Trecho inédito de discurso de Lula dos anos 80, por Gustavo Conde

Trecho inédito de discurso de Lula dos anos 80

por Gustavo Conde

A verve, a sintaxe, a vertigem dos sentidos, a assertividade, a confiança, a transparência, a lealdade, a objetividade, o conceito, a denúncia, a solidariedade, a coragem, o humano, o recurso, o ritmo, o chamamento, a educação, as reiterações, os paralelismos, a gramática, a concatenação precisa das ideias, a prolixidade, a não-afetação, a retórica popular (e não a clássica, obsoleta), a narrativa, a dicção, o timbre, a ternura.

Tudo isso compõe um fragmento inédito (abaixo, em primeiríssima mão) de um discurso de Lula dos anos 80, extraído do arquivo pessoal do meu querido amigo, o cineasta Celso Maldos. Maldos gravou quase todos os discursos de Lula nos anos 80, com sua antiga câmera de vídeo.

Acompanhou-o em caravanas e viagens por todo o país, São Paulo, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas e Pará. São 200 horas de texto, um arquivo absolutamente precioso e patrimônio absoluto da história brasileira.

Maldos me conta que ganhou a câmera do próprio Lula, em 1982, uma Panasonic PK 700 VHS que Lula havia ganho de um grupo de católicos do Canadá (na foto). Maldos era fotógrafo e Lula precisava de alguém para captar imagens e mobilizações. Os dois foram apresentados por Frei Betto, um amigo em comum.

O trecho faz parte do primeiro comício pelas diretas em São Paulo, na Praça Charles Müller, em novembro de 1983. O discurso todo é impressionante. Lula tinha 38 anos (provavelmente, energia de 30 e tesão de 20 também – parece que isso não muda).

Lula evocava, ali, todas as questões importantes do Brasil e da América Latina de improviso, com extrema precisão e memória. Vai enfileirando os dados, as necessidades comuns do povo brasileiro e o esgotamento da ditadura militar.

Seu uso da sintaxe é único. Ele reitera argumentos através de sequências sintaticamente gêmeas e vai sobrepondo uns aos outros de maneira a formar um tecido coeso e indestrutível linguisticamente. Ou: o discurso de Lula também é forte. É trançado, é amarrado, tem muita densidade de sentido.

Essa breve análise é só um aperitivo do que está por vir. Celso Maldos organiza um livro com toda essa massa de discursos inéditos de Lula, livro do qual tenho o privilégio de participar como um dos colaboradores.

Degustem, agora, o trecho.

“É bem verdade que às vezes falar não resolve nada. Mas se falar não resolve, ficar de cabeça baixa em casa resmungando com a mulher resolve menos ainda. Por isso, a gente vai continuar chamando todos vocês, todos em praça pública. Vamos mostrar a essas autoridades, vamos mostrar à opinião pública brasileira que nós, trabalhadores, que os intelectuais, que os pequenos empresários, que os profissionais liberais, e que os estudantes,  e que as donas de casa, e que o movimento sindical, e que milhões de desempregados desse país, e que milhões de bóias-frias, são muito mais fortes do que a força das metralhadoras, do que a força dos canhões. E vamos conquistar as eleições diretas nesse país. Pra acabar com a fome, pra acabar com o desemprego e pra garantir a cada um de nós o direito à sobrevivência, o direito a voltar a sorrir, o direito a voltar a conversar, o direito a encontrar com os companheiros.” *

* Lula, no Primeiro Ato pelas Diretas em São Paulo. Novembro de 1983.

 

Redação

Redação

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  • faltou

    faltou açao e um plano robusto, coeso e logico, o tempo passou e foi feito nem 10%.

    regredimos ao ponto anterior ao zero e estamos em serias dificuldades com inimigos posicionados e ativos.

    a luta de classe se recrudesceu e ainda não temos coragem suficiente para ver sangue.

