O desafio de monitorar a propaganda eleitoral

Um dos grandes desafios da justiça eleitoral será separar corretamente os conceitos de liberdade de expressão da propaganda eleitoral propriamente dito, nesses tempos de intensa partidarização dos grupos de mídia e de polarização das redes sociais.

A legislação eleitoral é pré-Internet. Trata como propaganda apenas a publicidade paga – anúncios etc. Todo o restante entra no terreno fluido da liberdade de expressão.

Ocorre que os tribunais, de maneira geral, continuam presos ao conceito de mídia existente na origem da democracia norte-americana. Não assimilaram sequer a formação dos “grupos de mídia”, filhos dos avanços tecnológicos do século 20, que promoveram uma concentração nociva no mercado de opinião.

No caso brasileiro, o entendimento do Judiciário é mais precário ainda. Uma discussão mais aprofundada sobre o tema não pode deixar de lado as seguintes análises.

1. A lógica e o poder dos grupos de mídia

Grupos de mídia produzem material jornalístico, de entretenimento, de marketing, tem interesses econômicos, participam de guerras comerciais e guerras políticas.

Nas guerras políticas e empresariais, especialmente em mercados com concentração de poder, como o brasileiro, as armas são mortíferas.

Dispõem das armas da cooptação, a capacidade de criar e promover pessoas comuns ao status de celebridades –artistas de novelas, cantores, colunistas, VIPs, juristas, intelectuais e personalidades em geral. A abertura de holofotes é um poderoso estimulador de adesões. Consegue tirar do ostracismo artistas esquecidos, roqueiros ignorados, abrindo para eles um enorme mercado de shows, palestras, campanhas publicitárias, peças de teatros, novas gravações ou a mera contratação das “celebridades” para dourar festas privadas.

Como contrapartida, valem-se do capital público dos cooptados para atuarem politicamente no mercado de ideias. Não dá para analisar a atividade política de uma, digamos, Rede Globo, sem somar aos comentaristas o papel dos apresentadores, dos humoristas, enfim o conteúdo total do grupo, do jornalismo ao entretenimento, especialmente se atuando de maneira sincronizada, com determinado objetivo político.

Na outra ponta, valem-se da capacidade de destruir reputações. O alvo de um assassinato de reputação enfrentará problemas na sua vida pessoal, profissional, ficará marcado nas rodas sociais. O mais forte dos adversários terá dificuldades em enfrentar uma campanha em que sua esposa, pais, filhos são afetados pelo extremo poder de retaliação de um grupo de mídia.

Todo esse enorme poder de fogo costuma ser ignorado pelo Judiciário e Ministério Público, que acabam por colocar debaixo do guarda-chuva genérico da liberdade de expressão os piores abusos.       

Mas tem que receber o mesmo tratamento e ser submetido às mesmas limitações da propaganda de governo.

2. O conceito da propaganda negativa.

A legislação eleitoral entende bem o conceito da propaganda negativa – a maneira de ridicularizar um dos lados para beneficiar o outro. Mas não consegue aplicar esse conceito nos abusos da imprensa, especialmente na espetacularização das denúncias ou nas falsas denúncias propriamente ditas.

Tome-se a campanha de 2010. Alguns episódios de que me lembro de cabeça:

1.     Matéria de Veja com os US$ 200 mil que teriam sido entregues em um envelope no Palácio do Planalto.

2.     Matéria de Veja com o tal lobista que teria jantado com Erenice Guerra que supostamente teria pedido R$ 5 milhões a mando de Dilma Rousseff.

3.     O tal empresário de reputação ilibada – que tinha acabado de sair da cadeia, preso por estelionato – que garantiu que não obteve um financiamento de R$ 7 bilhões para uma firmeca de Campinas por ter se recusado a pagar propina de R$ 5 milhões.

Todas elas denúncias falsas, algumas inverossímeis – como a do tal empresário e o financiamento do BNDES. No entanto, foram tratadas como reportagens, colocadas no guarda-chuva da liberdade de imprensa pela douta procuradora eleitoral Sandra Cureau.

Aí, uma reportagem da Carta Capital, chegando a um público infinitamente menor do que a soma dos jornalões mais o Jornal Nacional, mereceu uma representação de dona Sandra.

