Medida da Câmara levará à perseguição seletiva de juízes, diz ANJ

Jornal GGN – Para a Associação Juízes para a Democracia, a mudança aprovada pela Câmara dos Deputados com a criminalização do “abuso de poder” de juízes e membros do Ministério Público pode ter efeito reverso.
“O crime de responsabilidade contra juízes, portanto, não passa de mais um mecanismo aparentemente jurídico que, certamente, levará à perseguição seletiva de juízas e juízes que, no seu garantismo, obstam a seletividade penal”, posicionaram-se André Augusto Salvador Bezerra e Eduardo de Lima Galduróz, da ANJ.
Do Justificando
Por André Augusto Salvador Bezerra e Eduardo de Lima Galduróz

Na calada da madrugada do dia 30 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou a instituição de crime de responsabilidade contra juízas e juízes que atuarem de “forma incompatível com o cargo”.

Embora tenha recebido apoio de alguns setores progressistas e movimentos populares, que enxergam na medida uma saudável restrição a abusos cometidos no exercício do poder punitivo, a legitimar ações truculentas do Estado e propiciar perseguição a determinados setores, é preciso que a alteração legislativa seja analisada com mais cautela.

Conforme já defendido no artigo O fim de mais um outubro sob o trauma do Carandiru reforça a relevância das lutas da AJD, de autoria dos subscritores deste texto, o Direito Penal não foi concebido para a emancipação de estratos sociais historicamente subalternos aos grupos política e economicamente dominantes; ao contrário, serve justamente ao disciplinamento e neutralização do excedente da força de trabalho não absorvido pelo mercado, que, não sendo útil à sociedade de consumo, é atirado e esquecido nos estabelecimentos penitenciários cujas condições fazem recordar o Medievo.

Para tal escopo punitivista, o sistema necessita de juízes que legitimem a seletividade da política de persecução penal. Em outros termos, juízes que apliquem acriticamente a lei penal (esquecidos de que seu principal objetivo é proteger liberdades, e não viabilizar punições) e, ainda que com as melhores intenções – oriundas de um arcabouço de transmissão de conhecimento propagadora de visão de mundo autoritária-, auxiliem na tarefa de excluir a liberdade daquela parcela social e economicamente subalterna, formadora da grande massa carcerária.

Daí que juízes que assim não agem – conhecidos como garantistas, por aplicarem as garantias das liberdades públicas constitucionais –  passam a ser vistos como verdadeiros obstáculos aos grupos dominantes. A famosa frase “a polícia prende, mas o Judiciário solta”, corrente nos programas policialescos de rádio e televisão, simboliza, perfeitamente, a censura hegemônica ao exercício da independência funcional que privilegia os fins emancipatórios dos direitos.

Neste ano de 2016, o acirramento dos conflitos políticos brasileiros e o fortalecimento de demandas autoritárias oriundas dos setores mais conservadores da sociedade civil agravaram esse quadro. Atualmente, há, pelo país, magistradas e magistrados sendo constrangidos por procedimentos prévios ou por processos administrativos em razão de, no exercício de sua independência funcional, terem ousado fazer valer a Constituição frente ao poder punitivo, decretando a ilegalidade de prisões por agentes destituídos de atribuição de policiamento ostensivo; absolvendo cidadãos acusados de crimes cuja validade sequer passaria pelo controle de convencionalidade, como o desacato; determinando, em 2a instância, a soltura imediata de presos que deveriam estar em liberdade, dentre tantos outros.

Por outro lado, desconhece-se a instauração de idênticos procedimentos prévios ou de processos administrativos contra magistrados que legitimam a atuação repressiva do Estado, muitas vezes relativizando garantias constitucionalmente asseguradas. Afinal de contas, como se viu, ainda que involuntariamente, legitimam a seletividade penal dominante.

É necessário, portanto, que se julguem as alterações legislativas mais por sua origem e finalidades latentes do que, propriamente, por seu conteúdo.

Não se olvide que as garantias penais, e toda a revolução civilizatória do processo penal instaurada com o Iluminismo, foram criadas pela burguesia como forma de se proteger contra as arbitrariedades do poder monárquico; não foram forjadas para proteger o povo que, não por acaso, é quem mais sofre ainda hoje com os abusos do Estado.

O projeto de lei que responsabiliza juízes por crimes de responsabilidade não é, da mesma forma, uma conquista progressista ou popular

Foi, também, forjado pela elite política para proteger a si própria das arbitrariedades do poder punitivo; a população pobre que superlota presídios continuará a ter seus direitos fundamentais violados cotidianamente e, baixada a poeira, os juízes garantistas, que insistem, quixotescamente, em estabelecer limites constitucionais contra o poder de punir do Estado é que serão mais gravemente atingidos pelas punições estabelecidas.

O crime de responsabilidade contra juízes, portanto, não passa de mais um mecanismo aparentemente jurídico que, certamente, levará à perseguição seletiva de juízas e juízes que, no seu garantismo, obstam a seletividade penal. 

No atual momento de tensão política e de retrocesso de direitos, não se pode cair em velhas ilusões. É preciso, mais do que nunca, lembrar as demandas históricas da Associação Juízes para a Democracia (AJD) em favor das liberdades públicas em detrimento do fortalecimento de mecanismos seletivos de punição. 

