A economia e o país da opinião pronta, por Luis Nassif

Todo modelo econômico está sujeito a exageros. Mas o que diferencia as nações desenvolvidas daquelas institucionalmente mais frágeis é o descolamento da realidade, que marca a implementação dessas políticas.

A economia não é uma ciência exata, com regras imutáveis no tempo e no espaço. Há regras de ouro, a serem seguidas por qualquer nação. Mas as decisões devem se subordinar às circunstâncias de cada momento.

O mesmo ocorre com as empresas. Há boas práticas, princípios de gestão, mas que dependem da análise de situação de cada empresa, de suas características permanentes e de sua situação no momento.

Uma empresa de varejo não pode abdicar dos investimentos em marketing. Mas, ao mesmo tempo, não pode se descuidar de seu caixa, nem de seus investimentos. Por tudo isso, o processo de decisão obedece a inúmeras variáveis.

Uma pequena amostra das variáveis que são consideradas no nível de uma empresa, uma realidade imensamente menos complexa que a de um país, quando em processo de expansão:

  1. A relação entre o investimento em marketing e o aumento das vendas.
  2. A relação entre a rentabilidade marginal, com o aumento das vendas, e o custo do dinheiro.
  3. Os investimentos necessários para atender ao provável aumento da demanda.
  4. O tempo necessário para aumentar e treinar os novos quadros.

Em período de crise, o quadro é igualmente complexo:

  1. Qual o corte a ser feito que impacte menos as vendas. Há cortes que podem produzir quedas de vendas superiores à própria economia pretendida.
  2. Quais os passivos prioritários a serem negociados.
  3. Quanto tempo durará o desaquecimento e qual o custo de demissão dos funcionários.

Imagine-se, então, um país.

Há um conjunto de medidas de política econômica e de desenvolvimento comuns a todo país minimamente comprometido com seu futuro.

  1. Melhorar os níveis educacionais.
  2. Investir em ciência, tecnologia e inovação.
  3. Garantir crédito e financiamento a custos internacionais.
  4. Fortalecer o mercado de consumo interno.
  5. Garantir a infraestrutura, energia, telecomunicações, estradas, com investimentos públicos ou concessões.
  6. Aumentar a competitividade da produção interna, vis-a-vis as externas, tanto no mercado internacional quanto do doméstico, pois é ela que garante a geração de emprego e renda, inovação e arrecadação fiscal.
  7. Manter políticas fiscalmente responsáveis.

Cortes de gastos não podem ser vistos apenas da ótica fiscal. Ao gasto público corresponde a entrega de um produto: saúde, educação, energia etc. Portanto, toda análise de eficácia tem que colocar como indicador fundamental a qualidade e a quantidade do produto ofertado. A boa gestão se faz entregando mais com o mesmo, ou o mesmo com menos. Por aqui, se mede apenas o nível dos gastos sem a menor sofisticação sobre os indicadores de qualidade ou de entrega do produto.

A banalização terrível da discussão econômica colocou o meio na frente dos objetivos finais. Basta colocar um teto de gastos que o resto se revolve. E sempre se acenando com a ideia do pote de ouro no final do arco-iris. Se todos os sacrifícios (dos outros) forem feitos, a economia bombará e todos serão beneficiados. Os oito anos de FHC mostraram o contrário.

Pior, no caso de interferências profundas em setores da economia – como a proposta da privatização da Eletrobrás e da Petrobras – toda a discussão é direcionada por bordões de mercado, sem que a mídia dê espaço para a opinião dos especialistas.

Automóveis e recessão

Em períodos de recessão, há um aumento natural das exportações de veículos, pela incapacidade de absorção da produção pelo mercado interno.

No gráfico, um pequeno resumo do que está acontecendo com as exportações de automóveis. São acumulados de doze meses, e respectivas variações no trimestre, semestre e ano.

Quando a recessão se impôs, houve um salto nas exportações. Desde março do ano passado, as exportações começaram a refluir.

 

 

 

 

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • O que acontece na discussão

    O que acontece na discussão econômica é a prova cabal, pra mim, de que vivemos uma censura de pensamento. E no campo econômico isso é escancarado. Todos os programas de entrevistas de emissoras abertas e fechadas que têm repercussão convidam os que pensam do mesmo jeito - o Painel na época do Waack era um exemplo acabado. Veja o próprio Nassif. Qual foi a última vez que ele foi convidado por uma tv ou rádio da imprensa mainstream pra dizer o que ele acabou de escrever aqui? E a cereja do bolo (fecal) é que essa visão única e passado todo o dia pro grosso da população que se informa vendo o Jornal Nacional. O Brasil hoje me lembra um ótimo filme do Emir Kusturica, underground. 