Quem a conhece atesta ser uma pessoas séria, bem intencionada, além de excelente figura humana. Mas tinha um grau de conhecimento mínimo sobre o mercado de opinião. Para ela, o que provinha do establishment – os grandes grupos – era jornalismo; o que saia nos pequenos contrapontos, propaganda partidária.

Além disso, passou ao largo da guerra nas redes sociais.

Em 2010, apenas José Serra atuou profissionalmente nas redes sociais. Este ano, pelo que se noticia, PT e PSDB estão montando estruturas mais sofisticadas.

Como separar a liberdade de opinião das campanhas difamatórias estruturadas?

Não será possível tratar com o automatismo utilizado pela procuradora. Haverá necessidade de enorme discernimento para impedir a repetição do esgoto que jorrou pelas redes em 2010. E rapidez nos julgamentos para permitir aos prejudicados direito de resposta imediato.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Excelentes ponderações que

    Excelentes ponderações que penso, infelizmente, não terão o mínimo eco nos operadores estatais do Direito (juízes e promotores), haja vista seu conservadorismo renitente no entendimento do que é o Direito (dinâmico, vivo, flexível às circunstâncias sociais e tecnológicas).

    Será mais do mesmo com a "liberdade de imprensa" utilizada como argumento absoluto e cínico  para fazer campanha eleitoral aberta favorável ao PSDB, Aécio Neves, Alckmin e demais candidatos que representem a oposição ao PT e ao Governo Federal. 

    Qual Juiz ou Promotor se atreverá a colocar freios na Folha, no O Globo, na Globo ou na Veja sob o risco de ter sua vida destruída, mesmo sabendo que a legislação eleitoral está ultrapassada?

    Precisará de muita coragem. E quando o Direito depende da coragem do operador, sabemos que o direito pode naufragar.

  • Penso que vai continuar ruim do mesmo jeito

    Fora que a Mídia e o PT junto com o PSDB interditaram temas que são tabu nas campanhas.

    A justiça provavelmente irá interditar estes temas também.

    Nâo existe hoje, em 2014 no Brasil, espaço para o debate.

    Tai a Candidatura invisível da Denise Abreu, com mais de 15% de preferência na Net.

    Na verdade só uma revolução feita por brasileiros sem cara e sem rótulos para por abaixo este sistema viciado contra o povo e a Nação.

    Acorda, Brasil!

    • 247 - O jornal Folha de S.

      247 - O jornal Folha de S. Paulo obteve na Justiça Eleitoral do Rio uma liminar que lhe dá direito a manter na internet uma coluna escrita pelo presidenciável tucano Aécio Neves, e ex-colunista do jornal.

      O juiz Flávio Willeman, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, afirmou em decisão provisória que retirar a coluna da internet "seria uma restrição direta à liberdade de informação jornalística". Na última semana, o juiz Guilherme Pedrosa Lopes, do mesmo TRE do Rio, determinou que a Folha retirasse da internet uma coluna escrita por Aécio Neves. O texto foi publicado no dia 26 de maio.

      De acordo com a decisão do magistrado, a Folha realizou propaganda eleitoral antecipada na coluna "O fim da miséria", em que Aécio relata as "visões" e os "compromissos" do PSDB para combater as desigualdades sociais (o textoaqui).

      Uma denúncia anônima foi encaminhada ao setor de fiscalização do TRE-RJ, um dia depois da publicação da coluna, pedindo a punição do senador por ele usar o jornal para fazer propaganda eleitoral antecipada.

      A Folha obteve a liminar que lhe permite manter a coluna em seu site após ingressar na Justiça Eleitoral do Rio com um mandado de segurança. O mérito da ação ainda não foi analisado.

  • O "sistema judicial" protege o PSDB e seus jornais.

    Do site brasil 247:

    FOLHA CONSEGUE NA JUSTIÇA MANTER COLUNA DE AÉCIO

    Folha de S. Paulo obteve na Justiça Eleitoral do Rio uma liminar que lhe dá direito a manter na internet uma coluna escrita pelo presidenciável tucano Aécio Neves, e ex-colunista do jornal; juiz Flávio Willeman, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, afirmou em decisão provisória que retirar a coluna da internet "seria uma restrição direta à liberdade de informação jornalística"; na última semana, o juiz Guilherme Pedrosa Lopes, do mesmo TRE do Rio, determinou que a Folha retirasse da internet uma coluna escrita por Aécio Neves; texto relata as "visões" e os "compromissos" do PSDB para combater as desigualdades sociais

    20 DE JUNHO DE 2014 ÀS 21:04

    247 - O jornal Folha de S. Paulo obteve na Justiça Eleitoral do Rio uma liminar que lhe dá direito a manter na internet uma coluna escrita pelo presidenciável tucano Aécio Neves, e ex-colunista do jornal.

