O etanol e o samba de uma nota só da política econômica

É incompreensível a maneira como o governo Dilma Rousseff vem tratando a questão do etanol.

Nos vários planos de política industrial, um dos pontos centrais é o estímulo a setores nos quais o país tenha vantagens competitivas.

Não existe setor mais de acordo com a vocação brasileira do que o etanol:

Parte de um diferencial competitivo brasileiro, que é a produtividade da cana, os avanços tecnológicos do setor e a disponibilidade de terras.

É um produto industrializado, fugindo da maldição das commodities de baixo valor agregado.

Em que pesem os efeitos da crise mundial, é uma commodity que pode ser comercializada internacionalmente.

No entanto, o setor está sendo demolido pelo samba de uma nota só que passou a dominar a política econômica, a ênfase total no combate à inflação.

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Reajustes de preços essenciais – como os combustíveis – têm dois impactos sobre a inflação. Em períodos de reajustes generalizados de preços, podem colocar mais lenha na fogueira. Em períodos mais calmos, impactam apenas uma vez a inflação, no mês em que forem aplicados.

Por isso mesmo, em um quadro de reajustes disseminados de preços, evitam-se choques adicionais. Mas, passados esses momentos críticos, há que se trazer os preços de volta à realidade para evitar as sequelas.

Não é isso o que vem acontecendo.

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Até a crise de 2008 – e a descoberta do pré-sal – o mercado do etanol estava em franca expansão. O boom da economia mundial estimulava as campanhas pelo desenvolvimento sustentável. Os estímulos dos EUA ao etanol de milho abriam espaço para a criação de um mercado internacional. Havia planos de se avançar sobre a América Central e a África, levando não apenas o etanol, mas tecnologia agrícola, usinas, gestão agrícola e capitais.

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A crise derrubou provisoriamente o interesse internacional pelo meio ambiente e, automaticamente, pelo etanol.

Mas o combate primário à inflação fez o trabalho sujo. Para impedir pressão sobre os preços, o governo tirou a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) da gasolina e segurou os reajustes. Ora, devido à diferença energética atual, o preço do etanol deve corresponder a 75% do preço da gasolina, para ser competitivo. Com o preço da gasolina sendo contido, o etanol não conseguiu manter a competitividade.

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A medida racional seria recompor os preços assim que cessassem as pressões sobre a inflação. Não foi feito.  Havia também um conjunto de medidas compensatórias que também foram deixadas de lado.

Por exemplo, o governo Dilma concedeu incentivos extraordinários à indústria automobilística, com a isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Bastaria um IPI diferenciado para induzir o setor a desenvolver motores com um fator de paridade superior a esses 75%.

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Mas a política econômica atual sofre de uma incapacidade crônica de atuar em ambientes complexos – como o da economia. Define-se uma prioridade – o combate à inflação – e lança-se mão de qualquer medida que esteja na prateleira, sem a menor capacidade de analisar as consequências.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Nenhuma nota sobre o acucar?

    Nenhuma nota sobre o acucar? Qual eh a cotacao desse produto? O setor nao consegue se sustentar com o acucar? Hah concorrencia externa, e de quem? Eh preciso esclarecer mais coisas do que soh vocalizar o choro Nassif. Todos sabemos que segurar os precos da gasalina por muito tempo eh imprudencia. O Governo tinha sim que autorizar o aumento e nao se imprtar com os desgastes politico, afinal, tem muito boca aberta que acredita que a subida do tomate eh inflacao e nao sazonalidade de producao. Logo, nem adianta segurar a gasolina. E tambeh ha aquela coisa, a choradeira sempre haverah, mesmo que alguns choroes tenham suas dividas eternamente roladas, e qualquer tentaiva de cobranca caira sobre o guarda chuva da IMPORTANCIA DO AGRONEGOCIO SOBRE O PIB.

    • Francy, esta é outra questão

      Francy, esta é outra questão que não absolve a atitude equivocada do Governo. Não é porque alguns podem migrar parte da produção de um item para outro que o Governo deve segurar a receita de TODO um setor.

      Não são todas as usinas que tem capacidade de produzirem açucar.

      Não se deve tratar todo o setor como algo unificado.

  • Esses problemas com os

    Esses problemas com os usineiros remonta desde que o ciclo da cana de açúcar deixou de representar o principal meio de produção do país.

