A tolice das entrevistas sobre esse tal do “mercado”, por Luis Nassif

No governo Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva recebia alguns poucos jornalistas. E as entrevistas saíam como “fontes” do Palácio. Aí os setoristas descobriram o Sargento Quinsan, uma espécie de ajudante menor de Golbery. Passaram a conversar com ele e as conversas eram atribuídas igualmente a “fontes do Palácio”.

Hoje em dia, o Quinsan da imprensa é o tal do “mercado”.

O Vinicius Torres Freire, da Folha, publicou um bom artigo desmistificando essas manipulações.

Primeiro, há enorme confusão em tratar qualquer empresário como fonte do mercado. Por mercado, entenda-se o setor financeiro da economia.

Há um primeiro nível, o chamado clube dos bilionários, integrado por famílias tradicionais e pelos bilionários recentes, todos com com viés internacionalista.

As influências máximas são Jorge Paulo Lehman e Roberto Setubal. Lehman se funda em um ideário de corte radical de custos e eficientismo no nível máximo. Roberto Setubal é mais sofisticado, entende a importância de disputar o poder político. Há outras lideranças como o grupo da Natura, especialmente Guilherme Leal. É um grupo que tenta casar liberalismo econômico com modernização moral. Juntam-se a eles os Vilela-Setubal, os Klabin-Lafer, os Feffer, Moreira Salles.

São intelectualmente mais sofisticados e têm em comum, ou a mesma árvore genealógica, ou a mesma origem no período getulista.

Nas origens, parte é paulista de Sâo Paulo; parte, mineiros-paulista que desceram para o sul do Estado e se espalharam em uma vasta região englobando Ribeirão Preto, São Carlos, São José do Rio Pardo, o sul de Minas e cidade limítrofes.

Na formação, surgem na mesma época do início dos grandes grupos nacionais, no período do Estado Novo, uma mescla de empresários quatrocentões, saindo do café, e imigrantes judeus que lançam as bases da industrialização brasileira.

Tem ascendência também sobre os diversos fundos familiares, que assumiram enorme relevância nos últimos anos, em geral constituídos a partir da venda de empresas nacionais para grupos estrangeiros.

Nesse micro-cosmo, sobressaem também os grandes gestores de fortunas, aqueles que mais apropriadamente podem ser considerados “o mercado”.

Não são muitos, talvez meia dúzia. Eles formam a opinião do mercado em relação a temas econômicos e políticos – não político partidário, mas no sentido de precificar eventos políticos.

Sua lógica é simples.

São melhores preparados que a ampla maioria. Trabalham com análises de médio prazo e com fundamentos da economia. A boa leitura dos fundamentos permite fugir das armadilhas do dia-a-dia,  porque a partir dela traçam-se as linhas de médio e longo prazo, controlando melhor os limites das oscilações do curto prazo.

Por exemplo, pela análise dos fundamentos, a economia está em 5 e pode ir para, digamos, 10. Essa trajetória define toda sua ação e lhe permite faturar em cima das oscilações de mercado.

Criam expectativas sucessivas em cima de determinados eventos. Tipo, se for aprovada tal lei, o mercado sobe, mesmo que a tal lei não tenha grande relevância ou grande impacto. Em seguida, com seu poder de fogo – e acesso à mídia especializada – vai fomentando o tema, aquecendo, turbinando. Um pouco antes do fato se realizar, com os ativos no máximo, passam a desovar seus papéis, derrubando o mercado.

Até agora, tratamos do Estado Maior.

Debaixo deles, há um exército jovem, radical, primário.

Numa ponta, com um pouco mais de parcimônia, os economistas, trabalhando suas projeções. Superiores aos economistas, há os operadores – os que tomam decisões de compra e venda.

É desse grupo, barulhento e juvenil, que vem as vaias a Dilma, os WhatsApp com o MBL, eventualmente o apoio a Bolsonaro.

Sua importância é a mesma de um militante do MTST ou do MST. Mas conseguem ser mais barulhentos ainda.

Na linha de baixo, há as lideranças empresariais, bastante esvaziadas. O sistema CNI (Confederação Nacional da Indústria), com a FIESP e suas congêneres, a Abimaq e outras entidades que perderam a expressão com o esvaziamento industrial do país.

Fora do eixo Rio-São Paulo, há a influência de Jorge Gerdau e de um grupo que se formou em torno dos programas de qualidade e gestão. Nesse caso, com um viés político mais conservador.

View Comments

  • O próximo presidente

    O próximo presidente nacionalista que ocupar o planalto vai ter um enorme trabalho para revitalizar a importância política da atividade produtiva. Ao que parece, hoje em dia, não temos mais burguesia industrial, temos apenas latifundiáriso e financistas.

  • O mercado também é a palavra

    Uma coisa meio religiosa que os crentes repetem como um mantra e com os significados mais diversos.  Aliás pensam que se falarem em mercado tudo esta justificado , inclusive toda a incongruência que vemos hoje , onde um mercado apoia um golpe  feito pelas mentes """"mais modernas  e mercadológicas do páis""" , pasmem, chegam a guardar  seus lucros em apartamentos.

