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Antonio Torres, o escritor e seu ofício

Coluna Econômica

O grande escritor é ele e seu ofício solitário, ele com ele. Não ambiciona riqueza ou poder. Sua ambição é o reconhecimento dos leitores e dos iguais, os demais escritores. Muitos escrevem pensando apenas no reconhecimento posterior; outros ambicionam o reconhecimento imediato. Mas seu mote, sua seiva vital é o reconhecimento de seus pares.

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Um grande escritor não nasce, é construído ao longo de décadas e de livros, de personagens que cria, de tramas que tece, de sentimentos que explora, na solidão intermitente de seu quarto, raras vezes nos salões dos poderosos. Explora novas formas de conhecimento, a atualização permanente da leitura e da análise de pessoas e circunstâncias.

Não busca a popularidade fácil dos jornalistas, a exploração do factual, do imediato, o atendimento da catarse dos leitores. O grande escritor ambiciona a eternidade. Para os de família quatrocentona, a eternidade pode ser um mausoléu no Cemitério da Consolação; para os muitos ricos letrados, uma fundação que leve seu nome; para o provincianismo brasileiro, um nome de rua.

Para o grande escritor, deveria ser a Academia Brasileira de Letras (ABL). Mas não é.

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A ABL, a casa de Machado de Assis, que deveria ser a guardiã implacável dos valores da literatura, a defensora intransigente da meritocracia, a defensora dos escritores, o selo de qualidade, o passaporte final para a posteridade, é uma casa menor, em alguns momentos parecendo mais uma cloaca de fazenda do que um lugar de luzes e de letras.

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Ao preterir o escritor Antônio Torres em favor do jornalista Merval Pereira, a ABL demonstrou a pequenez não propriamente dela, mas de uma certa elite superficial brasileira, provinciana, atrasada.

De pouco adiantou o fato de que os livros de Torres ajudaram o Brasil a ser mais conhecido por leitores da Itália, Argentina, México, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Portugal, Bélgica, Holanda, Israel, Bulgária. Ou o fato de dois livros seus – Um táxi para Viena D’Áustria e Essa Terra – traduzidos na França, terem levado o governo francês, em 1999, a lhe conferir o título de “Cavaleiro das Artes e das Letras”.

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Merval tem a visibilidade e o poder proporcionados pela Rede Globo. Tem moeda de troca – o espaço na Globo, podendo abastecer o ego de seus pares e as demandas da ABL. Poderia até ganhar prêmios jornalísticos, jamais a maior condecoração da literatura brasileira.

Tem apenas dois livros, um de 1979, feito a quatro mãos, outro mais recente, mera compilação de artigos que escreve para o jornal “O Globo”.

Mas representa poder – no caso, a mídia -, assim como, em outros tempos, o poder era o general Lyra Tavares, Getúlio Vargas, Roberto Marinho, aos quais também se curvou a ABL.

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De Merval, duas declarações de endosso. Da indescritível Nelida Piñon, enaltecendo seu… cavalheirismo. E a informação de que, dos acadêmicos, conhece apenas João Ubaldo Ribeiro – colunista de “O Globo”.

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Nos grandes jornais, nenhuma crítica. Inúmeros colunistas tiveram cócegas nos dedos, para denunciar o ridículo. Mas o corporativismo falou mais alto.

Luis Nassif

Luis Nassif

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