    Crises entre estados que querem subsídios para igualar a concorrência:

    http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2003/not20030109p11245.htm

    Imposição de cotas de produção e pesados subsídios às exportações principalmente por países europeus.

    http://www.proceedings.scielo.br/pdf/agrener/n5v1/001.pdf

    Leis são aprovadas para favorecer ao setor:

    http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=105561

    Aqui uma boa matéria de contraponto ao texto de Nassif:

    http://infopetro.wordpress.com/2011/06/20/a-solucao-para-a-crise-do-etanol-incentivos-subsidios-regulacao-ou-defesa-da-concorrencia/

     

  • O.k. mas não se pode esquecer que

    nos anos Lula o setor usou como grande argumento para obter o apoio do BNDES o seu potencial exportador.

    Houve desde agosto 2011 uma desvalorização de cerca de 40%, portanto se o setor tivesse mesmo um mercado externo ele desviaria o volume produzido para a exportação, deixando o "mico" do mercado interno para a gasolina da Petrobras. Isso não aconteceu, por que de fato o etanol brasileiro parece não ter potencial exportador, mesmo no cambio atual.

    Então, o que aconteceu de fato? E não vale falar de Petrobras por que ela não tem nada a ver com o caso? 

  • Me faz lembrar as lamúrias

    Me faz lembrar as lamúrias dos Sem Terras.

    Não existe nada mais angustiante que gente que sabe trabalhar a terra, quer trabalhar a terra, sem terra.

    Uma Reforma Agrária clássica nos anos 60, até nos anos 80 teria posto o Brasil de hoje no patamar dos EUA em termos de mercado interno maduro.

    E no entanto o governo dos trabalhadores, apesar da identidade com o MST, de não criminalizar um movimento digno e legítimo prefere gastar dinheiro com o mundo urbano. 

    Universidades, UPAs e Petrobrás.

    O fato é que se não der dinheiro no dia seguinte e pior, todo ano a pedida for renovada, não tem apoio.

    Se precisa sempre ficar aportando recursos, não é bom negócio.

    Lágrimas de crocodilo dos alcooleiros multinacionais farão menos efeito que as legítimas dop MST.

  • Quando o preço do açucar está

    Quando o preço do açucar está elevado no "mercado internacional" os usineiros largam o consumidor de etanol na mão. Agora eles choram dizendo que a política de preço da gasolina/diesel do Governo Federal/Petrobras atrapalha o negócio deles? Bricadeira tem hora.

    Além disso, hoje, as usinas mais modernas participam da cogeração de energia elétrica a partir da biomassa - bagaço de cana - com ganhos na venda para as distribuidoras.

    No contraponto, eis uma reportagem informando que o consumo do etanol - inclusive o anidro, misturado à gasolina - está em alta, e os preços do etanol assim continuarão em alta.

    (http://www.olhardireto.com.br/agro/noticias/exibir.asp?id=14886)

    O que falta nesse "mercado" é a garantia ao consumidor de que ele não será deixado na mão quando o preço do açucar for mais atrativo. Credibilidade por vezes já abalada.

    De fato, o que o usineiros querem é que não haja concentração no mercado por parte das distribuidoras, como as parcerias entre a Cosan e a Shell - formadora da Raizen. Como na chegada da Petrobras Biocombustíveis nesse negócio, pra regular os "ganhos" dos usineiros.

    Assim, a usina além produzir açucar ou etanol, ainda gera e vende energia elétrica. Realmente, um péssimo negócio.

    Resumo da ópera: choro de Senhores de Engenho.

  • Não tem nada a ver a questão

    Não tem nada a ver a questão do açucar e da exportação. O maior mercado ainda é o nacional.

    O que o Govenerno faz, simplesmente,  é limitar a receita de um setor. Obviamente que os custos não ficam limitados e também aumentam. Está sufocando o setor, qualquer um vê isso. Em qualquer área que voce limite a receita e não limite os custos isso aconteceria.

    Espero que esta política torta do Governo venha como consenso de que é uma das que devem ser mudadas.