     Mas não são apenas estes , os mais intelectualizados, sem dúvida estão com tudo dentro deste golpe que carrega o país para o seculo XIX. ( Esta não é um perspectiva de futuro )   Me parece que mercado é sem duvida apenas uma palavra que querem tornar mágica. È impossível  ver uma racionalidade que não seja, o meu pirão vem primeiro. O resto são apenas palavras.  E palavras que tomaram os corações e mentes de um exército de  tolos e crentes radicais, que não lutam pela livre iniciativa nas contra os outros. Nossos empresários liberais estão parados a mais de dois anos, e avisam que  só vão investir se o governo der garantias e criar umas reformas que  de novo nos façam retroagir no tempo no espaço. Setubal, Klabin, Lafer, Feffer e Moreira Salles, como disse  Nassif são todos da velha oligarquia, que transformou pastos e agricultura em ações.  Nenhum destes cumpriu o papel histórico da burguesia que era industrializar o país.  E hoje os que mais falam de liberalismo e mercado, são os que mais querem vender  o que tem e mudar de país.  Todos estes liberais não se levantaram quando a mão do mercado através do anjo negro de Toga degolou seu representante máximo Oderbrecht, afinal este parecia querer investir em algo que não apenas ações. 

  • Quem faz a bolsa subir e descer de acordo com a vontade???

    Não sei se existe o tal "mercado"... mas o que existe, controla as bolsas de uma maneira diferente de qualquer outro país do mundo.

    Eu gostaria muito de saber por qual motivo o fato de Moro condenar Lula, por exemplo, faz com que os "empresários" passem a comprar e vender ações na bolsa a ponto de alterar os preços... mesmo sendo um fato inegável que o melhor período da história foi no governo Lula... do ponto de vista de mercado, isso não faz o menor sentido... a existência da Empiricus mesmo já mostra que nosso "mercado" é uma piada.

    O mercado de ações brasileiro é 100% manipulado por um grupo reduzidíssimo de pessoas, muito dispostas a alterar os índices da forma mais porca, na hora que der na telha... sem nenhum medo de serem investigados...

  • Por mais sofisticado o

    Por mais sofisticado o mercado e seus representantes, o tal de mercado, ao fim das contas, encarna o que há de mais primitivo no homem: a ganância, a competição, o materialismo, o individualismo, em oposição ao coletivismo, à solidariedade. O financismo é a maximização dos instintos humanos mais primitivos 

  • Não há diferença entre o os

    Não há diferença entre o os tais "sofisticados" e a SA que se inspira neles: os preconceitos políticos e ideologicos são e-xa-ta-men-te-os-mes-mos. Basta ver o bestialógico de guerra fria que está aí até hoje funcionando como um verdadeiro telhado de vidro: mesmo que enxerguem alguma coisa indefinida além, batem com a cabeça de modo que o barulho vai longe. E não ultrapassam. Não ultrapassam.

    O que os faz parecerem diferentes, portanto, são a conta bancária, obviamente, os quadros nas paredes que servem pra reserva de valor e pra dar uns tapinhas na cabeça da "classe arrtística" bajuladora, e as piadinhas da alta roda também mais antiga, que servem pra conferir reputação.

    No fundo o que sabem é comprar barato e vender caro utilizando uma grande máquina de propaganda à disposição.

  • O 1% emplacou a PEC 55 e

    O 1% emplacou a PEC 55 e agora o governo fala que isso é lei e não pode aumentar o salário mínimo...

    O Brasil está anacrônico, quer ter crescimento sem abrir mão do super previlégio dos mais ricos e esfaquear o resto!

    Eles ensinaram o caminho da PEC!

    Quando a canoa virar vamos fazer a PEC dos 99%!

    Vamos limitar o desembolso com juros e oferecer papéis de risco para empresas e pessoas para que brinquem com o tal mercado...

    E vamos saber se esse mercado é competente!

    Na minha opinião não é - precisar da PEC 55 é sinal claro de nó cego!

    Os bancos vão ter que trabalhar para ganhar dinheiro e sem essa moleza bancada pelo tesouro!

    Vão ter que emprestar dinheiro para pobre! Que horror!

    O resto do mundo faz isso...

    Apenas isso!

    Que o Brasil que está no mundo, seja como no outros paises!

    Ai o governo bota o juros a zero e com a economia destes juros reduz os impostos de toda a economia e vamos botar a roda da economia para girar...

    Não precisamos matar os banqueiros e o cervejeiro - basta que eles trabalhem como no resto do mundo!

    Por que do lado de cá já estã morrendo gente!

    O stress e o desespero estão fazendo vítimas...

  • O "mercado" de primeiro,

    O "mercado" de primeiro, segundo e terceiro nivel só tem importancia em um regime democratico muito fragil, como o de hoje.

    Em um regime de Estado forte, como o de Getulio 1930-1945, JK 1955-1960, Governo Militar 1964-1985, o "mercado" baixa a crista e vai a reboque do Estado e não comanda este, como agora.

    • André, em nenhum desses

      André, em nenhum desses momentos tínhamos trocentos canais de notícias 24 horas por dia e milhares de sites de notícias precisando ser atualizados todo minuto. Porque tem essa também: o show que se tornou o noticiário não para mais, é 24 horas por dia em todos os canais e telas, e tem que ser enchido de alguma maneira.

  • A grande sonegação de parte do "mercado"

    Até quando o Brasil vai suportar a grande sonegação de parte do "mercado" em detrimento daqueles que pagam seus impostos regularmente?

  • Deu ruim
    Outro dia no Twitter um gaiato reparou que a única coisa boa do mercado é que vc pode xinga-lo a vontade que ele nunca vai te processar. Quem é, não assume que é. Xingamento liberado.

    Agora, na boa: os caras criaram um monstro. Financiaram o Golpe de Estado, que gerou milhões de pobres, que votarão no Lula e no PT daqui pra frente, independente de haver eleições ou não. Cedo ou tarde, não tem como dar certo pra eles.

    Apostassem na Democracia, seria quase impossível vence-los. Escolheram a porta larga e deu ruim. Mercado burro.

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