A transição energética e o papel dos Estados nacionais, por Marcelo Colomer

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Enviado por Ronaldo Bicalho

Do Blog Infopetro

A transição energética e o papel dos Estados nacionais

por Marcelo Colomer

“O processo de transição energética depende não somente de que os Estados nacionais o percebam como um fator determinante da segurança de abastecimento no longo prazo, mas também de que a sociedade esteja disposta a incorrer nos custos a ele associados. Esses custos, geralmente, não incidem de forma homogênea entre os diferentes agentes econômicos, daí que todo o processo de transição energética acarreta realocação do excedente econômico e, consequentemente, redefinição da estrutura de poder político da sociedade.”

O avanço das mudanças climáticas e a crescente preocupação com as questões ambientais têm colocado o conceito de transição energética no centro do debate sobre o futuro das indústrias de energia. Associado normalmente às mudanças necessárias no caminho para uma matriz energética limpa e sustentável, o conceito de transição energética apresenta um espectro mais amplo de transformações sociais, políticas e econômicas.

 

No início da década de 1990, analisava-se a transição energética como um movimento de substituição das fontes tradicionais de biomassa (lenha, carvão vegetal e demais resíduos vegetais) para os combustíveis modernos (eletricidade, derivados de petróleo e gás natural) em países em desenvolvimento. O crescimento da produção industrial, a expansão dos sistemas de transporte e a aceleração do processo de urbanização forçaram, nesses países, a transição das formas de energia tradicionais, baseadas na biomassa, para as fontes de energia baseadas em recursos fósseis. É por esse motivo que, em geral, associa-se o processo de transição energética ao processo de desenvolvimento econômico dos países (Leach, 1992).

No entanto, segundo Solomon & Krishna (2011), a ideia de uma transição energética global em larga escala é difícil de ser sustentada e verificada na prática. Isso porque os fatores locais e regionais apresentam uma grande influência sobre as escolhas das diferentes sociedades sobre suas fontes energéticas. A oferta e disponibilidade local de energia, a elevada dispersão geográfica dos custos de produção, as externalidades criadas pelo uso de cada fonte energética, o desenvolvimento de novas formas de produção (desenvolvimento de novas tecnologias), o aumento da eficiência energética e mesmo a força política dos diferentes players são fatores determinantes de mudanças na matriz energética de cada país.

Nesse contexto, não se deve esperar que as respostas de cada país aos desafios impostos pelas mudanças climáticas sejam iguais. Na década de 70, por exemplo, as mudanças no sistema energético mundial, trazidas pelo choque dos preços do petróleo, ensejou diferentes mudanças na matriz energética de cada país. Diferentes soluções foram encontradas pelos países consumidores de petróleo.

O embargo árabe ao fornecimento de petróleo aos países ocidentais em 1973/74 elevou o preço do barril no mercado internacional em 70% (Yergin, 1991) trazendo sérios impactos econômicos para as nações importadoras de petróleo. Nesse contexto, diversos países adotaram políticas de substituição energética de forma a reduzir a dependência estrutural das importações de combustíveis fósseis.

No caso brasileiro, a tradição nacional na produção de cana-de-açúcar, as vastas extensões de solo agricultável e as experiências anteriores de uso do bioetanol no setor automotivo levaram o país a desenvolver um agressivo programa de substituição das importações de gasolina pela produção nacional de etanol de cana-de-açúcar. Denominado Proálcool, o programa de substituição energética no setor de transporte teve forte orientação do Estado brasileiro. Primeiramente através das garantias de aquisição de uma quantidade anual de etanol pela Petrobras. Em segundo lugar através da concessão de crédito subsidiado do Banco do Brasil para os produtores de etanol. A terceira ação de política pública foi o controle do preço dos combustíveis de forma a manter o preço do etanol em 59% do preço da gasolina.

O Proálcool logrou enorme sucesso aumentando a produção de etanol de 0,9 bilhões de litros em 1975 para 27 bilhões em 2009 (Gee & McMeekin, 2011). As economias provenientes da redução das importações de petróleo entre 1975 e 2000, fruto da substituição energética no setor de transporte, foram de 43 bilhões de dólares (Goldemberg & Lucon, 2004).

No mesmo período, como reação ao aumento dos preços do barril de petróleo, a França deu início a um agressivo processo de substituição energética no setor de geração de energia elétrica. Entre 1971 e 2001, 58 reatores nucleares foram construídos em território francês. A produção de energia nuclear cresceu de 5 milhões de toneladas de óleo equivalente (Mtoe), em 1971, para 100 de Mtoe em 2008 (International Energy Agency, 2010), correspondendo a 43% do consumo de energia na França.

Assim como no caso brasileiro, o Estado teve uma grande importância no processo de substituição energética francesa. A EDF (Électricité de France) ofereceu um grande suporte ao programa nuclear francês através do financiamento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico e a concessão de subsídios às plantas de produção de energia nuclear em suas fases iniciais de produção.

A literatura sobre transição energética é crítica ao papel do Estado no desenvolvimento de trajetórias sustentáveis de transição energética. No entanto, a análise dos casos brasileiro e francês, feita por GEE e MCMEEKIN (2011), mostra a importância que as políticas públicas tiveram sobre as mudanças na matriz energética de cada país. No caso brasileiro, por exemplo, o governo não só ofereceu subsídios para a indústria de cana-de-açúcar como também financiou a pesquisa e desenvolvimento no setor. Mesmo com a queda no consumo de etanol verificada nas décadas de 80 e 90, pode-se afirmar que atualmente há uma cultura do etanol consolidada na sociedade brasileira.

No caso francês, o governo obteve sucesso na sua política de transição energética através de inúmeros mecanismos. A EDF não somente investiu no setor de energia nuclear como também concedeu subsídios aos produtores independentes. Ademais, a EDF foi importante na definição dos padrões dos reatores e nas campanhas publicitárias em prol da energia nuclear.

Recentemente, já no contexto de transição energética para uma matriz limpa e sustentável, a Alemanha vem se destacando no que diz respeito às políticas públicas voltadas para a transição energética. Na década de 70, o país, assim como a França, priorizou o desenvolvimento de um setor de geração elétrica baseado no carvão e na energia nuclear. Na década de 80, no entanto, o modelo elétrico alemão começou a ser questionado, principalmente após o acidente de Chernobyl (1986), de forma que o poder político dos grandes grupos empresariais do setor de energia (RWE, EnBW e Vanttenfall) começou a diminuir.

Nesse contexto, nas últimas décadas, o governo alemão, puxado pela sociedade civil, empreendeu um elevado esforço político para eliminação da energia nuclear e descarbonização da matriz energética nacional. Em 1990, foi aprovada na Alemanha uma lei instituindo as tarifas feed-in no setor de geração elétrica. Sob o novo arcabouço legal, as utilities de energia elétrica passaram a ter a obrigação de garantir aos produtores privados de energia renovável (não pertencentes às utilities) acesso à rede e preços capazes de viabilizar financeiramente seus projetos de expansão.

Em 2000, a coalizão entre o Partido Social Democrata e o Partido Verde aprovou a Lei das Fontes de Energia Renováveis (EEG, em alemão), consolidando a base da política de transição energética alemã nas décadas subsequentes. Apesar das duras críticas do Partido Conservador e da própria Comissão Europeia, o governo alemão manteve o sistema de tarifas diferenciadas com o intuito de apoiar as novas tecnologias de geração renovável e acelerar a curva de aprendizado. 

(…) continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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