Eleições 2020: disputa democrata já começou, por Tatiana Teixeira

do Observatório Político dos Estados Unidos – OPEU
Eleições 2020: disputa democrata já começou
Por Tatiana Teixeira

A vitória na Câmara de Representantes nas midterms de novembro de 2018 e os mínimos históricos de aprovação (menos de 40%) registrados por um presidente ainda sob escrutínio do FBI (a Polícia Federal americana) continuam a embalar ânimos e esperanças democratas. Seus presidenciáveis já estão a pleno vapor nas ruas, aumentando o ritmo do corpo a corpo com o eleitor e a intensidade das críticas ao governo. Além da extensa lista de pré-candidatos, entre confirmados e potenciais nomes, o “fator Trump” ainda influencia dois fenômenos observados nestas últimas eleições de meio de mandato: o grande número de mulheres, assim como de políticos de perfil mais progressista, dispostos a desafiar o republicano nas urnas em 2020.

Os presidenciáveis democratas

Dos nomes confirmados até o momento, a ex-procuradora geral da Califórnia e senadora Kamala Harris (D-CA), de 54 anos (foto), é uma das que mais tem mantido uma agenda ativa de eventos. Ganhou mais visibilidade na dura sabatina no Senado ao último indicado de Donald Trump à Suprema Corte, o juiz Brett Kavanaugh. Já recebeu alguns apoios desde o anúncio de sua pré-candidatura em Oakland, incluindo a representante Barbara Lee (D-CA), o governador da Califórnia, o democrata Gavin Newsom (D), e a defensora dos direitos civis dos hispânicos Dolores Huerta.

O ex-vice-presidente Joe Biden, de 76, ainda não anunciou oficialmente se está no páreo para as eleições de 2020, mas tem aparecido como o mais bem colocado na maioria das pesquisas. A idade é um ponto fraco (ele terá 78 anos na posse, em 2021). Já disputou a Presidência duas vezes. Alguns de seus registros de votação como senador (D-DE), incluindo seu apoio à guerra no Iraque, podem ser considerados problemáticos, sobretudo, entre os eleitores mais jovens. Hillary Clinton sabe disso. Já o período na Casa Branca e seu perfil de político acessível e afável, com penetração especialmente na classe trabalhadora, são vistos como aspectos positivos.

Nacionalmente conhecido depois de enfrentar com uma agenda à esquerda a candidatura até então dada como certa de Hillary em 2016, o senador Bernie Sanders (I-VT), de 77, também está na corrida. Nas pesquisas de intenção para as eleições de 2020, tem aparecido atrás de Joe Biden. Enfrentará, possivelmente, o rancor dos eleitores da ex-senadora e ex-secretária de Estado. Outro problema: a idade avançada. Aos 72 anos, o atual presidente dos EUA, Donald Trump, é o mais velho a assumir o cargo. Volta e meia sua saúde é motivo de polêmica, devido a atestados médicos que têm a veracidade de seu conteúdo questionada.

Também fez um anúncio oficial a senadora Elizabeth Warren (D-MA), de 69 (foto), que se viu no centro de uma polêmica envolvendo suas origens ameríndias. Ainda que esclarecido, o caso foi amplamente usado por Trump e poderá servir de munição para os adversários. Bem posicionada nas sondagens, essa ex-professora da Universidade de Harvard se apresenta como uma das mais bem preparadas para o cargo, com um conhecimento em regulação financeira reforçado por seu discurso crítico à desigualdade de renda e a favor de uma classe média sob constante ataque da grandes corporações e da corrupção.

