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A máfia midiática elimina o Estado no filme “Generation P”

Che Guevara dá lições sobre o novo capitalismo e o marketing moderno em meio a viagens lisérgicas e místicas de um protagonista que tenta se adaptar à Rússia pós-comunismo. “Generation P” (2011) do russo Victor Ginzburg consegue fazer uma adaptação de um livro considerado impossível de ser transposto ao cinema: “Babylon” do escritor Viktor Pelevin. Ginzburg faz uma espécie de revisionismo da recente história russa pós-comunismo sob o irônico título “Generation P” – o “P” de Pepsi-Cola referindo-se àqueles que abraçaram o produto como o gosto oficial da nova liberdade. Na verdade, Ginsburg mostra um verdadeiro circo onde misticismo e religião se misturam com imagens midiáticas geradas com recursos digitais por profissionais egressos do mundo da publicidade comandados por uma poderosa máfia que, secretamente, controla o Estado e define os destinos da Rússia.

Em 1997 o Barry Levinson dirigiu “Mera Coincidência” (Wag The Dog) onde um presidente norte-americano às vésperas da reeleição envolve-se em um escândalo sexual na Casa Branca. O staff do presidente contrata um produtor de Hollywood para criar uma fictícia guerra com a Albânia para, através de recursos de marketing e edição digitais de vídeos, fazer a mídia morder a isca e repercutir uma guerra fake que desvie a atenção da opinião pública do escândalo sexual.

“Generation P” do russo Victor Ginzburg é mais radical: e se o próprio Estado e todos os seus eventos políticos (corrupção, atentados e guerras) forem fake? Isto é, e se os eventos políticos ou o próprio Estado não passarem de imagens midiáticas geradas com recursos digitais por profissionais egressos do mundo da publicidade comandados por uma poderosa máfia que, secretamente, define os destinos da Rússia? Presidentes, políticos e ministros nada mais seriam do que os próprios componentes dessa máfia que foram escaneados e inseridos digitalmente nos noticiários, propaganda política e eventos reais produzidos cinematograficamente. E tal escaneamento ocorreria dentro de um ritual antigo babilônico a Ishtar, deusa do amor!

 Baseado no livro do escritor russo Victor Pelevin sob os títulos em inglês de “Babylon” e “Homo Zapiens”, o filme constrói o retrato de uma geração que tentou se ajustar à vida pós-comunismo, representada pelo protagonista Babylen Tatarsky (Vladimir Epifantsev). Um poeta desiludido que descobre que possui um talento especial e perfeito para o capitalismo russo que está nascendo: elaborar slogans de produtos ocidentais adaptados ao modo de pensar russo, posicionando-os em um novo mercado que está surgindo.

Trabalhando em pequenos quiosques que vendem bugigangas controlados pela máfia de uma pequena localidade, Babylen desenvolve seu talento ao criar slogans-relâmpagos a cada produto que vende. Um dos clientes se interessa pelo seu talento e o introduz a outra máfia – o novo mundo da publicidade russa marcado por falcatruas e operações financeiras ilegais. Não tardará para ser conduzido à última e mais poderosa máfia, cujo comando localiza-se dentro do próprio Estado russo, o chamado “Departamento de Ideias” em um enorme prédio do antigo Partido Comunista. Ele participará da criação de conceitos e linhas de diálogos para os vídeos que serão exibidos como notícias nos telejornais do país.

O nome do protagonista, Babylen, é uma junção do famoso poema “Babi Yar” (sobre o extermínio de judeus na II Guerra na ravina de Babi Yar na Ucrânia) e Lênin, o que faz o personagem sustentar a crença em um suposto destino “babilônico” que persiste na sua busca pessoal por Ishtar por meio da ingestão de cogumelos alucinógenos. Por isso, há um componente religioso acima do cínico humor negro político e social do filme: Babylen pode comprometer sua moral por uma questão de sobrevivência, mas ele ainda não vendeu a sua alma.

O autor do livro adaptado por “Generation P” dizia que a estória era impossível de ser filmada. Percebe-se isso, pois o filme em muitos momentos parece que vai entrar em colapso sob o peso da narrativa. Muitos trechos adquirem uma qualidade ensaística frenética que faz parecer um Jean-Luc Godard em ácido alucinógeno. O filme muitas vezes parece que vai se perder no pastiche temático (sátira política, humor negro, misticismo e viagens lisérgicas recheados com referências históricas da Rússia à época de Boris Yeltsin), mas Ginsburg consegue amarrar bem o roteiro com iscas que vai jogando e que são recuperadas na sequências posteriores.

A Miragem do Estado e do Poder

Comparado com “Mera Coincidência” de 1997, o filme “Generation P” tem uma proposta muito mais radical. Se no primeiro filme temos um presidente que governa uma poderosa máquina de governo que contrata os serviços da iniciativa privada hollywoodiana, no segundo filme o Estado e governo não existem: a máfia russa há muito suplantou o Estado cujo poder passa a ser simulado com recursos midiáticos e digitais.

“Generation P”: a simulação digital do estado e da Política

O Estado permanece como uma miragem de ordem administrativa: é simulado na sua essência (o Poder e a Política) com clipes, filmes publicitários, news releasings que abastecem noticiários dos canais de TV com escândalos, guerras, terrorismo checheno e teasers eleitorais.

Luis Nassif

Luis Nassif

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