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Avanço tecnológico e as transformações do cenário industrial

Da Inovação Unicamp 

Avanço contínuo de tecnologias vai transformar cenário industrial no século 21

Relatório da Academia Nacional de Engenharia dos EUA diz que medo da “exportação de empregos” é exagerado

Carlos Orsi

O avanço de tecnologias como robótica, biomanufatura, nanotecnologia e computação na nuvem está transformando a forma como produtos são criados e fabricados e deve mudar radicalmente a forma como o trabalho na indústria se organiza e é administrado, concluiu um workshop realizado pela Academia Nacional de Engenharia dos EUA, órgão que presta consultoria ao governo americano.

“Um número cada vez maior de trabalhadores intelectuais terá os meios de atuar como empreiteiros independentes, vendendo serviços sem sair de casa”

O relatório do workshop afirma que os temores de desindustrialização – processo que nos Estados Unidos é tratado como “exportação de empregos” para países que pagam salários menores a operários – são exagerados, porque a mudança de cenário que se avizinha “favorece a engenhosidade” e “dá grande valor à inovação contínua e ao trabalho altamente qualificado”.

“Uma mudança na direção de linhas de manufatura menores e produtos feitos sob medida para o consumidor favorece locais de trabalho adaptáveis e ágeis”, prossegue a introdução do texto, que também chama atenção para a integração cada vez maior entre projeto e manufatura e também para a participação do consumidor no processo de inovação.

Produção e consumo

Um dos participantes do workshop, Don Norman, cofundador do Grupo Nielsen Norman, disse que os consumidores estão cada vez mais envolvidos na produção de valor pelas empresas. “O modelo de um grupo de pessoas produzir e outro usar está desatualizado”, declarou. Usuários modificam produtos e os revendem, criando um círculo iterativo de valor. De acordo com ele, a mesma capacidade que hoje é evidente no mundo editorial – onde indivíduos já conseguem produzir, vender e compartilhar livros, autopublicando-se – está emergindo no mundo industrial. 

“Uma mudança na direção de linhas de manufatura menores e produtos feitos sob medida para o consumidor favorece locais de trabalho adaptáveis e ágeis”

O diretor da Darpa – agência de pesquisa e desenvolvimento do Pentágono – Ken Gabriel disse ao workshop que produção e inovação têm de andar juntas: “Para inovar, é preciso fazer”. Ele disse que é um erro pensar que a inovação consiste em ter uma grande ideia e, em seguida, passá-la adiante para que outra pessoa desenvolva e fabrique o produto, afirmando que, na história da Darpa, ficou claro que o processo nunca é tão linear, e que a geração de ideias, a criatividade, a tecnologia e a manufatura se alimentam entre si, levando a ideias melhores, melhor manufatura e melhor tecnologia. “É na manufatura, no fazer, que a criatividade e o gênio aparecem”, disse.

Outro participante, Curt Carlson, CEO do SRI International, afirmou que o a ideia de que a criação de valor é resultado de um golpe de sorte ou de um momento de inspiração representa “um mito danoso”. De acordo com Carlson, criação de valor é “algo que pode ser aprendido, provado e ensinado”. Se as competências envolvidas forem disseminadas por um “ecossistema de inovação”, acredita, a oferta de empregos tenderá a crescer.

Desafios

O setor de produção de medicamentos foi citado como um dos que terá de se reinventar diante da nova realidade de inovação contínua. 

O diretor do Centro de Biotecnologia e Estudos Interdisciplinares do Instituto Politécnico Rensselaer, John Dordick, disse que, ao mesmo tempo em que novas possibilidades tecnológicas, como a bionanotecnologia, abrem novos campos para a criação de produtos, o modelo atual de negócio, baseado na venda de medicamentos patenteados em larga escala, tende a se tornar impraticável.

Dordick lembrou que o desenvolvimento de uma única droga pode consumir até US$ 1 bilhão. Mas, à medida que a tecnologia passa a permitir a construção de moléculas individuais cada vez mais complexas, a tendência é o surgimento de uma medicina customizada, onde séries de exames determinarão o uso de medicamentos altamente específicos para a condição de cada paciente. “No futuro, as drogas vão tratar grupos cada vez menores de pessoas”, diz o relatório do workshop. “Produzir medicamentos para cada um desses grupos, usando a abordagem atual, será proibitivamente caro”.

“Transformar a indústria farmacêutica, de uma produtora de grandes volumes de um número relativamente pequeno de produtos, em uma produtora de pequenos volumes de uma enorme gama de produtos vai exigir mudanças fundamentais”, escrevem os autores do texto.

Trabalho

A rápida mudança tecnológica também vem afetando as relações de trabalho. O professor do MIT Erik Brynjolfsson disse, no workshop, que a produtividade da economia dos EUA vem aumentando ao longo dos últimos 30 anos – mas, a despeito disso, não só a renda mediana tem se mantido estável desde 2000, como o desemprego cresceu na última década.

De acordo com Brynjolfsson, as tecnologias estão mudando tão rapidamente que as competências dos trabalhadores e a estrutura das empresas não tem conseguido acompanhá-las.

O relatório afirma que os avanços da computação continuarão a provocar transformações no chão de fábrica. “Os trabalhadores terão de ser altamente treinados para usar novas tecnologias, que passarão a influenciar cada vez mais postos de trabalho”, escrevem os autores, chamando atenção, ainda, para o fato de que as novas tecnologias poderão ser usadas “em qualquer parte do mundo”.

“Escritórios, que vêm ficando cada vez menores, ficarão mais descentralizados”, diz o texto. “Um número cada vez maior de trabalhadores intelectuais terá os meios de atuar como empreiteiros independentes, vendendo serviços sem sair de casa”.

Carlson resumiu os fundamentos do sucesso numa economia de inovação nos seguintes ingredientes: ter a melhor equipe de pessoas, um produto transformativo que atenda a uma necessidade importante, um processo flexível para criar valor e um ecossistema favorável.

Luis Nassif

Luis Nassif

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