A conspiração do bem com as multi

Coluna Econômica

Recentemente, a IBM e a GE brasileiras disputaram com subsidiárias do mundo inteiro a implantação de um centro de pesquisa. Venceram com a ajuda do Ministério de Ciência e Tecnologia – que colocou na mesa de negociações recursos de subvenção.

Em outros momentos, é possível que esses recursos saíssem sem contrapartida. Desta vez, ajudaram a consolidar uma aliança que precisa ser retomada, entre filiais de multinacionais e governo.

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ExplExplico melhor.

O executivo de uma multinacional no país tem dois chapéus: um, da sua empresa; outra, do país. Quando vai negociar com o governo brasileiro, coloca o chapéu da empresa; quando vai negociar com o board da empresa, o chapéu do país. Por exemplo, na hora de disputar os investimentos, novas fábricas, novos produtos.

Nem se diga que seja apenas fervor patriótico – embora muitos tenham. É porque, crescendo o espaço do Brasil no universo da empresa, cresce a importância do executivo brasileiro.

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Em outros tempos, esse pacto governo-executivo funcionou otimamente.

Nos anos 80, por exemplo, o governo precisava autorizar todos os reajustes de preços da indústria, através do Conselho Interministerial de Preços (CIP).

A Xerox do Brasil era uma das empresas com preços controlados. Seu presidente ía até o CIP e recebia autorização para reajustar os preços, sem nenhuma contrapartida.

Aí chegava no diretor e “exigia” que colocasse como contrapartida para os reajustes a obrigatoriedade da empresa transferir para o Brasil a linha de montagem de determinados produtos.

Essa “conspiração do bem” rendeu para todos os cantos. A Xerox Brasil se tornou uma das mais importantes no universo Xerox; a empresa lucrou com suas operações brasileiras; e o país ganhou com a absorção de tecnologia de primeira.

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No início do governo Lula, lembro-me de uma conversa com o presidente de uma multinacional do setor de medicamentos. Finalmente ele conseguira começar a vender para o Ministério da Saúde. De início, R$ 40 milhões/ano mas podendo aumentar gradativamente.

Na mesma conversa, ele me disse que tinha perdido uma fábrica de fármacos para a filial da Coreia – que tem um mercado minúsculo.

Perguntei o que mais ele tinha ganhado com a venda? Ele se espantou: nada.

Imaginei, então, a seguinte encenação, baseada na experiência da Xerox.

Primeiro, se reuniria com algum estrategista do governo – na ocasião, imaginei o Ministro Tarso Genro, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Lá, se combinaria a seguinte estratégia.

A venda já estava acertada, portanto não se iria fazer nenhum favor adicional, mas apenas um teatro. Haveria uma negociação, na qual o executivo listaria quais investimentos estariam sendo disputados na empresa com outros países. Aí se combinaria uma negociação, na qual o Ministério da Saúde “exigiria” o investimento aqui, para celebrar o acordo.

Depois, se faria o jogo de cena final: o executivo sendo recebido pelo presidente da República para celebrar o acordo.

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É esse tipo de pragmatismo que precisa ser articulado daqui para frente, através da criação de um fórum informal juntando área econômica e executivos das principais multinacionais no Brasil. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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