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Setor elétrico brasileiro: mimetismo e fragmentação

Por Roberto Pereira d´Araujo, do Blog Infopetro

Olhado sob uma perspectiva de dez ou até vinte anos, não se pode dizer que, atualmente, o setor elétrico brasileiro esteja estagnado ou ameaçado de um novo racionamento. Percebe-se um aumento de interrupções de grande porte, mas elas são muito mais um problema de coordenação e gestão do que de falta de investimento em geração. Também parece ser evidente que existem falhas graves na fiscalização das empresas distribuidoras que mostram um aumento do seu índice de desligamentos, além de outros defeitos ameaçadores à segurança dos cidadãos.

Mas, o que parece ser indiscutível e surpreendente é que, por alguns motivos, perdemos a vantagem comparativa da energia a preços módicos. Confrontos com sistemas de matriz energética semelhante são tão díspares, que não resistem nem às possíveis dúvidas sobre câmbios ou impostos. Ao mesmo tempo, passamos a ter uma estrutura extremamente complexa, tornando um setor de tecnologia bastante conhecida num grande mistério para a maioria das pessoas. A razão está ligada ao fato do Brasil ter passado por uma mudança profunda de paradigma em tempo recorde.

A nossa experiência não foi uma simples aplicação de uma fórmula de sucesso em outros países. A transposição exigiu uma complexa, subjetiva e ainda incompleta adaptação. Conseqüência direta, o ambiente de regulação e comercial apresenta sintomas de inquietude e instabilidade. Sendo a energia elétrica brasileira advinda de uma riqueza natural e renovável, é preocupante o surgimento de indícios de que essa complexidade possa estar ocultando a captura de vantagens não isonômicas entre consumidores. Num país com tantas carências sociais, essa é uma questão relevante. O presente artigo procura esclarecer essas polêmicas.

A singularidade evidente.

Segundo dados de 2009[1], o Brasil produziu 2% da eletricidade no mundo, numa lista onde os Estados Unidos responderam por mais de 20%. Apesar dessa participação quase marginal, a renovabilidade da nossa matriz nos coloca como um dos líderes na produção de energia advinda de fonte não fóssil, uma raridade no mundo.

Considerando apenas a hidroeletricidade, a forma renovável mais importante, o Brasil ocupa a segunda colocação (12%) com a China em primeiro (15%). O dado impressionante é que apenas seis países (China, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Rússia e Noruega) detêm quase 60% dessa forma de produção. Mesmo nesse “clube”, há outras características que nos diferenciam ainda mais. A primeira é a predominância da hidroeletricidade na matriz. Enquanto a Noruega tem 99% de sua energia de origem hídrica, o Brasil tem 82%, o Canadá 60%, a Rússia 20% e os Estados Unidos apenas 8%[2]. Essas proporções também mostram que, mesmo entre os líderes da energia hidroelétrica, há diferenças marcantes entre esses sistemas.

Afunilando ainda mais a seleção acima, há sistemas capazes de armazenar a energia primária produtora da eletricidade, a água, em quantidades significativas em relação ao consumo. Com esse filtro, sobram apenas dois sistemas: o canadense e o brasileiro. O Canadá possui reservatórios capazes de guardar quase 700 km3. O Brasil figura em segundo lugar com 500 km3. O Canadá não tem seu sistema completamente integrado, mas a província de Quebec é capaz de armazenar o equivalente a três meses da sua carga. O Brasil, com seu sistema interligado guarda cinco meses de carga. Se essas características recordes não são fatores importantes para determinar o modelo de exploração comercial dessa vantagem, o que mais seria? (…) o texto continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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