De outubro de 1988 a junho de 2013: o legado e o desafio

Por  Haroldo Silva Filho
Segue artigo do cientista político Julio Aurelio Vianna Lopes, pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, sobre os 25 anos da nossa Constituição. O Prof. Júlio Lopes é autor do livro A Carta da Democracia: O processo constituinte da ordem pública de 1988, resultado de sua pesquisa, que levou cinco anos, com base nos debates parlamentares durante os dois anos de reuniões da Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). Júlio Aurélio analisou exaustivamente as ideologias, conflitos e bastidores da comissão de sistematização da Assembleia Constituinte, motivo pelo qual seu livro se constitui em obra única sobre a elaboração da atual Constituição Federal.          
De outubro de 1988 a junho de 2013: o legado e o desafio
por Julio Aurelio VIanna Lopes
Uma Constituição é uma dádiva entre gerações: a Carta de 1988 é um legado dos brasileiros que se opuseram ao regime militar, enviando sua mensagem democrática às gerações seguintes. Como todo presente, importa se e quanto ele foi recebido – no caso, pela sociedade brasileira.
Neste sentido, três aspectos ressaltam sua recepção, ao longo de seus 25 anos:
– Nunca tivemos tantas liberdades em tanto tempo (1988 a 2013), mas apenas em curto período (1934 a 1936) ou menos liberdades em período maior (o coronelato de 1891 a 1930), sendo autoritários os demais períodos de nossa História;
– Essencialmente, a Constituição atual é a mesma de 1988: das 74 emendas feitas, até agora, somente 14 delas contrariaram o sentido politico do texto. Mesmo assim, apenas reduziram seu alcance, sem expurgar, inteiramente, alguma de suas novidades;
– Suas inovações vêm sendo progressivamente, apesar de lentamente, adotadas: as de cunho libertário (o fim da censura oficial, a licença-maternidade, o voto de analfabetos e adolescentes, os juizados especiais, a liberdade partidária, a garantia das manifestações coletivas) são mais efetivas, enquanto as de cunho igualitário (reconhecimento de danos morais e de uniões conjugais ou a proteção aos consumidores e às mulheres, a fidelidade partidária e a defensoria pública) encontram maiores dificuldades.
Porém, o regime de 1988 é uma democracia burocrática, na qual os órgãos públicos reguladores atuam com a participação das associações representativas dos interesses que regulam. Isto ocorre desde os conselhos municipais, estaduais e federais que funcionam junto aos gestores públicos, até os projetos de lei cuja votação só acontece depois de audiências com as entidades representativas pertinentes. É um regime democrático nascido do encontro entre os dois segmentos que teceram nossa Constituição, através da maioria dos constituintes eleitos (51% deles provinha da gestão administrativa) e das 83 emendas populares assinadas por, no mínimo, quatro milhões de eleitores (encaminhadas por associações civis).
Portanto, as manifestações de junho de 2013 trazem o maior desafio histórico ao regime de outubro de 1988: seu fio comum é o anseio difuso – não de corporações organizadas – pela qualidade de vida em geral, traduzida na reivindicação pela qualidade dos serviços públicos de transporte saúde e educação. Desafiam a ordem de 1988 para ir além do tema das verbas públicas e da eficiência contábil; exigem a humanização dos serviços prestados pelo Estado e não admitem sua corrupção cotidiana.
Ao completar 25 anos de vigência, a ordem legada em 1988 foi retribuída, em junho de 2013, pelos brasileiros que se manifestaram contra o aumento das tarifas de transporte urbano, denunciando sua crônica falta de qualidade. Reanimando a democracia, suas manifestações coletivas abriram novas possibilidades de aprendizado democrático para todos – manifestantes e autoridades – evitarem excessos e arbitrariedade. Mas trouxeram, principalmente, a necessidade de reconhecer anseios da sociedade que não cabem nas formas tradicionais da politica moderna.
Luis Nassif

Luis Nassif

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