Depois de um elogiado discurso na Convenção Nacional Democrata de 2016, o agora ex-prefeito por Newark e senador Cory Booker (D-NJ), de 49, chegou a ser apontado como um “futuro Obama”. Hoje, divide opiniões no partido. Foi um dos últimos a confirmar sua pré-candidatura e conta com uma ampla base de arrecadação de doações de campanha. No Senado, uma de suas principais bandeiras é a reforma da justiça criminal. A senadora Amy Klobuchar (D-MN), de 58 (foto), anunciou sua candidatura debaixo de uma tempestade de neve. Assim como Kamala, também conquistou a admiração democrata por sua sabatina ao juiz Kavanaugh nas audiências de confirmação.

Outros que já anunciaram oficialmente sua pré-candidatura foram a senadora Kirsten Gillibrand (D-NY), de 52 (foto); o veterano das Forças Armadas e prefeito de South Ben, Pete Buttigieg, de 37; o ex-secretário da Habitação e dos Desenvolvimento Urbano e ex-prefeito de San Antonio, Julián Castro, de 44; o ex-representante John Delaney (D-MD), de 55; a veterana da Guarda Nacional do Exército e representante Tulsi Gabbard (D-HI), de 37 (foto); e a autora de livros de autoajuda Marianne Williamson, de 66; e o ex-executivo do setor de tecnologia Andrew Yang, de 44.

Embora não tenham sido anunciados, estes nomes também são alguns dos esperados na disputa democrata: o ex-representante Beto O’Rourke (D-TX), de 46, que ganhou projeção ao quase derrotar o senador Ted Cruz (R-TX) no ano passado; o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg; o governador de Montana Steve Bullock; o senador Sherrod Brown (D-OH); o governador do estado de Washington, Jay Inslee; o ex-prefeito de Nova Orleans Mitch Landrieu; o ex-governador da Virgínia Terry McAuliffe; e o senador Jeff Merkley (D-OR).

Cinco grupos-chave de eleitores

O fundador e editor-chefe do site FiveThirtyEight, Nate Silver, aponta cinco grupos básicos de eleitores democratas, que podem, ou não, sobrepor-se: Leais ao partido, Esquerda, Millenials e amigos (pessoas que, pela idade, não se encaixam na categoria, mas têm perfil e preferências parecidos), Afro-americanos e Hispânicos (eventualmente combinados com Asiáticos). Segundo ele, o candidato vencedor das primárias para as eleições de 2020 será aquele que conseguir atrair os indivíduos do maior número de grupos, estabelecendo a coalizão o mais ampla possível. Mulheres aparecem como maioria em todos os grupos, à exceção da Esquerda.

O primeiro grupo (leais ao partido) seria composto, principalmente, de mulheres brancas, mais velhas, de classe média alta. Muitas delas costumam ser engajadas na atividade política. Seriam cerca de 30% do eleitorado democrata. São mais liberais na economia e, ao mesmo tempo, fortes defensoras do direito ao aborto, a favor do casamento gay e do controle de armas. Nas primárias de 2016 apoiaram Hillary e, nas de 2008, ficaram relativamente divididas entre Barack Obama e a ex-senadora.

O segundo (esquerda) é o que (ainda) conta com maior número de homens brancos e de afiliados à organização Democratic Socialists of America. Boa parte se identifica mais como independente do que como democrata. A maioria tem diploma universitário. Eles seriam cerca de 25% do eleitorado. É o grupo que defende a agenda mais ideológica dos cinco, a favor, por exemplo, de alta nos impostos para os mais ricos, de Medicare para todos e do ensino superior gratuito. Defendem menos uso de força militar e têm preferências mais isolacionistas em políticas externa e comercial do que o primeiro grupo. Nas prévias de 2016, apoiaram o senador Bernie Sanders (I-VT).

No terceiro grupo, Millennials e amigos também se veem, principalmente, como independentes, mais do que como democratas, o que sugere adesão a temas, mais do que a qualquer forma de disciplina, ou de lealdade partidária. Devem atingir cerca de 30% do eleitorado democrata na disputa de 2020. Preferem candidatos que representem uma mudança no status quo, seja um Obama (nas prévias de 2008), seja um Bernie Sanders (nas de 2016), e são mais abertos ao socialismo. Também são heavy users de redes sociais, o melhor canal para envolver esses eleitores politicamente e transmitir sua mensagem. Temas que mobilizam sua atenção estão ligados à justiça e igualdade racial, ao acesso à educação, ou ao meio ambiente.

