IPC-Fipe acelera alta a 0,74% em março

Jornal GGN – O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de São Paulo fechou março com alta de 0,74%, depois da alta de 0,52% em fevereiro, de acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) nesta quarta-feira (2). Na terceira quadrissemana de março, o IPC-Fipe tinha subido 0,76 por cento.

Segundo a pesquisa, o índice foi pressionado pelos preços de Alimentação, grupo de maior peso, com 0,4557 ponto percentual, após registrar alta de 2% em março, ante avanço de 0,51% no mês anterior. Transportes veio apontado logo atrás, com alta de 0,81%, representando 0,1418 ponto percentual.
A divulgação do IPC-Fipe, que mede as variações quadrissemanais dos preços às famílias de São Paulo com renda mensal entre 1 e 10 salário mínimos, é referente à primeira quadrissemana de abril e ocorrerá em 9 de abril.
Os números podem sofrer novos ajustes após o anúncio do O Comitê de Política Monetária (Copom) anuncia nesta quarta-feira sua decisão sobre a Selic, atualmente em 10,75 por cento. No geral, as expectativas são de nova elevação de 0,25 ponto percentual agora e mais uma, com a mesma intensidade, em maio.
Redação

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    Compartilhar com todos a insistência de Motta Araújo em defender seus comentários ignorantes sobre finanças públicas. Como o senhor em questão se apresenta como "historiador econômico" e autor de livros de "finanças", fica o alerta.

    Basta a simples leitura de qualquer livro introdutório de contabilidade nacional(o que o Motta Araújo, autor de livros sobre "finanças", nunca fez)para perceber o mico, o verdadeiro King Kong, que está sendo pago pelo "historiador econômico".

    Sinto falta do Nassif, o jornalista econômico, para comentar esses conceitos aventados por seu auxiliar, que se arroga a condição de especialista em assuntos financeiros, mesmo sendo completamente ignorante dos conceitos mais básicos acerca das contas nacionais. 

    Araújo, suas contradições e incoerências para tentar justificar sua inacreditável ignorância, certamente na esperança de enganar os desavisados, não resiste um minuto de contraditório. Vou refrescar sua memória.

    Em primeiro comentário, no tópico do Gunter, você disse o seguinte:

     

    Remessas de emigrantes NÃO FAZEM PARTE DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) de nenhum Pais, compõe Transações Correntes. De todo modo, o valor das remessas de imigrantes mexicanos para o Mexico nos ultimos cinco anos ficam entre US$23 a 25 bilhões de dolares po ano, o que significa nomáximo 1,35% do PIB, voce fala em percentuais que não tem o menor sentido logico.

    https://jornalggn.com.br/noticia/comparacao-do-pib-mostra-semelhancas-entre-brasil-e-mexico

    Aqui, o senhor Araújo nega que transferências unilaterais(ou, pior ainda, transações correntes) façam parte do PIB. Repetindo seu comentário:

    Remessas de emigrantes NÃO FAZEM PARTE DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) de nenhum Pais, compõe Transações Correntes. 

    Ao perceber o mico, o senhor Araújo, na maior desfaçatez, voltou atrás em sua posição inicial, em comentário nesse mesmo tópico:

    O cidadão ou cidadã, campeão de grosserias no blog, teve a cara de pau de afirmar que transferencias de imigrantes dos EUA para o Mexico, mexicanos que trabalham nos EUA remetendo dinheiro para suas familias no Mexico, constitue esta remessa parte do Produto Interno Bruto do Mexico. Se quem envia é um pedreiro, o trabalho dele foi executado nos EUA, portanto faz parte do Produto Interno Bruto dos EUA e nunca do México, pais para o qual ele efetua uma transferencia de dinheiro. Ele acha que não, que a remessa constitue PRODUTO INTERNO MEXICANO, quer dizer o produto que o remetente

    https://jornalggn.com.br/noticia/o-brasil-do-presente-e-do-passado-mas-e-o-futuro

    As remessas de imigrantes, que antes não faziam parte do PIB de "nenhum país"(Remessas de emigrantes NÃO FAZEM PARTE DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) de nenhum Pais), agora fazem parte do PIB dos EUA(Se quem envia é um pedreiro, o trabalho dele foi executado nos EUA, portanto faz parte do Produto Interno Bruto dos EUA e nunca do México), denotando sua inconsistência, fruto de sua mais completa ignorância sobre o assunto. Primeiro disse que as remessas não faziam parte do PIB de nenhum país, agora admite que elas fazem parte do PIB dos EUA.