  • Teoria do Brasil

    Salve, Nassif!
    Mais uma demonstração da sua grande lucidez neste post sobre economia.
    Arriscaria dizer que o seu pensamento se aplica também à cultura, à educação, ao meio ambiente, etc.
    Podemos importar de tudo.
    Só não podemos importar uma teoria de vida, pois essa teoria só se constrói com a vida mesmo, com a nossa própria vida,
    com a nossa própria história, com os próprios erros e acertos.
    Quem não conhece o próprio passado está condenado a repeti-lo, já disse algum sábio...
    Infelizmente é isso que nos está sendo privado, o entendimento da própria história.
    O golpe de 64 destruiu boa parte das conquistas brasileiras nos planos intelectual e interpretativo da nossa realidade.
    E isso envolve de economistas e sociólogos a músicos e poetas.
    O Joel está certo, há uma grande censura e controle do pensamento, e ela é pilotada pelos grandes grupos de comunicações.
    A principal rede de TV brasileira é a principal responsável pelo ridículo protagonizado pelo Neymar na Copa do Mundo, jovem jogador que expôs ao mundo todo a miséria moral, intelectual e comportamental que ela mesma patrocina diariamente, ao endeusar um garoto que mal sabe se comportar dentro e fora de campo.
    Erram aqueles que pegam uma teoria e tentam aplicá-la em realidades diversas daquelas onde essa teoria foi gerada.
    Por isso precisamos de uma teoria do Brasil*, como escreveu o Darcy.

    RIBEIRO, Darcy. Os brasileiros: Livro I - Teoria do Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1978.
     

     

  • NÃO NOS FALTAM NEM AS PENAS

    Queremos falar em Economia sem falar em Politica? Até Inocência tem limites. Vivemos no Planeta do Pós-Guerra, onde Americanos reescreveram a Ordem Mundial e deram sustentação para uma parte da Europa e Asia destruídas, não entrarem novamente em colapso, nem cairem na saída fácil do Comunismo. Nós que havíamos abdicados do caminho vitorioso da Democracia Representativa e Facultativa, então abdicamos da reconstrução do Mundo. Passamos em apenas duas décadas (30/50), de vanguarda, de cabeça da Humanidade para rabo, traseiro, Terceiro Mundo. Os desesperados, descamisados, moribundos, miseráveis que lotavam navios na esperança da Cidadania Brasileira e desembarcavam em nossos portos vindos de Alemanha, Italia, Suiça, Japão, Russia, EUA, Siria, Ucrânia, Libano,...tornaram-se Países Desenvolvidos. E NÓS, PARADOS na Mediocridade Ideológica, entre Academicismos e Ilusões, permitimos que o Mundo seguisse seu caminho em progresso. Em matéria, neste veículo, outro Articulista afirma que para alguns da Intelectualidade Brasileira, é possível comparar Porto Rico com Brasil. Dá a noção exata do tamanho da nossa Imbecilidade. E o pior, grande parte desta Intelectualidade ainda compartilha desta linha de pensamento que vislumbra no Caudilhismo, no Fascismo, no Voto Obrigatório, em Academicismos Ideológicos, em enxergar o Brasil-Continente como um pequeno país da África ou América Latina, na Vitimização, no Fatalismo, um caminho a continuar ser seguido. Pobre país rico. Entendemos o porque de um menino indiano conseguir guiar e comandar um elefante. O que adianta 5 toneladas, quando o cérebro tem 7 quilos? Somos de muito fácil explicação.   

  • "Por aqui, se mede apenas o

    "Por aqui, se mede apenas o nível dos gastos sem a menor sofisticação sobre os indicadores de qualidade ou de entrega do produto."

    Devem ser analisados os indicadores de qualidade, porém isso não isenta o administrador de estabelecer  um teto de gastos, seja na empresa, seja no país.

  • O problema é quando a ciência
    O problema é quando a ciência é substituída pela religião. Comentaristas da Globo, veja, Istoé e afins, são todos idólatras do "mercado". Repetem bordões infantis o tempo todo. Me lembram bem alguns fanáticos religiosos com bíblia debaixo do braço.

    Não importa o que esteja acontecendo, a opinião é sempre a mesma. São idólatras de um modelo falido, e defendem, diariamente, a exclusão do próximo...

    Não entendem, por exemplo, que uma mulher negra não não faz parte do modelo neoliberal.

