Entenda

Moedas eletrônicas e a revolução monetária (1/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Moedas eletrônicas e a revolução monetária (1/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Está série divide-se em três capítulos. No primeiro, apresentam-se os conceitos básicos; no segundo, discute-se a transformação das moedas como conhecemos nas  eletrônicas; no terceiro, a questão são as possíveis consequências para a economia mundial.

Antes de começar qualquer discussão acerca de moedas digitais, é preciso entender dois conceitos, tokin e blockchain. Dos dois conceitos, deriva um terceiro, o de smart contracts. Antes de começar, justificam-se termos em inglês? Tokin pode ser aquela moedinha que se punha nas catracas de metrô de new York, também se diz das antigas fichas de telefone, que nunca foram populares nos Estados Unidos. Em ambos os casos, o tokin representa uma transação com começo, meio e fim, tal e qual uma viagem de metrô com embarque, suas conexões e desembarque, quando o usuário passa pela roleta de saída. Então, tokin pode ser traduzido como ficha.

Blockchain corresponde ao registro de uma operação, como se fosse um lançamento do livro razão. Esse lançamento tem uma característica obrigatória, contém um — e um só — lançamento de crédito, que corresponde a origem dos recursos. Débitos podem ser tantos quantos destinos houver para os recursos recebidos, resguardando a máxima contábil de que todos os lançamentos precisam manter a igualdade entre débitos e créditos. Suponha-se que fulano dê a Cicrano R$100,00 para pagar duas contas, R$60,00 para a de luz e R$40,00 para a de telefone. Credita-se Fulano por R$100,00 e debita-se Cicrano por R$100,00; então, no lançamento seguinte, credita-se Cicrano por R$100,00, debita-se a luz por R$60,00 e debita-se água por R$40,00.

A necessidade de haver somente um crédito está relacionada com a capacidade de rastreio, ou seja, a possibilidade de percorrer-se as transações no caminho inverso do de suas ocorrências, até a sua gênese. No caso acima, podemos partir, independentemente da ordem, da luz ou da água e sempre chegaremos a fulano. Esses lançamentos são sempre em arquivo de texto e públicos, tal que qualquer um os possa ler, mas não alterar. Para evitar adulterações, usa-se o #256, que é um algoritmo formado por todos os caracteres contidos no texto. Esse é o rodapé do arquivo de origem, bem como o cabeçalho do arquivo subsequente, garantindo a cadeia de lançamentos. Assim, caso um só deles seja alterado, a cadeia se quebra porque o #256 já não será o mesmo nos arquivos de origem e destino.

Outra característica, que deriva do exposto no parágrafo anterior é que os lançamentos caminham sempre na mesma direção, como um vetor. Não existem lançamentos à posteriori. Se algum ajuste tiver de ser feito, que o seja via lançamento na data de sua ocorrência, o que torna muito mais rígido o controle. Dessa forma, um smart contract não passa de uma série de transações futuras, numa cadeia de lançamentos atrelados a um tokin. No exemplo de Fulano e Cicrano, o contrato tem duas etapas e três obrigações; o primeiro tem a obrigação de fornecer  recursos, enquanto o segundo se obriga a pagar as contas. Na medida em que ocorram, o contrato valida as etapas vencidas e cumpridas, até que não haja nenhuma obrigação em aberto, quando então o tokin perde sua validade. Se alguma obrigação não se realizar, será automaticamente criado um novo contrato, eliminando as etapas cumpridas e mantendo as obrigações em aberto, gerando um novo tokin e extinguindo o anterior. Supondo que Cicrano não pague a conta de água, automaticamente, credita-se cicrano e debita-se Fulano por R$40,00, dando fim ao primeiro tokin; ao mesmo tempo, como Cicrano ainda tem a obrigação de pagar a conta de água, cria-se um novo contrato, creditando Fulano por R$40,00 e debitando Cicrano pelo mesmo valor, mantendo-se a obrigação de quitar a conta. Tudo isso acontece automaticamente, sem interferência humana.

Traduzir como “contratos inteligentes” não representa o real sentido do termo. Talvez, o melhor sentido seja contratos autoajustáveis, ou contratos autoconferíveis. É tão complicado que é melhor deixar em inglês mesmo e aportuguesar, como já aconteceu  com tantos outros empréstimos linguísticos.

Marx diria que o capitalismo impôs o ritmo das máquinas ao trabalhador, que se torna adjacentes a elas. A revolução que se nos apresenta com as moedas eletrônicas nos põe a mercê delas até mesmo nos negócios.

As moedas eletrônicas são consequência de uma tecnologia que se vem apurando há trinta anos, mas que só veio encontrar capacidade computacional agora. Pode-se dizer que todas as criptomoedas são eletrônicas, mas nem todas as moedas eletrônicas são criptomoedas, como veremos no próximo capítulo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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