O penúltimo grupo apontado por Nate é o de afro-americanos, quase 20% do eleitorado democrata. São mais pobres e mais jovens do que a média dos democratas. Nas primárias, quase 60% dos eleitores negros são mulheres. Nas últimas eleições, a maioria apoiou Hillary e Obama, com escolhas pragmáticas, em geral optando pelo candidato preferido da cúpula do partido. São mais religiosos e mais conservadores em termos de valores e mais liberais na economia, ainda que, em ambos os casos, as preferências sejam mais heterogêneas, muitas vezes relacionadas à diferença geracional.

No último, estão os hispânicos e, eventualmente, os asiáticos. Ambos apoiaram Hillary em 2016 e em 2008. Defendem agendas parecidas, como um Estado de Bem-Estar Social que ofereça mais serviços à população, e, assim como afro-americanos, escolhas políticas também pode ser afetadas pelas diferenças geracionais. Imigração é um tema importante que divide a atenção com tópicos como sistema de saúde, educação e economia.

Debate identitário para eleições 2020

Depois da amarga derrota de Hillary Clinton em 2016, a questão é se os americanos estariam, enfim, preparados para colocar uma mulher na Presidência. Longe de ser banal, ou periférica, a questão de gênero foi um dos elementos do debate na recente corrida pela Casa Branca, em especial nos diferentes modos de tratamento, por parte da imprensa, da ex-senadora e do empresário e apresentador de reality show.

Também se coloca, para o Partido Democrata, o quão à esquerda do espectro político seus candidatos podem ir a partir de agora sem afastar a parte mais moderada do eleitorado – sejam correligionários, independentes, ou até republicanos insatisfeitos com Trump. Na média, o eleitor americano ainda é mais conservador do que progressista, com 35% contra 26%, respectivamente, de acordo com pesquisa Gallup referente a 2018. E, embora os entusiastas da onda azul possam comemorar o fato de, pela primeira vez, segundo a mesma enquete, os democratas autodeclarados politicamente liberais (51%) serem maioria, 34% se identificam como moderados, e 13%, como conservadores.

Neste ano pré-eleitoral ainda na era Trump, o Partido Democrata precisa olhar para si e enfrentar a discussão sobre sua identidade e as prioridades de sua agenda programática. Ignorar esse debate pode levar a legenda a se descolar dos anseios do eleitorado, a fazer cálculos eleitorais equivocados e, em consequência, a adotar estratégias ruins de campanha.

Redação

Redação

View Comments

Recent Posts

Mandato de Sergio Moro no Senado nas mãos do TSE

Relator libera processo para julgamento de recursos movidos por PT e PL em plenário; cabe…

4 horas ago

Uma “Escola para Anormais” no Recife, em Água Fria, por Urariano Mota

Diante disso, quando respiramos fundo, notamos que a escola seria uma inovação. Diria, quase até…

4 horas ago

Praticante da cartilha bolsonarista, Pablo Marçal mente sobre proibição de pouso de avião com doações

Coach precisava ter passado informações básicas à base com 3h de antecedência; base militar tem…

5 horas ago

Enchentes comprometem produção de arroz orgânico do MST no RS

Prognósticos mostram que perda pode chegar a 10 mil toneladas; cheia começa a se deslocar…

5 horas ago

Nova Economia debate o poder da indústria alimentícia

Com o cofundador do site O Joio e o Trigo, João Peres; a pesquisadora da…

6 horas ago

Processos da Operação Calvário seguem para Justiça Eleitoral

Decisão do Superior Tribunal de Justiça segue STF e beneficia ex-governador Ricardo Coutinho, entre outros…

6 horas ago