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Economia x governança: o jogo sem hora para acabar

Jornal GGN – “A revisão da redução dos estímulos na economia norte-americana dependem dos números do emprego”. A frase proferida por Janet Yellen, chair do Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) na semana passada parece ter ecoado além das fronteiras norte-americanas, criando expectativas em outras economias e até nos países emergentes.

Um sopro de esperança com a possibilidade remota de uma revisão dos estímulos por parte da autoridade monetária – que os vem retirando, pouco a pouco da economia – pode surgir um efeito positivo nas economias externas, mas também revela a fragilidade de alguns números essenciais da economia norte-americana, como o emprego, por exemplo. As condições climáticas adversas – o frio vem castigando o país desde dezembro – também podem ser um fator de peso no momento das escolhas do Fed. No entanto, também revela um problema social que atinge a economia. Para quem ou o quê os emergentes e demais economias grandes do planeta devem “torcer”?
“Uma coisa é você imaginar que estão colocando US$ 20 bilhões a menos. Outra coisa são US$ 65 bilhões. O ritmo de expansão da política monetária nos Estados Unidos permanece elevado.  A discussão aqui sobre os estímulos é sobre o ritmo de aplicação deles. Ninguém começou a discutir quando, efetivamente, vão começar a retirar o que aplicaram”, explica André Guilherme Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.
Segundo ele, o país injetou na economia nacional – e também mundial – algo em torno dos US$ 3 trilhões, desde 2008, no auge da crise. E é preciso ficar atento a este valor. “Existe muito dinheiro que foi injetado na economia e a discussão sobre a forma como isso será recuperado ainda nem começou”.
Embora não seja o esperado, o economista acredita que o mercado de trabalho tenha apresentado números relativamente bons. Em fevereiro, foram criados no país 175 mil empregos, de acordo com o departamento do Trabalho norte-americano. O que pesou, e até causou uma certa desconfiança e instabilidade, foi mesmo a taxa de desemprego, que apresentou uma discreta alta em relação a janeiro (0,1%), estacionando na casa dos 6,7%. O mercado laboral, aliás, foi um dos temas principais do primeiro discurso de Yellen à frente do Fed, no que ela classificou como um “objetivo”: fazer a economia voltar a girar por meio do “pleno emprego”.
Todas as expectativas no momento giram em torno das condições climáticas, que atrapalharam muitos dos números em expansão na economia americana. Mas, no entender de Perfeito, a política monetária do país precisa ser compreendida de uma forma menos mecânica e mais flexível por parte dos analistas – e também dos países que acompanham e, de certa forma, dependem da saúde financeira dos Estados Unidos para também pensarem em expansão e crescimento. “O que vejo é que os bancos centrais das principais economias do mundo entraram num processo belicoso entre si. Todos têm adotado políticas mais agressivas para espantar a crise e deixá-la no passado. E percebo que todos, sem exceção, adotaram uma política de expansão que, atualmente, fugiu do controle”.  Para o economista, a palavra de ordem é: cautela.
O mundo está vivendo um momento de muita liquidez, que não se traduz em ativos. O cenário é complexo e vai além dos países emergentes, que têm vivido em constante dúvida – nações essas que seriam, contraditoriamente, muito beneficiadas por uma revisão ou até retorno dos estímulos de US$ 85 bilhões por parte do Federal Reserve. Uma verdadeira guerra cambial. E de nervos também.
“Há uma dúvida sobre a capacidade desses países de continuarem em franco desenvolvimento, como na época da crise. Você observou, por exemplo, ajustes feitos em algumas economias europeias que salvaram momentaneamente a saúde financeira dessas nações mas, por outro lado, jogaram uma boa parte da população para um nível de renda consideravelmente menor. Não é uma discussão óbvia e mecânica”, analisa André.
Mudar para agradar?
Janet Yellen é uma funcionária de carreira das mais antigas do Banco Central norte-americano. Estaria ela pensando numa estratégia amigável, e até diplomática, ao acenar com uma revisão dos números, com as justificativas do frio e do emprego no país? O especialista acredita que não é o caso. “Ela é atuante e vem construindo seu nome no Fed desde os anos 70. Foi braço direito de Bernanke, o ex-chairman, inclusive no plano de recuperação da economia pós-crise. Não precisaria de uma cartada como essa. Sua missão é tentar encerrar gradualmente o processo que ajudou a iniciar na antiga gestão que, na minha opinião, ninguém sabe exatamente como terminar”, avalia.
De um lado, existe uma política monetária expansionista nos Estados Unidos que briga constantemente com sua política fiscal.  Em 2008, antes da crise, o multiplicador bancário americano girava em torno de 1,7 ponto percentual. Ou seja: a cada dólar impresso, existia US$ 1,70 circulando na economia. Hoje, este valor caiu para US$ 0,70. “Isso mostra um grau de desfuncionalidade muito alto do mercado financeiro como um todo porque muito dinheiro foi injetado, o que torna a situação ainda mais surreal”, diz André.
O que isso significa na prática? Se os dados econômicos forem mal, acabam jogando os números e dados de bolsa de valores para o “infinito”. Em resumo: esse dinheiro está se transformando em ativos que não necessariamente se traduzem em melhora econômica. Um jogo perigoso e que merece atenção do mercado, já que pode se transformar num “caminho sem volta”.
Para Perfeito, a escolha do plano de injeção de estímulos não foi propriamente um erro, mas um fenômeno da história econômica mundial recente. Guarda semelhanças com a crise de 1930, uma vez que tem origem no sistema financeiro e na quebra de confiança da atividade de médio e longo prazo. “Seria ainda pior se não tivessem feito nada disso”, acredita. “Teríamos uma política fiscal muito contracionista, uma política monetária que não ajudaria, nem daria suporte. O que existe é uma disfunção da estrutura financeira global, desequilibrada pela crise. São os reflexos de algo que não está sendo arbitrado. Os recursos não estão atingindo os objetivos e não se traduzem em desenvolvimento”, diz.
Um processo que parece não ter volta, e que pode gerar uma espécie de “guerra cambial”, já citada pelo ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, e muitos outros líderes econômicos de outros países. Uma tentativa de resgatar a atividade pré-2008 por meio do comércio exterior. O Japão, cauteloso há mais de 30 anos, agora é uma economia deficitária e em constante estado de atenção, com taxas de deflação que já persistem há mais de 15 anos.
“É um problema de governança, de fato. A política econômica é só um dos itens dentro de um cenário que tem mudado de forma muito rápida. A China, por exemplo, é um desses ‘fatores-surpresa’, que não contávamos há alguns anos”, reflete o analista.
E como livrar-se desta questão? O que os Estados Unidos podem fazer, afinal, para conseguir retirar aos poucos os estímulos? “Adequar um pouco mais suas políticas fiscal e econômica, para que ambas caminhem juntas, e não briguem entre si, como vem ocorrendo. Mas, como já colocado, é uma forma muito mecânica de pensar em soluções. É um jogo que precisa de cautela para avançar. Um novo pacto coletivo se faz necessário, mas aí temos a China, crescendo mais de 7% ao ano, e que está muito bem, obrigada, e um presidente norte-americano amarrado nas contradições de seu próprio país, para avançar em quais circunstâncias neste sentido. É uma nova geopolítica, com déficits comerciais criados com a chegada da China, a impressão de mais dinheiro que criou uma série de bolhas e que eclodiu na crise que, até hoje, deixou suas marcas. É mais delicado e diplomático do que se imagina”, conclui.
Redação

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