  • Reluto em considerar "burros"

    Reluto em considerar "burros" ou estúpidos os atuais dirigentes de nosso País.  Absolutamente, eles não são ignorantes; ao contrário, eu os acho muito "espertos", haja vista o que são capazes de tramar para alcançar e conservar o atual poder.  O que ocorre é que o propósito deles é diferente do nosso..  O interesse deles é, pura e simplesmente, saquear as riquezas do País, em seu favor ou em favor de outros (estrangeiros). É desassistir a população, reduzindo ao máximo as despesas sociais, e vender tudo o que é possível: nossas empresas (inclusive as privadas), nosso mercado interno - reparem a predominância de multinacionais no agronegócio, na indústria alimentícia, na indústria automobilística e de acessórios (pneus, peças etc) na indúdtria farmacêutica e por aí vai - e nossas riquezas naturais.  Minha impressão é que, na atual ordem mundial, o Brasil existe para suprir o primeiro mundo (EUA, Europa e, mais recentemente, a China) de alimentos (especialmente de grãos e de carne) e de minérios.  Em contrapartida, o consumo de bens pelos brasileiros deve permanecer em patamares bem baixos, de modo que nossas necessidades não pressionem os preços internacionais e, eventualemnte, torne mais cara a vida dos cidadãos primeiro mundistas. Na minha modesta opinião, é basicamente isso o que está acontecendo.  Desculpem mina ousadia ou minha ignorância. Abraços.

  • Reluto em considerar "burros"

    Reluto em considerar "burros" ou estúpidos os atuais dirigentes de nosso País.  Absolutamente, eles não são ignorantes; ao contrário, eu os acho muito "espertos", haja vista o que são capazes de tramar para alcançar e conservar o atual poder.  O que ocorre é que o propósito deles é diferente do nosso..  O interesse deles é, pura e simplesmente, saquear as riquezas do País, em seu favor ou em favor de outros (estrangeiros). É desassistir a população, reduzindo ao máximo as despesas sociais, e vender tudo o que é possível: nossas empresas (inclusive as privadas), nosso mercado interno - reparem a predominância de multinacionais no agronegócio, na indústria alimentícia, na indústria automobilística e de acessórios (pneus, peças etc) na indúdtria farmacêutica e por aí vai - e nossas riquezas naturais.  Minha impressão é que, na atual ordem mundial, o Brasil existe para suprir o primeiro mundo (EUA, Europa e, mais recentemente, a China) de alimentos (especialmente de grãos e de carne) e de minérios.  Em contrapartida, o consumo de bens pelos brasileiros deve permanecer em patamares bem baixos, de modo que nossas necessidades não pressionem os preços internacionais e, eventualemnte, torne mais cara a vida dos cidadãos primeiro mundistas. Na minha modesta opinião, é basicamente isso o que está acontecendo.  Desculpem mina ousadia ou minha ignorância. Abraços.

  • Falta compromisso com o Pais

    Lembro nos anos 80 eu moleca, assistindo algum jornal com meu pai e meu pai ja dizia que os comentaristas econômicos não explicavam claramente as coisas. Depois nos anos 90 meu pai quase pulava do sofa quando via alguns comentaristas que até hoje estão na midia falando sobre economia. Ele sempre dizia ao final da fala dessa gente "mas que barbaridade". De la pra ca, so piorou e meu pai não assiste mais ao jornal nacional e outros telejornais e quando ele lê jornais (ele ainda lê por costume), ele pergunta do porquê os mesmos mal intencionados que aparecem na tevê ou radio falando em economia também escrevem em jornais, mama mia! Os jornais impressos, para meu pai, deveriam ser bem mais criteriosos.

    Mas claro esta que o Brasil precisa de um grande projeto a ser debatido com a sociedade sobre seu desenvolvimento para que não se caia mais nas mãos de aventureiros e/ou oportunistas.

  • A venda interna de automóveis

    A venda interna de automóveis está crescendo ou é a produção interna que está diminuindo ? O que explica a queda de exportações de automóveis desde outubro de 2017 ?

  • Falam muito
    Falam muito em levar pra administração publica principios e praticas da administraçao privada.

    Pois bem, em momentos de crise ataca-se o principal item de despesa. E qual é o principal item de despesa publica? É evidente que são os juros e o sistema da dívida!

    Mas é de mentira e de contradiçoes banais que se mantém a "sabedoria" do tal mercado.

    Nao é à toa que a sanha golpista se aferrou logo logo ao projeto do teto de gastos e ao do "escola de fascismo". As coisas se articulam: juros sagrados; e ideologia de "coaching" e biblia nos bancos escolares (além dos meios de comunicação).

    ...E ainda tem ex sociologo que pontifica sobre uma tal "hegemonia" do PT, PT, PT.

    Até pra um ex sociólogo é dose cavalar...

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