quatro

por Zê Carota

dezembro de 2010, Palácio do Planalto.

um dos últimos atos oficiais do então Presidente Lula foi a apresentação de um balanço de seu governo em seu segundo mandato, ao qual compareci como editor do site do Ministério da Cultura.

o clima era de despedida, mas não triste, longe disso: Lula não só elegera a primeira Presidenta da história do país (que a misoginia da oposição, da mídia e, importante registrar, da parte fratricida da própria esquerda reduziu e desqualificou como “poste”), como recém recebera o maior e melhor presente possível para um homem público: reconhecimento popular maciço – e inédito.

dias antes, o insuspeito datafolha divulgara pesquisa em que apurou a avaliação do governo Lula, e o resultado foi impressionante: 83% da população consideravam seu governo “ótimo ou bom”, 13% avaliavam-no “regular”, com os 4% restantes classificando-o “ruim ou péssimo”.

anunciado pelo cerimonial, Lula subiu à tribuna carregando o catatau do balanço numa mão, o canudo de páginas com seu discurso na outra mão, pousou ambos num escaninho da tribuna, e anunciou:

– Não vou falar nada sobre o balanço, não, e sabem por quê? Vou explicar. Minha assessoria me pediu pra não bater na imprensa, porque hoje é dia de festa, mas eu não vou bater, não, só vou colocar de castigo, ou seja: vocês (jornalistas de toda mídia presentes, vários dos quais detratores de sua pessoa e de seus feitos no governo) vão ter que fazer, pela primeira vez, o que nunca fizeram em 8 anos, que é apurar os fatos – e eles estão todos registrados aqui, com lastro de todos os órgãos de controle – para só então me julgarem, julgarem minha equipe e julgarem meu governo. Então, tá tudo aqui (e bateu a mão no balanço), revirem, pesquisem, estudem, trabalhem, embora eu imagine que vão falar é dessa minha decisão. Tudo bem, os números não mentem.

houve um breve e levemente ruidoso desconforto, que Lula logo interrompeu:

– Tanto não mentem que até o Datafolha não teve como esconder o que o povo, que é quem importa mesmo, pra quem governei, acha de mim, do meu governo, apesar de vocês, em 8 anos, todos os dias – me desculpe a minha assessoria, mas eu tenho que dizer –, escrevendo sobre mim só aquilo que pudesse agradar esses 4% aí da pesquisa que me acham ruim ou péssimo. Não posso dizer com certeza quem são esses 4%, mas uma coisa eu posso dizer: eles não odeiam o Lula, eles odeiam o Brasil e o brasileiro.

oito anos depois, a campanha de demonização de Lula a todo custo, com toda sorte de farsas e crimes, finalmente cumpriu seu misto de obediência servil (congratulations!) e fetiche sexual: prendê-lo.

mas tudo tem seu preço, e o dessa caçada desesperada foi o misto de servidão, vaidade, moralismo hipócrita (porque relativizado e partidarizado) e crença cega na impunidade revelar, de forma inequívoca, os rostos, nomes, funções e endereços dos bunkers dos 4% que, como Lula disse naquele discurso, odeiam o Brasil e o brasileiro – e para quem estão de quatro.

Zê Carota

Ganhou espaço nas redes sociais com suas intervenções. Textos curtos. Rápido no gatilho

Zê Carota

Ganhou espaço nas redes sociais com suas intervenções. Textos curtos. Rápido no gatilho

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  • A prova incontestável
     

    Os descontentes com o governo de Lula, cerca de 4%, são, curiosamente, os contentes com o Governo do Temer e que o mantém num firme, contente, estável e inabalável governo.

    "Following the money" concluiremos com pesar que esse coro de contentes é que detém toda a nossa riqueza.

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