    No entanto, seu comentário mais recente, em contradição ao comentário anterior, compartilha com este a ignorância sobre os conceitos de contabilidade nacional, pois confunde Transferências Unilaterais com Renda. Por isso postei a definição do Banco Central do México(que utiliza o padrão de contabilidade nacional desenvolvido poela ONU, mais um aspecto que o senhor, alegado autor de livros sobre finanças, desconhecia):

    Balanza de transferencias unilaterales netas

    Es el registro de los activos financieros que no tienen contraprestación entre ellos, y de las cuales se conocen dos tipos: privadas y gubernamentales. En el primer tipo de transferencias se encuentran las transferencias de emigrantes y remesas de trabajadores, los llevados por inmigrantes al exterior, y los egresos de activos financieros originados por remesas de trabajadores al resto del mundo; y la de segundo tipo comprende créditos y donaciones del gobierno de un país a otro sean otorgados o recibidos.

    http://www.banxico.org.mx/divulgacion/glosario/glosario.html

     

    Em suma, Motta Araújo é um belo exemplo de PROFESSOR DE JAVANÊS do conto de Lima Barreto, no qual um sujeito, valendo-se da ignorância das pessoas quanto ao idioma de Java, se apresenta como professor daquele idioma, enganando os desavisados. Esse é Motta Araújo, ignorante dos cocneitos mais básicos de contabilidade nacional que se apresenta como autor de livros de "finanças", enganando desavisados.

    Seriam bem-vindos os comentários do jornalista "econômico"(agora entre aspas, após os solenes elogios ao "professor de javanês financeiro")sobre os conhecimentos de seu co-host em assuntos financeiros.

    Vamos aguardar!

    • http://javanesecourses.blogsp

      http://javanesecourses.blogspot.com.br/2011/02/javanes-cursos.html

       

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      Arnaldo Nogueira Jr
      02/04/2014 - 12:05:52


      Lima Barreto

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      O homem que sabia javanês

      Lima Barreto

      Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver. Houve mesmo uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.

      O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:

      — Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo!

      — Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado!

      — Cansa-se; mas não é isso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.

      — Qual! Aqui mesmo, meu Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês?

      — Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?

      — Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.

      — Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?

      — Bebo.
      Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos, e continuei:

      — Eu tinha chegado havia pouco ao Rio e estava literalmente na miséria. Vivia fugido de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o anúncio seguinte:

      "Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas etc".

      Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir, mas entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi.

      Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e à língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo malaio-polinésio, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.

      A Enciclopédia dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras.

      Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.

      À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente. Convenci-me de que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo que não me encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:

      — Senhor Castelo, quando salda a sua conta?

      Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:

      — Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor de javanês, e... Por aí o homem interrompeu-me:

      — Que diabo vem a ser isso, Senhor Castelo?

      Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem.

      — É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?

      Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos portugueses:

      — Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos lá para os lados de Macau. E o senhor sabe disso, Senhor Castelo?

      Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.

      Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao Doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, à rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que número. É preciso não te esqueceres de que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar responder "como está o senhor"? e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.
      Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil — pode ficar certo — aprender o javanês... Fui à pé. Cheguei suadíssimo; e, com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir simpatia pela natureza...

      Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava maltratada, mas não sei por que me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza. Devia haver anos que não era pintada. As paredes descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempos, estavam desguarnecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou malcuidadas.

      Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o carrapicho tinham expulsado os tinhorões e as begônias. Os crótons continuavam, porém, a viver com a sua folhagem de cores mortiças. Bati. Custaram-me a abrir. Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelos de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento.
      Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em colar se perfilavam enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de senhoras, em bandós, com grandes leques, pareciam querer subir aos ares, enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antigüidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...

      Esperei um instante o dono da casa.Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me embora. Mesmo se não fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei.

      — Eu sou — avancei — o professor de javanês, de que o senhor disse precisar.

      — Sente-se — respondeu-me o velho. — O senhor é daqui, do Rio?

      — Não, sou de Canavieiras.

      — Como? — fez ele. — Fale um pouco alto, que sou surdo.

      — Sou de Canavieiras, na Bahia — insisti eu.

      — Onde fez os seus estudos?

      — Em São Salvador.

      — Em onde aprendeu o javanês? — indagou ele, com aquela teimosia peculiar aos velhos.

      Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de uma navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.

      — E ele acreditou? E o físico? — perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.

      — Não sou — objetei — lá muito diferente de um javanês. Estes meu cabelos corridos, duros e grossos e a minha pele basané podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço malaio... Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, até

      godos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.

      — Bem — fez o meu amigo —, continua.

      — O velho — emendei eu — ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, e pareceu que me julgava de fato filho de malaio, e perguntou-me com doçura:

      — Então está disposto a ensinar-me javanês?

      — A resposta saiu-me sem querer. Pois não.

      — O senhor há de ficar admirado — aduziu o Barão de Jacuecanga — que eu, nesta idade, ainda queira aprender qualquer coisa, mas...

      — Não tenho que admirar. Têm-se visto exemplos e exemplos muito fecundos...

      — O que eu quero, meu caro senhor...?

      — Castelo — adiantei eu.

      — O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de família. Não sei se o senhor sabe que eu sou neto do Conselheiro Albernaz, aquele que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou siamês que lho dera em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado por meu avô. Ao morrer meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este livro aqui, escrito em javanês. Disse-me que mo deu que ele evita desgraças e traz felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo caso, guarda-o; mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental se cumpra, faze com que teu filho o entenda, para que sempre a nossa raça seja feliz." Meu pai — continuou o velho barão — não acreditou muito na história; contudo guardou o livro. Às portas da morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em começo, pouco caso fiz da história do livro. Deitei-o a um canto e fabriquei minha vida. Cheguei até esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por tanto desgosto, tantas desgraças têm caído sobre a minha velhice que me lembrei do talismã da família. Tenho que o ler, que o compreender, e não quero que os meus últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para entendê-lo, é claro que preciso entender o javanês. Eis aí.

      Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou discretamente os olhos e perguntou-me se queria ver o livro. Respondi-lhe que sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e explicou-me que perdera todos os filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja prole, porém, estava reduzida a um filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.

      Veio o livro. Era um velho calhamaço, um inquarto antigo, encadernado em couro, impresso em grandes letras, em um papel amarelado e grosso. Faltava a folha do rosto e por isso não se podia ler a data da impressão. Tinha ainda umas páginas de prefácio, escritas em inglês, onde li que se tratava das histórias do príncipe Kulanga, escritor javanês de muito mérito.

      Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado aí pelo inglês, ficou tendo em alta consideração o meu saber malaio. Estive ainda folheando o cartapácio, à laia

      de quem sabe magistralmente aquela espécie de vasconço, até que afinal contratamos as condições de preço e de hora, comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.

      Dentro em pouco, dava a minha primeira lição, mas o velho não foi tão diligente quanto eu. Não conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer quatro letras. Enfim, com metade do alfabeto levamos um mês e o Senhor Barão de Jacuecanga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e desaprendia.

      A filha e o genro ( penso que até aí nada sabiam da história do livro) vieram a ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram coisa boa para distraí-lo.

      Mas com que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a admiração que o genro ficou tendo pelo professor de javanês. Que coisa única! Ele não se cansava de repetir: "É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava!"

      O marido de Dona Maria da Glória ( assim se chamava a filha do barão), era desembargador, homem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo o mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e pedira-me que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.

      Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas histórias bem tolas e impingi-as ao velhote como sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas bobagens!... Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia a seus olhos! Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado. Passava, enfim, uma vida regalada.

      Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu parente esquecido que vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a coisa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também.

      Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo de que me aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi grande, quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. — "Qual! retrucava ele. Vá, menino; você sabe javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Foi um sucesso.

      O diretor chamou os chefes de seção: "Vejam só, um homem que sabe javanês — que portento!"

      Os chefes da seção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"

      O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu sei canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.

      A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, consertou o pince-nez no nariz e perguntou: " Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês. "Bem, disse-me o ministro o senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se presta... O bom seria um consulado na Àsia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uma reforma e o senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que, para o ano, parta para Bâle, onde vai representar o Brasil no congresso de Lingüística. Estude, leia o Hove-Iacque, o Max Müller, e outros!"

      Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.

      O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao neto, quando tivesse a idade conveniente e fez-me uma deixa no testamento.

      Pus-me com afã no estudo das línguas malaio-polinésias; mas não havia meio!

      Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: Revue Anthropologique et Linguistique, Proceedings of the English-Oceanic Association, Archivo Glottologico Italiano, o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. Na rua, os informados apontavam-me, dizendo aos

      outros: "Lá vai o sujeito que sabe javanês." Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Recebia cartas dos eruditos do

      interior, os jornais citavam o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos sequiosos de entender o tal javanês. A convite da redação, escrevi, no Jornal do Commércio, um artigo de

      quatro colunas sobre a literatura javanesa antiga e moderna...

      — Como, se tu nada sabias? — interrompeu-me o atento Castro.

      — Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de dicionários e umas poucas de geografia, e depois citei a mais não poder.

      — E nunca duvidaram? — perguntou-me ainda o meu amigo.

      — Nunca. Isto é, uma vez quase fico perdido. A polícia prendeu um sujeito, um marujo, um tipo bronzeado que só falava em língua esquisita. Chamaram diversos intérpretes, ninguém o entendia. Fui também chamado, com todos os respeitos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir, mas fui afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se fez compreender com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era javanês — uf!

      Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia! Assisti à inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na seção do tupi-guarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bâle o meu retrato, notas biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente pediu-me desculpas por me ter dado aquela seção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu americano-brasileiro, me estava naturalmente indicada a seção do tupi-guarani. Aceitei as explicações e até hoje ainda não pude escrever as minhas obras sobre o javanês, para lhe mandar, conforme prometi.

      Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bâle, em Berlim, em Turim e em Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido

      pelo Senador Gorot. Custou-me toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga.

      Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o presidente da República, dias depois, convidava-me para almoçar em sua companhia.

      Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana, onde estive seis anos e para onde voltarei, a fim de aperfeiçoar os meus estudos das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia.

      — É fantástico — observou Castro, agarrando o copo de cerveja.

      — Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser?

      — Quê?

      — Bacteriologista eminente. Vamos?

      — Vamos.

      Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881 e aqui morreu em 1922. Estudou engenharia, mas interrompeu o curso e foi ser funcionário da secretaria do Ministério da Guerra. Dedicou-se, desde o tempo de estudante, às letras. Escreveu nas principais revistas de sua época, como "Fon-Fon", "Careta", "O Malho", "Brás Cubas" e muitas outras. Grande parte de sua notável obra literária foi de cunho satírico e humorístico, servindo de exemplo "Os Bruzundangas" e "Triste Fim de Policarpo Quaresma". Merecem também destaques seus romances "Recordações do Escrivão Isaias Caminha", "Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá" e "Clara dos Anjos". Deixou muitos contos, além dos constantes de seu livro "Histórias e Sonhos".

      O texto acima, que tem uma história engraçada envolvendo a revista Veja e o escritor Luis Fernando Veríssimo, foi considerado o mais ferino, malicioso e cáustico escrito por Lima Barreto. Extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", Editora Civilização Brasileira S. A. — Rio de Janeiro,1957, pág. 204.

       

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