    O juiz Flávio Willeman, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, afirmou em decisão provisória que retirar a coluna da internet "seria uma restrição direta à liberdade de informação jornalística". Na última semana, o juiz Guilherme Pedrosa Lopes, do mesmo TRE do Rio, determinou que a Folha retirasse da internet uma coluna escrita por Aécio Neves. O texto foi publicado no dia 26 de maio.

    De acordo com a decisão do magistrado, a Folha realizou propaganda eleitoral antecipada na coluna "O fim da miséria", em que Aécio relata as "visões" e os "compromissos" do PSDB para combater as desigualdades sociais (o texto aqui).

    Uma denúncia anônima foi encaminhada ao setor de fiscalização do TRE-RJ, um dia depois da publicação da coluna, pedindo a punição do senador por ele usar o jornal para fazer propaganda eleitoral antecipada.

    A Folha obteve a liminar que lhe permite manter a coluna em seu site após ingressar na Justiça Eleitoral do Rio com um mandado de segurança. O mérito da ação ainda não foi analisado.

  • Nassif, da uma olhada nesta:

    Nassif, da uma olhada nesta: veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/06/19/o-conti-do-vigario-entrevista-com-falso-felipao-gera-erramos-no-globo-e-na-folha-mario-sergio-conti-catador-de-errinhos-no-livro-dirceu-comeu-barriga-de-novo/ O pobre do Mario Sergio Conti, depois daquelo erro monumental de ontem, que afinal ninguem esta livre de erros, esta sendo perseguido 'a direita e 'a esquerda. Pela direita porque falou mal do livro do Ze dirceu (que era um merda mesmo). E de outro lado, pq comparou o livro sobre Dirceu ao Privataria Tucana. Ver reportagem do viomundo. Esta um tanto menos rasteira, mas ao meu ver, desnecessaria. Na minha opiniao: se o cara errou, errou, qq um erra. Vai ficar marcado infelizmente, obvio, mas foi honesto, reconheceu o erro logo que percebeu. Ja a veja torce e distorce pra dizer q afinal eram so alguns errinhos bobos no livro do Dirceu, nas que nao comprometiam a historia como um todo, o que sabemos nao ser verdade. Na minha opiniao ja se configura tentativa de assassinato de reputacao.

  • Nesse verdadeiro fla-flu que

    Nesse verdadeiro fla-flu que tem dominado as discussões(não debates,discussões mesmo) políticas atualmente,suas reflexões são um balsamo pra minha cabeça tão cançada de porradas de todos os lados.De antemão quero dizer que voto no PT desde 1989, estou satisfeita com os quase 12 anos de PT no poder,mas mesmo bons governos e governantes são passíveis de crítica,até porque penso que as críticas contribuem para o aprimoramento.Uma visão isenta,ou o que é possível um ser humano ser isento,garante credibilidade, resgata os fatos,tão esquecidos pelos jornalões nativos  e sobretudo reabilita o bom jornalismo,tb lascadinho nos últimos tempos.

  • Nesse verdadeiro fla-flu que

    Nesse verdadeiro fla-flu que tem dominado as discussões(não debates,discussões mesmo) políticas atualmente,suas reflexões são um balsamo pra minha cabeça tão cançada de porradas de todos os lados.De antemão quero dizer que voto no PT desde 1989, estou satisfeita com os quase 12 anos de PT no poder,mas mesmo bons governos e governantes são passíveis de crítica,até porque penso que as críticas contribuem para o aprimoramento.Uma visão isenta,ou o que é possível um ser humano ser isento,garante credibilidade, resgata os fatos,tão esquecidos pelos jornalões nativos  e sobretudo reabilita o bom jornalismo,tb lascadinho nos últimos tempos.

  • Em 2010, apenas José Serra

    Em 2010, apenas José Serra atuou profissionalmente nas redes sociais. Este ano, pelo que se noticia, PT e PSDB estão montando estruturas mais sofisticadas.

    A campanha do PSDB na internet já está funcionando a todo vapor.

