Carnaval de rua deve se manter ligado à tradição, por Augusto Diniz

Carnaval de rua deve se manter ligado à tradição

por Augusto Diniz

Conta-se que o melhor do Carnaval é quando inúmeros blocos e um sem número de foliões tomam as ruas de uma cidade. De fato trata-se um ponto muito relevante.

Por outro lado, torna-se necessário pensar a proposta da folia o mais rápido possível, simplesmente por que a reboque da expansão da festa de Momo um caminhão de polêmicas surge.

Aos ouvidos do folião comum tais discussões podem parecer desimportantes, mas mal resolvidas com o tempo costumam deixar marcas à cidade.

Na capital baiana se debate faz tempo os dois circuitos fechados – Barra Ondina e Campo Grande – de desfile de blocos. O maior questionamento recai sobre uma possível privatização do espaço público, já que camarotes acessíveis apenas a abastados se espraiam nos dois roteiros, e para seguir trios elétricos é precisar comprar um caro abadá.

No Pelourinho, no circuito chamado Batatinha, e alguns grupos – nesse caso o pioneiro é o trio elétrico de Dodô e Osmar, justamente quem deu vida ao carnaval baiano – tentam dar ao megaevento um traço popular e mais tradicional, sem custo na participação do público, ignorando cordas de divisão de espaço.

Recentemente, um número maior de trios aderiu a não cobrança de abadás quando antes eles mesmos eram os grandes beneficiários da venda de camisetas. O tema continua em evidência.

No Rio, a partir do crescimento do Carnaval de rua no início dos anos 2000, o embate foi entre a tradição e a incorporação de diferentes estilos musicas na festa. Blocos mais antigos e ligados aos festejos do Momo dos velhos tempos trataram de se reunir em torno de uma associação.

Já os chamados blocos temáticos, como os que tocam músicas dos Beatles e Raul Seixas, são frequentemente questionados de sua relevância ao legado carnavalesco carioca.  

Recife e Olinda só conseguiram dar rumo ao Carnaval quando passaram a privilegiar o frevo e o maracatu, dois ritmos eminentemente locais. Ainda assim, a quem ache que é preciso abrir a outros gêneros, ainda que de forma localizada e pontual – como em palcos, como já tem ocorrido.

Em São Luiz do Paraitinga, no interior de São Paulo, o perfil dado foi de marchinhas produzidas localmente. Mas os problemas apareceram, com superlotação e desvirtuamento da festa pelos próprios foliões.

O evento foi oficialmente cancelado ano passado e esse ano tenta retomar ao modelo inicialmente proposto, com regras mais duras aos foliões para evitar, por exemplo, de se colocar potentes caixas de som tocando funk no meio da rua – na verdade, lá a proposta deve seguir a tradição de música com sotaque caipira, uma marca mais que centenária da localidade.

Nesse ciclo do Carnaval de São Paulo, a cidade busca um perfil que se adeque mais a ela. A capital paulista tem hoje um Carnaval que é ao mesmo tempo tradicional, temático e de personalidade em cima do trio – a cobertura da imprensa tem se recaído sobre os dois últimos, numa nítida dificuldade de apontar blocos mais antigos da cidade e nascido sob a égide da preservação carnavalesca. A questão é saber o quanto isso tudo é positivo.

Pelo histórico de outras localidades, faz-se necessário buscar um traço predominante à festa paulistana, ainda que isso seja difícil pelo fato da cidade ser muito cosmopolita.

O certo nisso tudo é que o Carnaval tradicional é que dá base à festa. Os chamados blocos temáticos – de homenagem a Rita Lee, Tim Maia etc. – e de personalidades (do Monobloco a Adryana e a Rapaziada) somente se sustentam apoiados na herança cultural carnavalesca, expressada nas fantasias, no ritmo, no batuque, na levada do samba, no movimento lúdico.

O Carnaval começou assim. Ainda que sofra alterações ao longo do tempo, é das referências que não se deve perder de vista. É o ponto de partida para se pensar numa festa de Momo que não se desfigure da tradição, se distanciando daquilo que tem a ver com a essência e a formação cultural do País. Sem essa preocupação primária, não estaremos fazendo o nosso Carnaval. 

Redação

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