrever entre flores? Acontece, e isso cansa enormemente toda minha alma.

Há nada aqui. O céu caiu durinho feito cadáver após tantas perguntas. E nunca qualquer resposta considerável. Sim. Tudo aqui pode ser desconsiderado e a vida no mundo prosseguirá. Essas palavras e sua inutilidade plena. O que escrevo é a desconsideração absoluta de todo padrão para se viver sem regras. Não nos engessemos tanto porque todo corpo duro se parece a morte. A paralisia do corpo em vida expõe o não poético. E há nada aqui. Deixem-me em paz. Tudo bem, há apenas alguns elementos como mar, Deus, rios, cores e tintas, bichos, essas coisas que ora estão, ora desaparecem. Assim, como música no rádio.

Vou parar de escrever desse jeito, daqui a pouco. Logo logo irei mudar de tipo de crônica porque tudo é cíclico. Lembram? Aquela agulha que costura passa apenas determinadas vezes pelo mesmo buraco, senão estoura tudo. Logo logo muda-se de buraco. Irei parar de escrever quando não mais tenha livros para ler. Amanhã. Digo amanhã quando não sei o tempo e acredito na beleza do sentir humano. Então tudo poderia ser amanhã, ou quase tudo. Afinal, quem sabe sobre o tempo?

Agora não sei ao menos sair daqui. Desse escrito e de tantas flores reunidas colhidas há mais de sete meses neste jornal. Essas flores que as amontoei com fervor possuído – gritando vida vida! Exclamação. Não sei como sair desse excesso de nada. Há nada aqui. E não bocejo porque quando se tem a falta de tudo, ficam expostas todas as possibilidades. O nada é sempre alguma coisa pedindo complemento, e se nunca satisfeito totalmente impulsiona o andar – de quantos nadas se vive?, como a lua em seus ciclos buscando suprir a falta em si mesma. Então pela necessidade de buscar em cada palavra, fujo do tédio, todos os dias. Aquele tédio profundo como o pior dos buracos. E se a vida é um buraco, ah, isso toca e destoca no rádio também.

Redação

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