    No Facebook, por exemplo, a Folha levanta a bola com uma manchete marota ou simplesmente mentirosa, e vem aquela enxurrada de comentários visivelmente artificiais. Me lembro de ter visto "notícia" da Folha com mais de 3.000 comentários, 99,99% ofendendo DIlma, Lula e o PT, chegando ao cúmulo de mandar matar, etc.

    O PT, pra variar, não sabe aproveitar os militantes e simpatizantes que possui. É simplesmente impossível para alguns poucos gatos pingados contrabalançar a enxurrada de ódio vindo dos adversários do PT (que muitas vezes se declaram "apartidários", ou que é "tudo farinha do mesmo saco".)

    Quanto judiciário e o mp eleitorais, não espero mais nada de bom deles. Pelo jeito que começou dona Laurita vai ser uma outra dona Sandra.

  • 247 - O jornal Folha de S.

    247 - O jornal Folha de S. Paulo obteve na Justiça Eleitoral do Rio uma liminar que lhe dá direito a manter na internet uma coluna escrita pelo presidenciável tucano Aécio Neves, e ex-colunista do jornal.

    O juiz Flávio Willeman, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, afirmou em decisão provisória que retirar a coluna da internet "seria uma restrição direta à liberdade de informação jornalística". Na última semana, o juiz Guilherme Pedrosa Lopes, do mesmo TRE do Rio, determinou que a Folha retirasse da internet uma coluna escrita por Aécio Neves. O texto foi publicado no dia 26 de maio.

    De acordo com a decisão do magistrado, a Folha realizou propaganda eleitoral antecipada na coluna "O fim da miséria", em que Aécio relata as "visões" e os "compromissos" do PSDB para combater as desigualdades sociais (o textoaqui).

    Uma denúncia anônima foi encaminhada ao setor de fiscalização do TRE-RJ, um dia depois da publicação da coluna, pedindo a punição do senador por ele usar o jornal para fazer propaganda eleitoral antecipada.

    A Folha obteve a liminar que lhe permite manter a coluna em seu site após ingressar na Justiça Eleitoral do Rio com um mandado de segurança. O mérito da ação ainda não foi analisado.

     

    • Nassif,
       
      A Folha obteve o

      Nassif,

       

      A Folha obteve o direito de continuar a fazer campanha partidária pró Aécio e pró PSDB  com a anuência do judiciário.

      Era o que eu falava. Fora o alinhamento do MP e do Judiciário através dos seus operadores às teses do PSDB.

      Juízes e promotores são provenientes da classe média alta de forma geral.

      São leitores da Veja, Estadão, UOL, Globo News e Folha. O conservadorismo deles é renitente em sua visão do Direito e da dinâmica social brasileira.

      Raros são os promotores e juízes com visão social, arejada e leitores de analistas que consideram que há uma mudança dramática no país e com oposição virulenta de setores que antes consideravam o Brasil sua capitania hereditária.

      Os concursos para juízes e promotores fazem o serviço para manter esses operadores do Direito alinhados com as teses mais conservadoras do Brasil.

      • Afora a renitente corrupção

        Afora a renitente corrupção no poder judiciário em geral. Note-se que corrupção não necessarimente é uma coisa exógena, de fora para dentro. Ela também e exercida endógenamente, na criação e manutenção de absurdos privilégios indevidos e através de um patrimonialismo que transparece cheio de aneis coloridos, ternos importados e adereços de ouro. Frequente-se um forum e veja-se, qualquer forum. Evidentemente com as excessões de praxe.

  • Na verdade, a questão é

    Na verdade, a questão é simples e cristalina, mas, os interesses "privados" levam à (in)justiça. O poder da mídia é tão grande (ainda), que a maioria dos juízes e dos tribunais não querem nem saber em contraditá-los. São vergonhosos os casos de propaganda eleitoral antecipada para as quais os MPE não estão nem aí. Veja-se o acontecido hoje em Santa Catarina: o atual governador firmou carta, em nome do seu partido (PSD, no qual nem ao menos integra o diretório estadual), convidando outros partidos para se coligarem em sua campanha de reeleição, como governador do Estado, ou seja, usou seu cargo público para fazer propaganda eleitoral: improbidade administrativa, uso da máquina pública e propaganda antecipada. Irá ter alguma ressonância na justiça? Nem que as ostras tussam...

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