  • Tem mais samba de uma nota

    Tem mais samba de uma nota só. A batatinha na véspera da sexta-feira santa estava custando cerca de R$ 5,00 e o azeite de oliva na oferta, R$7,50. O bacalhau do porto a R$ 29,50 custava R$ 39,00 há tres anos. Não dá para entender o que acontece com os preços nesse País. O peixe panga, que eu não compro, custa entre R$ 7,00 e 9,00. O filé de tilápia, não se consegtue por menos de R$ 23,00. O custo dos alimentos prontos está um absurdo e alguém está dominando toda a cadeia. Desde a produção até os cerca de R$ 40,00 o KG, em média. Como não existe mais sigilo e as contas são abertas, seria bom que os custos de produção fossem disponibilizados. E o que dizer do salame, qual a razão de custar R$ 45,00 enquanto o kg de carne de porco ao produtor, não deve estar chegando a R$5,00.

  • Etanol

    Escrevi sobre o tema, em fevereiro, no site de CartaCapital.

    Ninguém aí é inocente.

    Saber da importância do etanol para a economia brasileira (lembram-se do 'embaixador brasileiro dos biocombustíveis'?) é um óbvio que ficou meio duvidoso quando, logo após a crise 2007/08, o setor sucroenergético parou de investir.

    Ajudou-o na decisão o perrengue indiano com o açúcar e os preços externos edulcicaram o direcionamento da cana brasileira. Até aí ninguém reclamou, pois as burras se enchiam.

    Poderiam assim continuar, com um pé em cada barco, mas aí vem a besteira do governo Dilma a dar-lhes razão, segurando o preço da gasolina. Que não se pense que não o fazendo, a situação do setor iria mudar tanto assim. Mas estaria melhor.

    Roberto Rodrigues, como presidente do conselho da Unica, poderá oxigenar o debate, mas o setor, realmente, perdeu alguns passos na caminhada que parecia gloriosa, embora com uma concentração - que se temia - que nada fica a dever à hoje folclórica "Sete Irmãs do Petróleo".

    Não temam: os grandões daqui estão se diversificando em ritmo acelerado. Salvar-se-ão todos.

    • interesses economicos

      Esse setor quando está com preço bom do açucar internacional redireciona sua produção para o açucar e deixa o mercado de etanol na mão. Agora quer incentivo. nassif deveria ter colocado isso no seu texto.

      • Primeiro que não são todas as

        Primeiro que não são todas as usinas que podem produzir 100% açucar ou 100% etanol, aliás, não sei se existe usina capaz de fazer isso, 100%. Tem usina que nem açucar produz.

        Segundo, uma coisa não tem nada a ver com a outra. É uma especificidade do setor  a possibilidade de dupla produtividade o que não tem nada a ver com o Governo limitar a receita do setor, quando os custos não ficam limitados.

        Imagina voce com uma empresa que tenha preços dos produtos limitados, mas o salários, os insumos, o aluguel, etc, etc, subissem todo ano. Como que fica ? É óbvio que estão sufocando o setor e isso tem que parar ;

  • Combustíveis alternativos

    O Governo demonstra que esta dando um tiro no próprio pé, segurando o preço da gasolina e não dando o respaldo devido ao etanol. Se todos sentem que o Governo esta sufocando o etanol o que dirá do Gás Natural, o Governo simplesmente esqueceu deste segmento, inclusive se escuta que por falta de redes de distribuição existem pontos simplesmente "queimando ao ar livre" um combustivel que poderia e muito ajudar neste momento. Veja o Estado de SP que deveria estar passos a frente e ainda se quer atualizou a Lei de redução da aliquota do veículo convertido a GNV, a Lei é tão antiga que na época não existia o carro flex, então por força da própria Lei que exclui o carro flex, desmotiva ainda mais o processo de conversão, sem contar que o RJ e PR oferecem 75% de redução na aliquota do IPVA, quanto SP apenas falava em 25% e exclui o carro flex deste beneficio, justamente um Estado que deveria estar muito focado neste combustivel alternativo que além de tudo poluem menos e tem rendimento até melhor que a própria gasolina. Atenciosamente,Martin Eman

     

  • beneficio

    Alem desses argumentos sobre a esperteza dos usineiros ,há um outro dado importante em favor deles ,o carro flex em 1986 tinha um monza a alcool que fazia 7 km/l na cidade e 9 km/l na estrada .Fato os motores a gasolina tiveram nos ultimos trinta anos um notavel avanço de aproveitameto energetico,quem dispõe de +$ para  ter um atomovel importado a gsolina fica impressionado com a diferença de consumo com os nossos flex,se nos quisermos um automovel movido exclusivaente a gasolina não podemos comprar graças ao poderoso lobby dos usineiros.

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