  • Os anarquistas estão chegandoi

    https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/mar/04/shock-system-liberal-democracy-populismhttps://www.theguardian.com/commentisfree/2018/mar/04/shock-system-liberal-democracy-populism

    Os cidadãos estão menos comprometidos com a democracia do que eram; enquanto mais de dois terços dos americanos mais velhos dizem que é essencial para eles viverem em uma democracia, por exemplo, menos de um terço dos americanos mais jovens. Eles também estão mais abertos a alternativas autoritárias; Duas décadas atrás, por exemplo, 25% dos britânicos disseram que gostaram da idéia de "um governante forte que não precisa se preocupar com o parlamento e as eleições"; hoje, 50% deles. E essas atitudes se refletem cada vez mais em nossa política: desde a Grã-Bretanha até os EUA, e da Alemanha para a Hungria, o respeito pelas regras e normas democráticas diminuiu precipitadamente. Não é mais o único jogo na cidade, a democracia agora está se desconsolidando.

    Essa conclusão, eu sei, é difícil de engolir. Nós gostamos de pensar que o mundo está melhorando ao longo do tempo e da democracia liberal como aprofundando suas raízes com cada ano que passa. É talvez por isso que, de todas as minhas afirmações, o que suscitou o maior ceticismo é a idéia de que os jovens têm sido especialmente críticos com a democracia.

  • Lula é um gênio da Política e da Comunicação

    O autor deste post é músico, além de lingüista e professor. Além da admiração incontida que sente pelo Ex-Presidente Operário, Gustavo Conde faz análise do discurso e mostra o completo domíno da técnica de falar às massas, assim como a qualquer outro público - de letrados, estudiosos, acadêmicos, etc. - que Lula domina com uma genialidade que incomoda, e muito, os adversários e inimigos políticos. É por isso que esses adversários e inimigos de Lula e do Brasil cooptaram o aparato do Estado brasileiro - sobretudo os sistemas midiático e judiciário - para matar, aniquilar ou no mínimo inviabilizar polìticamente o Ex-Presidente Operário, impedindo-o de disputar - e vencer com folgada maioria, talvez em 1º turno - a próxima eleição presidencial.

    Em outros artigos e falas Gustavo Conde mostra que um líder como Lula é tão importante e raro como Isaac Newton foi para a Física e Matemática. Gênios desse quilate surgem a cada mil anos, se tanto. Lula tem consciência disso, como mostra sua postura de Estadista, de Homem além do seu tempo, que sabe as razões por que é perseguido, caçado, aviltado e vilipendiado pelo aparato judicário, midiático, pelas oligarquias escravocratas, plutocratas, cleptocratas, privatistas e entreguistas. Lula sabe que o que esse aparato pretende aniquilar não é apenas o Homem Lula ou os parentes próximos dele, mas sim o que o Ser Histórico, o Líder Operário que chegou à Presidência da República de um país escravista e desigual, como o Brasil, representa como exemplo para as classes trablhadoras, exploradas e excluídas, sobretudo em países da América Latina e da África.

    Quero comentar, também, sobre o Pocket da Resistência, levado ao ar na TV247, na última sexta-feira, em que Gustavo Conde e Leonardo Atuch falaram sobre conjutura e momento de crise política e institucional vivido pelo Brasil, de uma forma leve, poética  e musical, ao usar como mote e fio condutor a música e poesia dos geniais irmãos Borges, com destaque para Lô, que entre os 15 e os 19 anos foi capaz de compor músicas como "Paisagem da Janela", "Um girassol da Côr de seu Cabelo", "Nuvem Cigana", "Trem de doido', "Alunar", "Para Lenon e McCartney", "Clube da Esquina 1 e 2", dentre outras. Ronaldo Bastos e Fernando Brant, com seus versos e poesias magistrais, também deram às  melodias e harmonias criadas por Lô Borges (que aprendeu partes delas com o 'mago' Toninho Horta) a humanidade e leveza que se casam perfeitamente com os 'quase mantras' solares da lavra desse família completamente musical: "Os Borges".  A propósito sugiro não só a Gustavo Conde, mas ao também músico (bandolinista talentoso) Luís Nassif, que façam, de vez em quando, programas  como esse que o Leonardo Atuch e Conde produziram no 247.

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