Por Manoel Filho*
Sueli Costa.
Você veio através dos discos, como quase tudo que acontece em minha vida. Veio pela música, o combustível maior da existência, Começou lá em Juiz de Fora, quando “Por Exemplo Você” foi gravada por Nara Leão e depois pelo Grupo Manifesto. Depois, o Rio de Janeiro, onde Sidney Miller a levou para o teatro. Açucar Candy em uma peça de malucos.
Dos tablados veio Tite de Lemos. Por Tite, Arap e finalmente, Bethania.
Assombrações e Sombra Amiga depois do encouraçado cantado no FIC por um paraguaio. Bandoleiro e proscrito. A sina da mulher compositora em um ambiente machista.
Proscrita.
Depois são “Vinte Anos Blues”, com a Elis. Um dinheirinho pra se manter e muito trabalho dando aulas de música assim como sua mãe pianista e professora.
Amor, Amor e Coração Ateu. José Lewgoy, meu cowboy… O primeiro disco na Odeon produzido por Gonzaguinha, amigo e admirador. Cacaso, poeta e proscrito, livros no mimeógrafo. Música na novela da Globo. Simone, Nana e Marília. Cordilheira, Face a Face, Medo de Amar 2 e Bóias de Luz. Tua música vestida nas melhores vozes deste país, nem sempre do jeito que você queria… Dori no Louça Fina e Adolfo no íntimo. Tantos arranjos lindos e impecáveis.
Ah, Sueli… De tantas intérpretes, eu gosto mesmo é das tuas gravações. As harmonias complexas, o canto no limite, a emissão quase forçada de sua voz. Aquele teu segundo disco, com produção de João Bosco e Aldir Blanc, tem histórias que apenas eu e você sabemos e isso rendeu inúmeras gargalhadas por tantas noites. Cinco Lps, três CDS, alguns projetos e demos engavetados por aí, essa é a tua face de um iceberg gigante.
Sueli sempre bem acompanhada, inclusive com o Johnny Alf logo que a gente entrava em seu apartamento numa fotografia enorme de vocês.
Minhas cópias zeradas dos teus discos e teus exemplares arruinados. Quando levei novos lps pra você, me disse: “A Nina vai poder ouvir um dia os trabalhos da vovó”. E nossos planos de novos trabalhos, novos compromissos, ficaram pra outro café nunca tomado. O tempo não espera, Sueli. Não espera mesmo. Teus parceiros se foram, alguns ficarão por aqui atônitos com a tua partida. E da gente fica a obra, no teu caso, uma obra atemporal. Da moça do Censo que disse ser tua fã e ouvir “Juras Secretas” (sic) com a mãe e achar lindo. Das madrugadas que você gostava como eu e virava jogando paciência em sua timidez.
Da última vez que nos falamos no fim de Janeiro até hoje, quando soube de tua partida, estávamos aflitos com o teu sumiço. O silêncio das mensagens e dos telefonemas precendiam o que negamos a acreditar, sobre a finitude da vida. E a vida é bonita, mas dói. A longa doença e a agonia de uma pandemia, tudo isso na cabeça de alguém com a tua sensibilidade poderia render música, render muito mais.
A imprensa ama datas redondas e obituários, mas eu tenho um tempo só meu, atribulado e confuso, mostrei o teu trabalho para novos ouvintes e corações. E no meu mundo, na minha vida múltipla entre a eletricidade, a poesia e a pesquisa, você é importante, é um alicerce. Foi mestra e confidente e eu só tenho a agradecer.
Descanse, minha amiga. A gente se encontra para um vinho daqui a pouco em alguma dimensão e a tua energia fica junto com a tua obra nesse planeta injusto e sacana.
Um abraço,
Manoel.
*Manoel Filho é pesquisador musical e amigo da Sueli Costa
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