André Augusto Salvador Bezerra é presidente do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

Eduardo de Lima Galduróz é secretário do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).      

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Todo mundo tem códigos de responsabilidade

    Todo agente público, todo trabalhador na iniciativa privada, todo aluno na escola e na faculdade, todo mundo tem códigos de responsabilidade, ética e atitude durante a sua vida. Na Igreja, no trabalho, dentro do ônibus, existem regras de conduta, escritas ou não, que devem ser seguidas. Sem isso não é sociedade, é barbárie.

    Por que só os Juízes e Procuradores do MP querem ser imunes a isso?

    Por que acham que devem trabalhar como bem entendem, sem responder de forma alguma por seus atos?

    • Perfeito, Alan.
      Soa como

      Perfeito, Alan.

      Soa como piada ouvi-los falar de "seletividade". Sobretudo porque a quase totslidade deles sabem muito bem que integram o poder mais corrupto da República; uma verdadeira caixa preta fora do alcance da visão da cidadania.

       

  • Engraçado...

    Avisem a república de Curitiba.

    "esquecidos de que seu principal objetivo é proteger liberdades, e não viabilizar punições".

    O que vossas excelências fizeram para deter o Savonarola curitibano. Agora vêm com esta esparrela?

     

    "(...)não se pode cair em velhas ilusões." Ilusões do tipo tipo, juízes imparciais????

     

     

  • Engraçado...

    Avisem a república de Curitiba.

    "esquecidos de que seu principal objetivo é proteger liberdades, e não viabilizar punições".

    O que vossas excelências fizeram para deter o Savonarola curitibano. Agora vêm com esta esparrela?

     

    "(...)não se pode cair em velhas ilusões." Ilusões do tipo tipo, juízes imparciais????

     

     

  • Que se dane ! Bem feito !
    É

    Que se dane ! Bem feito !

    É por causa de parte do  judiciário que o país se encontra nesse estado.

    Muitos desse meio deram apoio ao golpistas, bem feito ! Toma !

    Bate de frente com o Temer e sua gang para ver o que acontece.

  • Que lindo!!!
    Quer dizer que

    Que lindo!!!

    Quer dizer que selecionar inimigos políticos e usarem todo tipo de perseguição, desde vazamentos até calúnias de revistas como arma para perseguir pessoas de quem não se tem prova nenhuma, é fazer lustiça. Mas quando se tem que fazer justiça sem arbitrariedades e abuso de poder  e ter que responder pelos excessos e o fim do mundo?

    Apesar de serem uns safados sem vergonha, os deputados, pelo que vi, só cortaram aquilo que era extremamente absudo. ,

    Quem que esses cara do mp e magistratura pensam que são? estão no patamar dos deuses que não devem satisfação a ninguém?

    Moçada, agora ficou bom, são os "rapazes do bem do judiciário" contra os "homens probos" do congresso.

    Se o pessoal do nosso "imparcia judiciáriol" não quisesse isso, era só não darem força pro aócio na campanha eleitoral. 

    Tão reclamando de Quê?

    A Dilma deve estar rolando de rir desses palhaços.

  • Bem feito!

    A turminha do power point contra Lula achou que procuradores e juizecos iriam seguir fazendo o que quiserem!

    Juiz ladrão hoje é castigado com férias antecipadas e aposentadoria integral.

    Por fim deram uma bola dentro da câmara. Agora no senado!

    Eles mesmos mataram a lava-jato, pela sua parcialidade e viés político. Quem manda aqui é o povo e os seus representantes, não aqueles meritocráticos de Green card, 

  • Essa

    tigrada de toga (NÃO SÃO TODOS) são uns hipócritas manipuladores e os paneleiros estão caindo como um patinho nessa narativa suja. Na verdade essta tigra está buscando uma nova lei da anista (aplicada somente a eles, claro), mas uma anistia antecipada, isto é, podem esculhambar, avacalhar, ameaçar, roubar e cometer todas as malfeitorias possiveis que mesmo assim não podem ser julgados. Sob o comando do Janot, da Carmen Lúcia Sem Noção e dos jihadistas de Curitiba, parte do Judiciário está criando a sua própria jabuticaba.

  • Esses caras do Judiciário acham que estão lidando com o PT...

    Os do Judiciário/MP fizeram o diabo pra tirar a Dilma e continuam fazendo o Satanás pra condenar o Lula. Achavam o quê, que essa turminha que eles colocaram no Poder seria composta de amadores como os petistas?

    Não, senhores, agora os senhores estão nas mãos dos profissionais do PSDB, do PMDB e do DEM. Se preparem que isso foi só o começo. Ainda vem muito chumbo grosso em cima de vocês!

  • Fodam-se os juízes e
    Fodam-se os juízes e promotores.

    Eles apoiaram o golpe em troca de aumento salarial.

    Muitos deles ganham acima do teto e desdenham os direitos sociais que ajudaram Michel Temer a revogar.

    Portanto, eles merecem ser esmagados pelos corruptos que entronizaram.

    Eles são golpistas e estão do lado errado da história.

    Não estarei ao lado deles. Fodam-se.

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