A privatização do setor elétrico: o que você não vê na mídia

Por Roberto Pereira D’Araujo

A privatização do setor elétrico: o que você não vê na mídia

A sociedade brasileira assiste passivamente a repetição do velho discurso de que privatizando o setor elétrico, a eficiência e a independência do setor privado, não só resolve todos os problemas, como as tarifas brasileiras serão reduzidas.

Bem, quanto às tarifas, as famílias estão sentindo no bolso a enganação sobre esse tema. Se realmente tivéssemos agências reguladoras que explicitassem o que ocorreu quanto à essa repetida hipótese, essa evolução estaria disponível no site da ANEEL.

A tarifa residencial média (ai incluída os baixa renda) subiu 60% acima da inflação. Porém nada é mais impressionante do que o caso da indústria atendida pelas distribuidoras (pequenas indústrias). 130% acima da inflação!

Alguém já viu esses gráficos em algum órgão da mídia brasileira?

Bem, se está ficando mais caro, mas o setor privado assume a responsabilidade e investe o necessário para a expansão da oferta, seria menos doloroso. Só que, nos últimos 20 anos, não foi isso o que aconteceu.

O gráfico acima mostra a evolução de empréstimos do BNDES ao setor elétrico. As barras são o valor atualizado para 2018, eixo vertical esquerdo. A linha azul mostra o percentual desse financiamento dentro das carteiras do banco, eixo vertical direito. Dividimos em 4 fases.

  1. Período 1995 – 2001. Barras azuis. Reparem que em 1997, 27% da carteira do BNDES foi destinada ao setor elétrico!!
  2. Seria financiamento de novas unidades geradoras? Nada disso! Empréstimos para adquirir usinas prontas. A privatização foi financiada pelo BNDES. Será que vamos repetir?
  3. Reparem como se reduz o financiamento até 2001. Qual foi o resultado? Racionamento.
  4. Ou seja, em bom português, desinteresse por investimentos na expansão.
  5. Alguém já viu essa análise em algum órgão da imprensa?

Começa a nova fase com governo novo.

  1. Período 2002 – 2007, barras vermelhas escuro. Reparem que, depois do racionamento, novamente, mais de 20% dos recursos do BNDES se destinam ao setor elétrico.
  2. Apesar do financiamento médio nesse período ter-se elevado para R$ 7 bilhões/ano, ali também se percebe umaforte redução, traduzindo, desinteresse.
  3. A origem dessa redução de investimento/empréstimos está no mercado livre de energia que, imaginado no governo FHC, foi realmente implantado sem mudanças no governo Lula.
  4. Por que a redução de investimento? Basta olhar o preço praticado no bizarro mercado livre no período.
  5. A linha azul é o preço apenas do MWh para o setor residencial, colocada aqui apenas como comparação, e a linha vermelha é o PLD, Preço de Liquidação de Diferenças, valor de “referência” no mercado livre. Dados da CCEE.
  6. Ora, com um sistema que permite o mercado livre se aproveite da queda de demanda decorrente do racionamentoe da geração hidroelétrica da Eletrobras descontratada em 2003, mas obrigada a gerar, o período significou praticamente uma doação de energia ao mercado. Não é surpresa que hoje esse “nicho” privilegiado se elevou para 30% de toda a carga brasileira.
  7. Evidentemente, mais uma vez, não houve investimento em expansão e, o Brasil, que necessita o equivalente a duas usinas de Itumbiara por ano para manter o equilíbrio, não sabe que de 2008 até 2013, a carga encostou perigosamente na “garantia física” (que está superavaliada).

Alguém já viu essa análise em algum órgão da imprensa?

A partir dessa previsível barbeiragem, entramos na fase amarela (2008 – 2015) e vermelha do gráfico do BNDES.

  1. Percebe-se um aumento do financiamento do BNDES que chega a R$ 25 bi em 2015!
  2. Seria suficiente? A figura abaixo mostra que não. Além do BNDES, a Eletrobras assumiu 178 Sociedades de Propósito Específico onde, apesar de minoritária, foi responsável por R$ 34 bilhões de investimento no período 2008 até 2018.

  1. Portanto, um gráfico que mostraria a realidade do esforço de investimento originado em entidades públicas, como BNDES e Eletrobras, é o que está abaixo.

Evidentemente, depois do golpe mortal da medida provisória 579, a Eletrobras perde completamente a sua capacidade de investimento. Enganam-se os que comparam os recentes lucros da empresa com situações anteriores. Uma empresa do porte da Eletrobras que investe bem abaixo do seu histórico, é uma anomalia no Brasil.

Não custa lembrar que as absurdas tarifas dos gráficos só são o que são porque cerca de 14 GW de hidroelétricas da Eletrobras cobram apenas o custo de operação das usinas, pratica inexistente em nenhum sistema do planeta.

Para finalizar, o que o ILUMINA pode mostrar ao consumidor brasileiro é que, além da tarifa altíssima, de 1995 até 2018, ele financiou aproximadamente R$ 300 bilhões de reais ao setor elétrico, que, hoje É PRIVADO. Já imaginaram se calculássemos uma “tarifa” equivalente aos subsídios embutidos no BNDES e nas SPE’s? Alguém já viu essa análise em algum órgão da mídia?

A pergunta que deveria ser feita ao Ministro da Fazenda é:

Que setor privado é esse que irá se comportar de modo tão diferente do que está registrado? Surgirá um capital independente? O que os dados oficiais do BNDES e da Eletrobras mostram é que não existe esse setor privado imaginado em Chicago. O exemplo preferido do Ministro para criticar os tomadores de recursos do estado é recorrentemente o caso J&F. O Ilumina sugere ao PG que dê uma olhada no volume de recursos envolvidos. Fica meio difícil achar que todos os que usaram o BNDES são como o frigorífico! Infelizmente, ministro, o que estava do outro lado dos empréstimos é o capitalismo brasileiro que, historicamente, sempre foi dependente do estado. Obs: Este texto foi publicado originalmente no site do Instituto Ilumina.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Recent Posts

“Para mim é um alívio essa correição”, diz Gabriela Hardt

Substituta de Sergio Moro, juíza admite erros no caso Tacla Duran, mas garante que não…

4 horas ago

O que está por trás da nova corrida pelo ouro

Incertezas políticas e internacionais estão por trás da disparada de preços do minério, diz professor…

4 horas ago

Como capturar o comum cotidiano ou a própria vida, por Maíra Vasconcelos

A cada dia, ficamos esquecidos no dia anterior sem ter conseguido entender e ver o…

5 horas ago

Lula e ministros visitam RS para garantir recursos às vítimas das chuvas

Exército aumentou o número de militares e opera hospital de campanha; Transportes se comprometeu a…

5 horas ago

Entrevista: Ilan Fonseca, procurador que trabalhou como motorista de Uber, revela a dura realidade dos aplicativos

Escritor e membro do MPT, Ilan Fonseca propõe alternativas ao oligopólio que controla trabalhadores sem…

6 horas ago

Temporais no Rio Grande do Sul rompem barragem e autoridades alertam para população deixar área

Barragem 14 de Julho, no interior do Rio Grande do Sul, rompe com as fortes…

6 horas ago