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O caso Encol, segundo o BB da época

Recebo email de Edson Ferreira, que foi Diretor de Crédito do Banco do Brasil no caso Encol.

Em sua área, Edson teve papel relevante na recuperação de muitas empresas em dificuldades – como a Cecrisa e a própria Embraer. Com criatividade e sem o receio comum à área pública – de não correr riscos –, em vez do caminho mais fácil de liquidar empresas, adotou práticas criativas que permitiram a recuperação de empresas em dificuldades e a preservação do crédito do banco.

Dias atrás, um comentarista trouxe aqui um resumo do livro de memória de Pedro Paulo de Souza, da Encol, com acusações contra a diretoria do BB na época.

Em seu email, Edson explica a lógica da quebra da Encol.

1o. com dificuldades de enfrentar a escassez de recursos para financiamento do setor imobiliário pelo Sistema Financeiro da Habitação, a Encol empreendeu uma agressiva política de vendas e, por algum tempo, conseguiu manter desempenho superior às demais empresas do setor de construção civil;

2º. atuando alavancada com capital de giro próprio, a empresa adotou a estratégia de realizar diversos lançamentos de imóveis, com recebimento de substancial parcela dos recursos de forma antecipada. Todavia, cada vez mais, a empresa precisava efetuar novos lançamentos para viabilizar a construção de outros já lançados;

3º. o fato de seus novos projetos basearem-se em capital de giro próprio tornouse um grande problema. O ritmo imposto em sua expansão mostrou-se incompatível com a margem histórica da atividade da construção civil (oferta maior do que a capacidade de absorção do mercado) e não se refletiu em suficiente geração de caixa;

4º. como consequência, e com o intuito de manter a performance da empresa e sua visão expansionista, a Encol se viu na contingência de recorrer ao Sistema Financeiro para manter o giro dos seus negócios e tomou empréstimos em diversas instituições, com perfil de curto prazo, não suportado pelo seu fluxo de caixa/retornos, elevando sobremaneira suas despesas financeiras e tornando-a altamente dependente de recursos onerosos de curto prazo;

5º. quando assumimos a direção do BB, o problema Encol já estava criado e era gravíssimo. Ao aprofundarmos a análise técnica da situação global da empresa e das alternativas possíveis, nos defrontamos com uma situação econômico-financeira caótica, agravada por elevadas dívidas trabalhistas, fiscais e previdenciárias acumuladas, além de um enorme contencioso jurídico;

6º. criamos um Comitê Gestor, composto por funcionários de alto nível do Banco do Brasil, inclusive advogados, que passou a cuidar detalhadamente de cada passo do posicionamento do Banco, sempre decidido colegiadamente por toda a Diretoria;

7º. diante do quadro global, em nenhum momento abrimos mão da defesa intransigente dos capitais e dos interesses institucionais do Banco do Brasil.

Os argumentos são corretos. Na época escrevi sobre o tema. Pedro Paulo era um gênio na construção. Inovou no processo produtivo, criou linhas de montagem para seus empreendimentos, avançou por todo o país. Só que descuidou da parte financeira.

Criou o modelo bicicleta, no qual novos empreendimentos financiavam os anteriores. Ele não poderia parar de pedalar nunca. Quando a curva de crescimento bateu no teto e sobreveio a crise pós-desvalorização cambial, o modelo financeiro ruiu. E aí ele saiu tardiamente atrás de empréstimos, visando salvar o império.

Àquela altura, foi impossível. O tratamento dado pelo BB e por Edson Ferreira foi o mais correto possível, em defesa dos interesses do banco. Assim como ajudou a salvar empresas viáveis, constatou-se que, no caso da Encol, o buraco era tão grande que impedia operações similares às da Cecrisa.

E não havia uma Lei da Falência que permitisse salvar os ativos bons da empresa – tecnologia, estrutura de pessoal, empreendimentos – minimizando os prejuízos dos credores. Aliás, a própria quebra da Encol ajudou a acelerar o projeto da nova Lei de Falências.

Algumas colunas que escrevi sobre o tema:

07/11/2002

Momento de rever a Lei de Falências

Vou voltar a um tema relevante, que é a questão da nova Lei de Falências em discussão. Há tempos o Banco Central vem insistindo na tese de que os bancos precisam se tornar os credores preferenciais das dívidas, como forma de, reduzindo o risco, reduzir o “spread” bancário.
Essa proposta surge no mesmo momento em que autoridades financeiras internacionais tentam criar uma lei de concordatas para países, que tornem todos os credores solidários entre si em relação à dívida. A lógica é que, se houver conflito entre credores, um deles pode atrapalhar todo o processo de reestruturação de passivos, prejudicando os devedores e os demais credores.

Vamos a dois casos concretos. O primeiro, a Encol. Ao quebrar, a empresa deixou um número vastíssimo de empreendimentos incompletos e proprietários perdidos, sem saber como agir. A tentativa de retomar a construção dos empreendimentos esbarrou em dificuldades imensas, na necessidade de negociar banco a banco, cada qual pensando apenas em executar suas garantias, arriscando a perder o principal.

Se houvesse uma lei tornando todos os credores solidários entre si, a solução teria saído rapidamente, salvando parte dos créditos dos bancos e permitindo aos compradores recuperar parte do que aplicaram nos imóveis.

O caso Arapuã é outro. Dos credores, 90% aceitaram renegociar as dívidas da empresa, converter parte dos créditos em investimento e, em um gesto de reconhecimento à seriedade dos controladores, mantê-los na direção do negócio. Não se tratou de salvar patrimônio dos controladores, mas de preservar o valor de uma empresa, como garantia de emprego e de parte da dívida acumulada. Um credor apenas quase leva ao fechamento da empresa, com enorme perda de valor e de empregos.

Os bancos têm inúmeros recursos para melhorar a análise de crédito. Os sistemas de informação de crédito, tipo Serasa, criam uma argola de ferro em torno dos inadimplentes. Os nomes das empresas ou pessoas físicas que não conseguem quitar seu empréstimo bancário imediatamente são repassados aos bancos e demais empresas, isolando o devedor. Além disso, mais e mais os bancos aprimoram as análises setoriais, aprendem a lidar com truques de balanços, fora a responsabilidade que recai sobre contadores e empresas de auditoria.

Conferir o direito preferencial de recebimento aos bancos significará estimular empréstimos temerários, tornará o banco não solidário com o cliente, permitirá a um credor, por exemplo, inviabilizar completamente a recuperação de uma empresa, executando uma garantia que seja fundamental para sua operação. O banco recupera parte do seu crédito, mas à custa de uma enorme perda de valor dos ativos da empresa, já que, fechada, a empresa perde expressivamente valor, pela perda da marca, da estrutura comercial, dos fornecedores etc.

Neste momento em que dois anos seguidos de crise, mais a alta do dólar e dos juros, estão aumentando a inadimplência, concordatas e falências, mais do que nunca é dever do Legislativo apressar a votação de uma lei que preserve as empresas -não seus controladores.

Havendo a solidariedade dos credores, haverá a divisão equitativa dos sacrifícios, os credores aceitarão adaptar seus créditos à capacidade de pagamento das empresas, e, em vez de fechar a empresa devedora, haverá esforço conjunto para afastar os antigos controladores, mas preservando a empresa, seus ativos intangíveis e os empregos que gera. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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